Incomodados com os avanços do governo sobre atribuições da agência reguladora, dirigentes da Aneel começam a demarcar território em conversas com os novos integrantes do Ministério de Minas e Energia e também no Congresso Nacional. A ideia é resgatar um conjunto de competências que foram deslocadas da autarquia para o MME, especialmente na gestão do ministro Eduardo Braga.
Uma das frentes de atuação da agência que pode contar, eventualmente, com a simpatia do secretário executivo do ministério, Paulo Pedrosa, é a revisão, no plenário do Senado, do projeto de conversão da Medida Provisória 706. O projeto relatado pelo senador Edison Lobão (PMDB-MA) passou pela Câmara e terá de ser votado ainda esta semana no Senado, já que a MP perde a validade no fim do mês.
O texto original da medida aumentava de 30 para 210 dias o prazo para a Companhia de Eletricidade do Amapá e as seis distribuidoras da Eletrobras renovarem os contratos de concessão, a partir da convocação do poder concedente. Alterações atribuídas a Braga inseriram, no entanto, um conjunto de medidas que transferem aos consumidores do Sistema Interligado e ao Tesouro Nacional os custos da ineficiência das distribuidoras do sistemas isolados.
O projeto prevê tratamento diferenciado para as distribuidoras, que devem assinar este ano a prorrogação dos contratos. Ele aumenta de cinco para dez anos o prazo para que as empresas alcancem os indicadores de qualidade e de gestão exigidos na prorrogação dos contratos, prevê aporte de recursos do Tesouro para cobrir dívidas acumuladas com a compra de combustível das térmicas e dá um periodo de isenção de encargos sobre as tarifas, entre outras medidas.
Uma das mudanças que mais incomoda a Aneel no texto de Lobão é a subversão do conceito de eficiência. O projeto vai obrigar a agência a reconhecer este ano níveis elevados de perdas por furto de energia nas tarifas de distribuidoras como Amazonas Energia, Eletrobras Distribuição Roraima e Acre, o que pode afetar até mesmo os consumidores dos estados que a lei pretende beneficiar. “Isso modifica toda uma tradição do regulamento do processo tarifário, que vale para todo mundo, exceto para essas empresas. É uma interferência que a lei está fazendo no processo regulatório”, argumentou o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino.
Rufino mostrou contrariedade também com a portaria que permite ao Ministério de Minas e Energia estender o prazo de vigência de contratos de concessão de empreendimentos em atraso, caso seja reconhecida a isenção de responsabilidade do empreendedor. “Qual é minha opinião? Discordo, claro. Essa é uma competência que deveria ser mantida na Aneel. É típico do trabalho de um órgão regulador”, afirma o diretor.
A portaria foi assinada no último dia 12 pelo ministro Marco Antônio Martins Almeida, mas a lei que trata dos casos de excludente de responsabilidade foi negociada na gestão do ministro Eduardo Braga. A Aneel vai continuar a instruir, opinar e deliberar sobre todas as situações que configurariam excludente, mas a palavra final sobre se há isenção ou não é do Ministério, que pode discordar da posição da agência.
A autarquia tem sido rigorosa na análise dos pedidos de reconhecimento de excludente de grandes empreendimentos de geração e de transmissão. No caso de Belo Monte, por exemplo, a Aneel negou o pedido feito pela concessionária, por considerar que o atraso na obra da usina foi de responsabilidade do empreendedor. O problema, destaca Rufino, é que, insatisfeitos, os agentes recorrem à Justiça e, às vezes, também ao governo.
“Boa parte desses empreendimentos tem participação importante do governo. E aí é um outro conflito de interesse que, no meu modo de ver, está presente. Não deveria ser alguém que, ao mesmo tempo, é poder concedente e controlador ou acionista importante do empreendimento, a fazer esse julgamento. Deveria ser uma agência que tem autonomia e independência para fazê-lo. No meu modo de ver é um equívoco, certamente para acomodar uma situação que a Aneel não vai acomodar. Uma distorção, portanto”, apontou Rufino.