Após a CDE e o GSF, o setor elétrico pode estar diante de uma nova onda de disputas jurídicas. O governo decidiu que o pagamento das indenizações de transmissão, estimado em R$ 20 bilhões, ocorrerá a partir de 2017 por meio de repasse tarifário, ou seja, transferindo o ônus para o consumidor. Porém, na avaliação de advogados e consultores ouvidos pela Agência CanalEnergia, essa medida pode gerar questionamentos jurídicos, uma vez que se estaria realizando uma cobrança em duplicidade.
Ao longo de muitos anos, os agentes do setor elétrico contribuíram com a Reserva Global de Reversão (RGR), cuja finalidade legal e expressa era indenizar ativos não amortizados ou depreciados. Ocorre que o governo acabou utilizando esse dinheiro para outros fins e o fundo acabou esvaziado após o processo de renovação das concessões em 2013. Em 2012, no intuíto de reduzir a tarifa de energia, o governo ainda acabou com o recolhimento RGR, encerrando a entrada de novos recursos.
A associação que representa os grandes consumidores de energia, Abrace, informou que ainda está estudando os impactos dessa portaria, mas já estima um aumento de 40% na Tarifa de Uso dos Sistemas de Transmissão em 2017. “Temos uma preocupação enorme quanto a isso… e vamos avaliar todas as alternativas possíveis para minimizar esses impactos para o nosso associado”, avisou a Coordenadora de Energia da Abrace Camila Schoti. Ela lembra que no momento da aplicação da MP579 os geradores tiveram uma redução considerável na Tust e questiona se a indenização só será paga pelos consumidores. O diretor-presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, Carlos Faria, informou que também está estudando as implicações da portaria, mas já avisou que irá recorrer aos órgãos responsáveis caso seja identificado alguma duplicidade de pagamentos.
Para o advogado especialistas em direito de energia, Yuri Schmitke A. Belchior Tisi, a portaria é ilegal, pois cobra por duas vezes o consumidor pela mesma finalidade. “Essa é uma obrigação que cabe ao Governo Federal. Aliás, isso fica claro pela demora do Governo Federal em pagar as indenizações. Se o correto fosse incluir na tarifa, o governo já teria feito isso desde 2013. Contudo, diante do agravamento da crise política e econômica do país, essa foi a saída encontrada no presente momento, cujos atos poderão ser questionados judicialmente, levando a mais uma onda de judicialização por parte das associações que representam os interesses dos consumidores.”
A advogada Maria João, do escritório Rolim, Godoi, Viotti & Leite Campos, lembrou que as transmissoras não podem ser prejudicadas, pois elas têm direito as indenizações, e que o consumidor precisa arcar com essa conta desde que seja demonstrado que os recursos recolhidos no passado e depositados na RGR foram insuficientes para pagar as indenizações. Contudo, ela destacou que é preciso realizar uma auditoria para saber qual foi o real destino dos recursos da RGR. “A gente não tem confiança de como foi utilizado o dinheiro da RGR… Isso sem dúvida vai causar uma nova onda de discussões judiciais por conta dessa duplicidade”, avaliou a advogada.
A também advogada Laura Souza, do escritório Machado Meyer, entende que mais uma vez o governo toma uma decisão para resolver um problema que ele mesmo criou, mas acaba por provocar efeitos indesejáveis para outros agentes. “Acho que essa nova portaria, no afã de resolver um problema e dar segurança às transmissoras, acabou por abrir um flanco de potencial judicialização novamente, o que não era o que o setor elétrico estava esperando.”
O sócio presidente da GV Energy & Associados, Pedro Machado, contou a reportagem que seus associados, em geral grandes consumidores de energia, já começaram a pedir consultoria para estimar os impactos dessa medida e de como eles poderão se proteger desse custo no futuro. O diretor de Regulação e Gestão em Energia da consultoria Thymos, Ricardo Savoia, também já havia alertado para uma possível nova onda de judicialização no setor por conta da portaria que pretende incluir a indenização de reversão das transmissoras na tarifa.