Hoje o setor elétrico brasileiro vive em um mundo irreal. Essa opinião é do presidente executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Paulo Pedrosa. Para ele, o país precisará buscar uma agenda de realidade de mercado para que a indústria possa conquistar mais competitividade e essa agenda passa obrigatoriamente pelo preço da energia.
O executivo da Abrace aponta que atual momento político e econômico tem deixado o país parado. Mas que após esse período de turbulência as lideranças deverão buscar uma mudança estrutural no setor, alterando a ideia de setor elétrico para a indústria da energia, com o foco de entrega de ganhos de produtividade. Pedrosa participará da 13ª edição do Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), copromovido pelo Grupo CanalEnergia e 19 associações do setor, que acontece nos dias 18 e 19 de maio no Rio de Janeiro. Confira abaixo os principais pontos da entrevista concedida à Agência CanalEnergia.
Agência CanalEnergia: Quais os caminhos que o país deve procurar quando esse momento político e econômico pelo qual passa terminar?
Paulo Pedrosa: Esse mundo político deixa o país parado, mas quando acontecer o término dessas discussões temos que buscar uma agenda nova de desenvolvimento. O Enase desse ano acontece em um momento muito especial em que muito possivelmente todo esse impacto da questão política estará começando a se dissipar. Agora temos que enfrentar uma agenda da realidade e a questão que fica é: o que nós, como país, faremos para voltar a crescer e a gerar emprego? Vamos estar na agenda de realidade e a energia é um elemento fundamental, um dos eixos para o Brasil crescer, pois apresenta potencial enorme de influenciar na competitividade da produção nacional e investimentos da indústria nacional e, consequentemente, atuar na recuperação da produção e do emprego.
De outro lado, o próprio setor precisa de respostas para manter o fluxo de investimentos e manter a oferta. Então na agenda de preocupações da Abrace está o mercado livre. Esse ambiente de contratação precisa ser instrumento de promoção da competitividade de forma estrutural. Atualmente, se há um setor protegido e amplamente regulado é o elétrico, isso é histórico. Enquanto a indústria entregou a produtividade, e preços relativos a produtos industriais crescem menos que a inflação, o setor elétrico segue no caminho inverso, pois não há competição. O mercado livre como instrumento de competição é mais parecido com a economia real.
Agência CanalEnergia: Hoje o mercado livre não promove essa competitividade para a indústria?
Paulo Pedrosa: O que acontece hoje com a indústria é preocupante vemos um mercado livre que pode crescer destruindo valor da economia, por exemplo, suportado por subsídios. Todo o mercado de incentivada está crescendo com base nesse subsídio no fio e cobrado na energia. Nosso modelo faz com que a indústria pesada subsidie, por exemplo, shopping centers. Esse é um erro conceitual para o país. Esse mercado livre, ele é sem muita responsabilidade. Tememos a explosão do mercado livre com base em preços de curto prazo baixo, isso pode promover um boom no comércio de energia, mas sem melhoria estrutural no ambiente livre de energia e perspectiva de longo prazo. A preocupação é que tenhamos um setor elétrico que seja capaz de contribuir com a competitividade da economia de forma estrutural.
Agência CanalEnergia: E qual seria a solução para que se implemente essa alteração estrutural no setor elétrico?
Paulo Pedrosa: Acho que é importante resgatar um projeto da UNB feito pelo professor Ivan Camargo. O setor elétrico está dominado por uma agenda de interesses particulares. A agenda estrutural da universidade tem pontos importantes: a valorização do preço, a qualidade de preços de curto e longo prazo e a valorização dos contratos de energia como instrumento de gestão de preços e o repensar desse insuportável ambiente de subsídios que convergem nos encargos seja à geração de térmicas caras, seja de fontes incentivas e políticas públicas que destroem mais valor do que o promovem.
Essa é uma agenda estrutural de melhoria de sinal de preços e valorização dos contratos. E o repensar desse ritual de subsídios que termina dando sinais equivocados. E ainda, no momento em que a indústria está desempregando desesperadamente, não se pode ver a defesa de um leilão adicional de energia de reserva para garantir poucos empregos em um setor que oferta energia. Esse é o sinal que o setor vive num mundo irreal, com o aumento do custo de energia, pagando uma energia de reserva desnecessária para preservar um setor da economia que está empregando. Essa contratação de energia de reserva vem em um momento de sobra levando a um aumento da ineficiência do setor.
Agência CanalEnergia: Como é essa irrealidade que vive o setor elétrico atual?
Paulo Pedrosa: As decisões do setor no Brasil dão a clareza que antes de ser considerado um segmento de infraestrutura, o setor elétrico é encarado como um mecanismo gigantesco de transferência de renda das mais diversas formas. As intervenções são feitas sob a ótica das forças que pressionam o setor e tem sido majoritariamente forças que defendem benefícios para um segmento em detrimento de outro com transferência de riscos e custos. Isso leva a preços de leilão extremamente baixos e sem correspondência com o custo da energia para o consumidor, afinal, tem tanta coisa por fora que tem o preço do leilão que é baixo mas o custo da energia é alto, isso tem que mudar. São tantos agregados que elevam o custo, o que precisamos é transparência para valorizar o preço e os contratos como sinalizado no trabalho da UNB.
Agência CanalEnergia: Um desses custos adicionais que a Abrace vem combatendo é a CDE, inclusive com ação na Justiça…
Paulo Pedrosa: Olha, acho que essa agenda toda da judicialização…tudo isso é o resultado do que o setor teve no passado. Mas nós temos a esperança de que nós vamos encontrar agora lideranças que nos ajudarão a retomar a discussão da eficiência do setor. A partir daí vamos começar a desarmar essas bombas todas que estão armadas, inclusive em âmbitos judiciais.
Agência CanalEnergia: Em sua opinião seria melhor a troca do comando do setor?
Paulo Pedrosa: Não digo que a troca, não seria esse o caso. O setor tem pessoas respeitáveis, o Barata, por exemplo, é uma unanimidade no setor. Ele é um homem de diálogo e preparado e conhece a lógica da operação, da comercialização e do mercado. Se ele não conseguiu reverter esses processos todo é porque não é questão de pessoas e sim de, estruturalmente, discutir o setor sob o ângulo da eficiência para competitividade da economia e não apenas ficar focado em resolver apenas um problema particular de um segmento apenas jogando os custos para outro lado. No fundo precisamos simplificar as agendas e ter como meta ajudar ao Brasil. Hoje se tem contratos de longo prazo, preço bom, dinheiro barato, sociedade com uma estatal para se proteger do risco político e a transferência de riscos do mercado compulsoriamente aos consumidores. Este tipo de postura tem prosperado, mas tem se mostrado insustentável. Muita gente que entrou nesse modelo está vendo que está com taxa de retorno negativa, mesmo assim.
Agência CanalEnergia: Então qual modelo deveria ser utilizado para o setor elétrico?
Paulo Pedrosa: A solução é a mudança de abordagem do setor elétrico olhando para este como a indústria a energia elétrica o que implicitamente passa a ideia de que estamos assumindo que esta é uma indústria como outra qualquer, que tem pressões competitivas com ganhadores e perdedores e que tem como obrigação entregar ganhos de produtividade. As intervenções atuais têm causado muitos custos para a indústria que tem sido a subsidiadora do sistema. Por meio do setor elétrico estamos perdendo empregos no país, mas temos o potencial de reverter isso e ajudar a recuperar a economia. E esta deverá ser agenda quando a agenda política for superada.