A discussão sobre aprimoramentos no modelo do setor elétrico é um dos pontos que os agentes devem retomar no governo interino de Michel Temer. O processo de aprimoramento deve ser permanente, na opinião do presidente da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia, Mário Menel. “Alterações têm sido feitas, mas faltam ações de integração e de consolidação”, afirma Menel em entrevista à Agência CanalEnergia.
O executivo inclui entre os desafios do setor a solução para a sobrecontratação das distribuidoras. E diz que uma questão que começa a ficar preocupante é a dívida do setor elétrico, hoje em R$ 150 bilhões. “Preocupante porque dificulta a obtenção de recursos para investimentos necessários à expansão do sistema”, completa.
Uma das mudanças do modelo setorial é a revisão dos critérios para a migração de consumidores para o mercado livre, cuja expansão, na opinião de Menel, é inevitável. O presidente da Abiape é um dos debatedores do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico, que acontece a partir da próxima quarta-feira, 18 de maio, no hotel Sofitel, no Rio de Janeiro. O evento é uma promoção conjunta do Grupo Canal Energia com 19 associações do setor elétrico. Veja abaixo a entrevista:
Agência CanalEnergia: A ideia de revisão do modelo do setor elétrico tem ressurgido no setor. Em algum momento essa discussão vai ter que ser retomada?
Mário Menel: O atual modelo do setor elétrico tem mais de dez anos. Produziu bons resultados. Mas envelheceu, sofreu sucessivas modificações pontuais, principalmente com e em decorrência da Lei 12.783 (MP 579), e esses fatos sugerem o aprimoramento, a adequação do modelo à realidade que vivemos. O Fórum das Associações do Setor Elétrico – FASE, ofereceu ao governo um projeto de P&D tendo por objetivo e sob a supervisão do governo propor aprimoramentos no modelo setorial. Apesar dos esforços do setor privado e de alguns segmentos do governo, o projeto, inexplicavelmente, não evoluiu. A discussão em torno do modelo teria que ser permanente, sistemática, acompanhando a dinâmica do setor. Alterações têm sido feitas, mas faltam ações de integração e de consolidação.
Agência CanalEnergia: Resolvida a situação da repactuação do risco das usinas hidrelétricas, qual será o próximo grande debate do setor?
Mário Menel: Iniciamos 2016 com três grandes desafios: i) repactuação (solução já estava em andamento); ii) excludente de responsabilidade e, iii) transmissão (aumento de lotes vazios nos leilões, atraso em obras e caso Abengoa).
O caso da repactuação está praticamente resolvido no ACR, mas ainda depende de uma solução estrutural que deverá ser analisada em breve pelo órgão regulador. Desconsiderando essa questão, que será fundamental para o futuro da geração hidrelétrica, poderíamos adicionar aos desafios a sobrecontratação das distribuidoras. Além desses, começa a ficar preocupante a dívida do setor que hoje atinge R$ 150 bilhões. Preocupante porque dificulta a obtenção de recursos para investimentos necessários à expansão do sistema. Veja, por exemplo, a ausência do sistema Eletrobras no recente leilão de transmissão. Essa questões afetam negativamente o ambiente de negócios do setor, logo precisam ser resolvidas e em breve.
Agência CanalEnergia: A sobra estrutural de energia pode comprometer a decisão de novos investimentos de geração nesse momento? Como ficam os leilões?
Mário Menel: O ajuste entre as curvas de oferta e de demanda são feitas pelo planejamento de longo prazo. A dificuldade é a de se ter a perspectiva de quando teremos a retomada do crescimento, com que velocidade acontecerá. A situação política e econômica do país acrescenta uma variável de incerteza a essa equação. O planejamento tem que “acertar a mão”: se antecipar investimentos desnecessariamente estará causando prejuízo aos consumidores, se, por outro lado, limitar a oferta e restringir a retomada do crescimento, igualmente estará impondo prejuízo, agora a toda a sociedade.
Agência CanalEnergia: E a autoprodução nesse contexto? Há um desestímulo que pode custar caro às empresas no longo prazo?
Mário Menel: A autoprodução depende muito dos investimentos no lado da carga (aumento de produção industrial) que, neste momento, está parada. O segmento industrial – exceção feita às atividades relacionadas a papel e celulose – é o que vem sofrendo a maior retração econômica. Mesmo assim, a autoprodução apresenta vantagens incontestes em termos de travamento e redução de custos com um insumo, energia elétrica, que pode representar 50% na composição do custo do produto. Há ainda que se ressaltar que as indústrias com uso intensivo de energia tendem a se beneficiar mais com a autoprodução, têm uma estrutura técnica e comercial avaliando permanentemente as oportunidade de suprimento a menor custo de suas necessidades e, sempre, com visão de longo prazo. Esse procedimento faz com que tenhamos, mesmo neste período de crise, empresas investindo na ampliação de sua autoprodução.
Agência CanalEnergia: A atual onda de migração de consumidores para o mercado livre pode significar a oportunidade de realocar nesse mercado a energia excedente das distribuidoras?
Mário Menel: Com certeza, mas deve se ter respeito aos contratos vigentes. Uma das mudanças do modelo setorial deve se voltar para o crescimento ordenado do mercado livre com o afrouxamento dos critérios de elegibilidade. Essa diretriz – crescimento do mercado livre – passa pela solução da financiabilidade da expansão sobre a qual existem várias propostas. Em minha opinião, a expansão do mercado livre é inexorável e vai seguir uma tendência de países desenvolvidos.
Agência CanalEnergia: O MME já falou em permitir que geradores eólicos possam casar investimentos em geração e transmissão para driblar o gargalo da transmissão. Isso poderia se aplicar também às industrias eletrointensivas?
Mário Menel: É uma solução de oportunidade e não deve ser regra. Cada agente tem suas habilidades específicas. No caso das indústrias eletrointensivas, o governo renovou o contrato que as mesmas tinham com a Chesf mediante uma contrapartida de investimentos em geração e formação de um fundo. Não consigo avaliar se foi uma boa solução. Nossa experiência na administração de fundos não é das melhores. Portanto, soluções diretas, sem casamento de investimentos, deve ser a regra.