A Agência Nacional de Energia Elétrica decidiu aprofundar a discussão sobre a redução dos contratos de compra de energia das distribuidoras para aliviar a sobrecontratação, com receio de que o assunto seja pivô de mais uma rodada de ações judiciais no setor. Uma solução intermediária que resolva a questão sem conflitos é defendida pelas próprias empresas de distribuição, diante da dificuldade de convencer os geradores a alterar os volumes contratados.
A Aneel estuda como reduzir a sobrecontratação de energia resultante do aumento acentuado da migração de consumidores para o mercado livre. A proposta apresentada pelo diretor Andre Pepitone previa a redução dos contratos regulados a partir de 1º de janeiro de 2017. Mas uma série de ponderações feitas por representantes de empresas e de associações do setor na reunião semanal desta terça-feira, 17 de maio, convenceram os diretores do risco real de que a questão extrapole a esfera administrativa, como aconteceu no ano passado com a discussão do déficit de geração das usinas hidrelétricas. O assunto, que já havia passado por audiência pública, foi retirado de pauta.
O diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino, afirmou que a agência vai fazer um esforço para equilibrar os interesses dos agentes. Ele admitiu que as distribuidoras estão com razão quando alegam que não têm gestão sobre a contratação de energia, mas disse que também está sensibilizado pelo argumento de geradores e de comercializadores de que a descontratação de parte da energia negociada no ambiente regulado altera a cláusula econômico-financeira do contrato de comercialização. “Esse é o desafio: caminhar para uma decisão que seja juridicamente sustentável e não dar sinal de instabilidade regulatória”, afirmou o diretor. Para Rufino, o ponto central da discussão é se é razoável atingir os contratos firmados.
O diretor da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Marco Delgado, lembra que o tratamento das sobras de energia é “o A-5 da regulamentação”, pois é um assunto em discussão desde 2011. Ele diz que é necessário encontrar uma solução para pacificar o setor, que teve em 2015 foi um ano difícil, com muitas decisões tomadas fora do ambiente administrativo. “O pior ambiente é o de litígio. Ele aumenta a fragilidade da agência.”
Delgado disse também que é preciso tratamento regulatório para a questão, pois o impacto atual da sobra de energia dos contratos regulados não pode ser considerado um risco ordinário de mercado. Duas situações contribuem, segundo ele, para o cenário atual: a saida de clientes cativos enquadrados como consumidores especiais no ambiente livre (carga de energia entre 500 kW e 3 MW) e a sobrecontratação de origem regulatória, resultante da obrigatoriedade de contratação, pelas distribuidoras, de 96% do montante de reposição dos contratos vencidos em leilões A-1.
Outros representantes de distribuidoras que se manifestaram durante a discussão do processo defenderam que a sobrecontratação seja reconhecida como exposição involuntária, o que transferiria a conta para o consumidor cativo. A redução contratual a partir de 2017 resolve apenas em parte o problema das empresas. A sobrecontratação entrou em trajetória ascendente e saiu de 107% para 113% da carga das distribuidoras em 2016. Delgado aponta um descolamento muito forte este ano entre o custo de compra de energia, que na média está em R$ 180/MWh, e o Preço de Liquidação das Diferenças, usado na liquidação das sobras dos contratos das distribuidoras.
O presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Guilherme Velho, destacou que a redução dos montantes de contratos por migração está prevista apenas para consumidores livres, que tem carga acima de 3 MW e podem comprar energia no mercado livre de qualquer fonte, sem restrições. A mesma regra não se aplica aos consumidores potencialmente especiais, que só adquirem energia de empreendimentos de fonte alternativa. “A distinção entre consumidores é clara e conhecida por todos. O risco de contratação de energia existente é do vendedor, para os consumidores livres, e da distribuidora, para os consumidores especiais. É grave alterar essa alocação de risco para os que já migraram”, afirmou o executivo da Apine.
Luis Laércio Machado Junior, representante da Associação Brasileira das Geradoras de Energia, afirmou que a lei é clara ao definir a situação dos dois tipos de consumidores. “A devolução de montantes de contratos em decorrência da migração de consumidor especial para o ACL (Ambiente de Comercialização Livre) afrontaria os contratos regulados”, ponderou. Para a Abrage, o entendimento e a prática a esse respeito já estão consolidados há 12 anos. A associação solicitou que o tema seja mais discutido para que se resolva a questão. Representantes da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, como o diretor técnico, Alexandre Lopes, alertaram para os efeitos da decisão da Aneel sobre os contratos vigentes. “É preciso observar a segurança jurídica”, completou Tarcisio Meira de Carvalho, da Comerc Power Trade.