O governo reconhece que terá de mudar o marco regulatório para garantir uma transição mais suave com a redução do papel da Petrobras na área de gás. O livre acesso a esse mercado tem sido reivindicado há muito tempo pela indústria, mas o anúncio do plano de venda de ativos da estatal em áreas como transporte de gás e geração de energia elétrica tem causado apreensão entre empresários, que temem os impactos da transferência de um monopólio público para o setor privado.
“A regulação teria que ser feita antes da mudança, mas, pelo menos, o governo precisa sinalizar nos ativos que são monopolizados”, afirmou a consultora Ieda Gomes, da FGV Energia, após participar de seminário sobre os desafios e as oportunidades do gás natural na sede da Confederação Nacional da Indústria. O evento promovido em conjunto pela CNI e a Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres reforçou uma agenda que tem sido trabalhada por diversos setores industriais com o Ministério de Minas e Energia.
A diretora do Departamento de Gás Natural do MME, Symone Christine de Santana Araújo, destacou que o governo está aberto a propostas, e admitiu que será necessário alterar a regulação para garantir segurança jurídica em todos os elos da cadeia. Para Symone, o novo marco tem que ser capaz de refletir a realidade do setor. “A Lei do Gás teve muitos avanços porque lançou as bases para a desverticalização do setor de gás, mas não dá conta de resolver todos os desafios”, disse.
A representante do MME observou que o poder público talvez nunca tenha enxergado o papel que a Petrobras tinha no mercado de gás. A estatal, lembrou, forma preço porque está na oferta, e toma preço, porque está na distribuição. “Passamos 17 anos brigando pela saída e pela diminuição da participação da Petrobras e agora estamos preocupados com o que vamos fazer”, observou, acrescentando que o governo tem um novo dilema: como garantir que o mercado de gás passe sem turbulências pela saída da estatal.
A gerente de Energia da Abrace, Camila Schoti, elencou cinco pontos considerados cruciais pelos grandes consumidores industriais de energia, no debate sobre os impactos do programa de desinvestimentos da Petrobras. O primeiro é o aprimoramento da regulação do setor de gás para incentivar tarifas competitivas e alocar melhor os custos. Os consumidores também defendem a criação de um operador do setor de gás natural, responsável pela gestão física da estrutura de gasodutos e pela alocação de contratos e tarifas, entre outras atribuições.
Outro ponto diz respeito à distribuição e à autoimportação de gás. Para as indústrias é preciso permitir a formação do mercado livre nos estados para que o consumidor possa buscar outros fornecedores além das distribuidoras estaduais. E também aprovar uma regulação mais eficiente das margens de distribuição, para evitar que elas sejam corroídas pela variação dos preços do petróleo.
Na exploração e produção, é importante garantir o acesso sem discriminação a gasodutos, unidades de processamento de gás natural e terminais de regaseificação do Gás Natural Liquefeito. E, finalmente, é necessário que a União deixe claro qual será seu papel na questão do gerenciamento dos estoques de gás no regime de partilha dos campos do pré-sal. Camila Schoti lembra que somente no campo de Libra são produzidos 7 milhões de metros cúbicos do insumo por dia.
Para o especialista em energia da CNI, Rodrigo Garcia, o Brasil tem uma situação especial na comparação com outros países, porque geralmente a abertura de mercado acontece por decisão do Poder Executivo. No Brasil, ela vai acontecer por iniciativa da Petrobras, que adotou o programa de venda de ativos em razão da crise que atingiu a empresa. Para Garcia, terá de haver uma reforma de todo o arcabouço legal que existe para a modernização da Lei do Gás, aprovada há dez anos. “Não existe solução mágica. Ela é complexa, com agendas de curto e médio prazos”, avaliou.
O representante da entidade também aponta o fator de incerteza que cerca a renovação do contrato de suprimento de gas com a Bolívia, que vence em 2019. Atualmente, o Brasil tem contratados 30 milhões de metros cúbicos/dia, mas não há certeza em relação às bases de renovação e à própria quantidade contratada.