A aquisição da concessionária gaúcha AES Sul impõe mais desafios para a já endividada CPFL Energia, embora a expectativa do mercado seja que a operação anunciada em 16 de junho resulte em um ganho de capital para o maior grupo privado do setor elétrico brasileiro. A CPFL Energia pagará um total de R$ 1,7 bilhão pelo ativo, além de assumir uma dívida de total de R$ 1,2 bilhão da AES Sul. Ao mesmo tempo, o grupo CPFL acumula uma dívida de R$ 18,7 bilhões, de acordo com dados disponíveis em 31 de março deste ano.
"AES Sul tem uma dívida grande de curto prazo e a CPFL também tem. Nessa operação toda, o maior desafio é a equalização da dívida", disse a engenheira Thaís Prandini, diretora executiva da Thymos Energia. Para ela, o preço pago pelos ativos da concessionária gaúcha foi adequado, apresentando, inclusive, um pagamento de prêmio pela empresa.
A alavancagem pode aumentar a rentabilidade de um negócio, mas também significa aumento de risco e eventual exposição à insolvência. Na avaliação da agência de classificação de risco Fitch Ratings, a aquisição não afetará de forma significativa o perfil de crédito do grupo CPFL, apesar da expectativa de "ligeira piora" no perfil financeiro consolidado e do “substancial aumento do volume de dívida” no âmbito da holding. "A Fitch entende que a aquisição, caso concretizada, fortalecerá o modelo de negócios do grupo, em virtude das potenciais sinergias com seus negócios de distribuição, em especial com a RGE, que faz fronteira com a AES Sul." O negócio ainda precisa ser aprovado pela Agência Nacional de Energia Elétrica e pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).
A Fitch acredita que a alavancagem financeira líquida do grupo CPFL permanecerá acima de 4,0 vezes nos próximos dois anos, o que vai de encontro com a informação apresentada pelo presidente da companhia, Wilson Ferreira Junior. Segundo o executivo, a compra não deverá aumentar a alavancagem da companhia, que deverá ficar em 3,22 vezes a relação entre a dívida líquida e o ebitda, indicador apresentado no final do primeiro trimestre.
Ferreira Junior justificou sua visão. A CPFL pagará parte da compra com o caixa da companhia. Ele também observou que o endividamento do grupo neste ano apresentou uma queda em relação ao ano passado, em função da recomposição da conta gráfica da CVA que estava em R$ 1,7 bilhão em dezembro de 2015 e agora está em R$ 700 milhões. Além disso, lembrou que com a AES Sul virá a geração de caixa da distribuidora e ganhos de sinergia com a RGE. Ele afirmou ainda que a CPFL deverá promover investimentos para elevar os indicadores de eficiência da AES Sul.
Para Alexandre Furtado, analista de mercado da Lopes Filho, os ganhos de uma eventual sinergia talvez compensem essa alavancagem, pois agregará faturamento e escala operacional. "Não faz diferença se usa recurso próprios ou de terceiros, de qualquer maneira impacta no endividamento líquido. De repente tem uma sinergia, que é o tal trunfo, que pode dar um ganho maior do que está se imaginando", analisou. A transação deve ser efetuada por meio da combinação um terço com recursos de caixa e dois terços de dívida a ser contraída pela holding.
Segundo Furtado, analisando o desempenho das ações da CPFL, é possível dizer que o mercado parece ter visto a operação com bons olhos. Na análise da Haitong Securities, há um potencial ganho de R$ 1,5 bilhão em valor de capital adicional, ou ganho de R$ 1,5 por ação da CPFL. "Acreditamos que o mercado vai reagir positivamente", disse a corretora no dia do anunciou da operação em relatório divulgado para o mercado.
A S&P Global Ratings espera que a CPFL mantenha um índice de dívida sobre ebitda inferior a 3,5 vezes. "Esperamos ainda que o grupo seja capaz de capturar sinergias e que melhore a eficiência operacional da AES Sul no futuro para níveis mais próximos aos de sua outra distribuidora no estado do Rio Grande do Sul, a RGE. Esses fatores devem ajudar a fortalecer a posição de negócio do grupo, que, no entanto, deve permanecer satisfatória."
A aquisição, associada à crise macroeconômica do Brasil, aumenta as incertezas sobre a capacidade do grupo CPFL em atingir um índice de alavancagem satisfatório, disse a Fitch. O ambiente de mercado deverá impactar negativamente o consumo de energia onde o grupo atua na distribuição, bem como pressionar os índices de inadimplência e perdas. A Fitch estima um decréscimo de 2,4% no consumo na área de concessão da CPFL em 2016, com crescimento de 1,1% em 2017 e de 2,4% em 2018.
Além disso, a CPFL tem entre seus sócios controladores a construtora Camargo Corrêa (23,6%), que é investigada por envolvimento em práticas de corrupção deflagradas pela Operação Lava Jato da Política Federal. Há rumores que a Camargo esteja tentando vender sua fatia na companhia.
Thaís Prandini, da Thymos Energia, disse que, diante do atual momento político do país, apenas uma empresa nacional toparia fazer uma compra de uma distribuidora nesse momento, por conhecer afundo os desafios do setor elétrico. Nos últimos três anos as distribuidoras têm passado por grandes turbulências (ora subcontratadas, ora sobrecontratadas), o que tem pressionado o desempenho econômico e financeiro das empresas. "Dificilmente uma empresa estrangeira toparia uma aquisição de uma distribuidora no momento atual." Para a consultora, novas fusões e aquisições devem acontecer no mercado brasileiro de distribuição, mas para que isso se concretize é preciso ter mais clareza sobre os rumos da política brasileira.
A AES Sul é uma concessionária que atua em 118 cidades das regiões metropolitana de Porto Alegre e Centro-Oeste do Rio Grande do Sul, fornecendo energia para 1,3 milhão de clientes, com consumo de 8,8 mil GWh ao final de 2015 – os clientes residenciais e comerciais representam aproximadamente 44% do volume. A sua área de concessão é contígua à da RGE, distribuidora do Grupo CPFL no Estado.
Com a operação, a CPFL Energia amplia sua presença no segmento de distribuição de energia no Brasil, consolidando a sua posição de liderança neste mercado. Hoje, o grupo detém market share de 13,0% do mercado nacional de distribuição, fornecendo energia para 7,8 milhões de consumidores em 571 municípios nos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná e Minas Gerais por meio de oito concessionárias. Com a compra da AES Sul, o seu market share neste mercado alcançará 14,3%.