A pouco mais de uma semana para o início do processo de liquidação financeira das operações realizadas no mercado de curto prazo referente aos meses de fevereiro e março o sentimento de agentes e entidades do setor é de que a lei 13.203, que entre outros temas trouxe a regra de repactuação do risco hidrológico, não foi suficiente para resolver o problema do GSF. A questão recai sobre o montante financeiro de quase R$ 1,5 bilhão que permanece em aberto em decorrência das 65 liminares vigentes e que protegem uma parte dos agentes. A tendência é de que o setor elétrico deverá ter o que se chama de ‘mais um esqueleto no armário’ no já intrincado debate jurídico que convive com ações contra CNPE 03, CDE e outras questões que estão em discussão e, pode, em um segundo momento, gerar uma nova onda de liminares para buscar o recebimento desses créditos não pagos.
O problema só não é maior porque a própria condição hidrológica do país resolveu ajudar, com a elevação dos reservatórios na comparação com dois últimos anos, consequente redução do PLD e desligamento de térmicas. A avaliação é de que caso o cenário de 2015 se repetisse em 2016 os valores de inadimplência seriam tão elevados quanto os que passaram e os impactos financeiros para os geradores continuariam em níveis elevados.
Na avaliação do presidente da Comerc, Cristopher Vlavianos, o valor que ficou em aberto na última liquidação financeira não deverá aumentar expressivamente por conta do PLD que estava próximo ao piso regulatório. Além disso, com o valor reduzido da energia no mercado de curto prazo o que ficar em aberto poderá ser pago, agora essa parcela de R$ 1,48 bilhão que ficou deverá se manter durante o ano.
“Chegamos a ter um PLD R$ 822 em 2014 que associado ao GSF de 10% levava a um valor a pagar de R$ 80/MWh, que tinha que colocar na conta do gerador em todo o seu portfólio em aberto. No ano passado o PLD recuou a R$ 388,48 e com o GSF de 2015 somava R$ 75/MWh, ou seja, teve quase o mesmo efeito de 2014. Agora, se o PLD médio ficar em R$ 50/MWh e um GSF de 8% com se espera, o custo adicional é de R$ 4/MWh um valor é que factível de se pagar”, calculou o executivo. “Ou se desiste das ações por meio de iniciativa das empresas mesmo ou a Justiça derruba as liminares. São essas as opções. Se nenhuma ocorrer, a tendência do mercado de curto prazo é ter de conviver com essa parcela de R$ 1,5 bilhão em aberto”, afirmou ele.
Essa situação, disse o advogado Raphael Gomes, do escritório Demarest, já era prevista, mas juridicamente a situação poderá ser revertida. A lei 13.203 abriu a perspectiva do agente aderir ou não à legislação. Com isso, há apenas uma saída que é a concatenação de ações entre o Ministério de Minas e Energia e a Agência Nacional de Energia Elétrica com a meta de revogar essas liminares por meio do judiciário. Segundo ele, o argumento a ser utilizado é o de que agora existe uma regra que versa sobre o assunto, pode não ser a melhor opção econômica, mas é a regra adotada para reverter aquela situação que era de consequente insolvência das empresas diante dos impactos financeiros do GSF.
“Atualmente as liminares fogem ao seu objetivo principal que era de defesa das empresas que estavam ameaçadas de quebrar. Agora as empresas que mantiveram as decisões estão utilizando o judiciário como a melhor opção do ponto de vista econômico para elas”, afirmou Gomes.
Há um segundo problema no setor que é a onda de ações que buscam proteção contra o rateio do GSF e uma terceira onda que são as liminares para a priorização dos pagamentos a determinados agentes e que hoje se resume à Abraget e à Abraceel. Essas ações, disse o advogado, limitam o pagamento a apenas 33 agentes e deixam os demais sem receber porque não há recursos arrecadados para todos. Por isso, é importante que se combata o primeiro grupo de liminares, pois, se não houvesse essas decisões a segunda e terceira ondas não existiriam.
Gomes acrescentou ainda que quem não aderiu à repactuação é porque decidiu avançar para a discussão dos valores na esfera judicial. Por isso acredita que a disputa só terminará quando a Justiça decidir pelo caso. Enquanto isso, ele corroborou, os valores deverão continuar em aberto, sendo carregados ao longo das próximas liquidações. Segundo Vlavianos, 22% dos agentes no mercado não repactuaram o risco hidrológico enquanto os 78% restantes adotaram a solução. E, são esses que estão travando o retorno à normalidade para o setor elétrico como um todo e seguram o nível de inadimplência em 35,54% referente a janeiro.
Aliás, a tendência é de aumentar a participação da inadimplência no montante total ao passo que os valores serão reduzidos em função do menor preço do PLD e de um menor volume de geração térmica ao longo dos meses. Gomes, do Demarest, estima que o valor de liquidação mensal nos próximos meses deverá se situar na casa de R$ 2,5 bilhões, patamar próximo ao que se via antes de toda essa crise pela qual o setor passou nos últimos dois anos. Mais de uma fonte ouvida pela Agência CanalEnergia e que pediram anonimato disseram que há geradores até buscando ficar contratados no mercado para evitar ter créditos a receber no mercado de curto prazo. Essa ação é um movimento para evitar perdas na liquidação financeira.
Hoje, disse o advogado do Demarest, o cenário se torna mais claro no sentido de que ao passo que não se recebe os valores as empresas poderão voltar a buscar a Justiça para receber os créditos devidos já que ninguém quer pagar a conta. “O risco de não se resolver logo essa situação é de vermos aumentar novamente a judicialização acerca do tema”, apontou. Essa inadimplência devido às ações é tão grave que nem mesmo as empresas filiadas às associações que possuem liminares com prioridade de recebimento, a Abraceel e a Abraget, têm recebido todos os recursos. No caso das geradoras térmicas, contou o presidente executivo da Abraget, Xisto Vieira Filho, o volume recebido na liquidação de janeiro foi de 70% do que era devido. A entidade ainda busca uma solução para resolver essa questão. Segundo ele, as geradoras têm trabalhado junto à CCEE e à Aneel para apresentar uma proposta acerca dos demais 30%.
Vlavianos, da Comerc, que é presidente do Conselho da Abraceel, avalia de forma geral que essa situação é ruim porque havia um respeito muito grande pela liquidação da CCEE ao ponto de que o inadimplente era mal visto por todo o mercado. Agora, comentou ele, isso mudou, mas é necessário que se retome essa mesma credibilidade para o evento até porque ainda há pontos a avançar no setor e que dependem de uma inadimplência baixa como é o estabelecimento de garantias financeiras e a introdução efetiva do comercializador varejista.