A falta de transparência no transporte de gás natural é um dos principais gargalos para o desenvolvimento desse mercado no Brasil. Um estudo da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres identificou que a tarifa de transporte cobrada das distribuidoras é superior àquela descrita nos contratos de importação do gás natural boliviano. Os cálculos são do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da FGV, em cartilha recém-lançada com o apoio da Abrace.
A diferença tarifária, segundo a Abrace, em torno de R$ 0,10/m³, pode representar uma conta milionária quando considerado todo o consumo de gás industrial no país. "Por exemplo, os consumidores das distribuidoras abastecidas apenas com gás boliviano na região Sul podem ter pago um valor superior a R$ 250 milhões apenas em 2015", apontou a associação. Pelo conjunto de informações disponíveis aos agentes de mercado não é possível identificar a razão desta diferença, diz a associação.
Para a indústria consumidora, a regulação em vigor não permite garantir que as tarifas atuais reflitam investimentos prudentes e custos eficientes. O valor da tarifa de transporte ainda é somado ao preço da molécula e ao valor da margem da distribuidora para compor o preço final do gás natural. "O valor que chega ao consumidor final é alto, pouco previsível e não auditável, como era de se esperar em um monopólio natural. A indústria brasileira perde oportunidades de mercado se for incapaz de prever os custos de sua produção", avalia a gerente de Energia da Abrace, Camila Schoti.
Os desinvestimentos anunciados pela Petrobras e a ausência de um marco regulatório estável e robusto que permita atrair novos investidores ao setor preocupam a grande indústria. “A presença massiva da Petrobras em todos os elos da cadeia e a falta de informações sobre os gasodutos de transporte – capacidade e tarifas – são um entrave para novos investimentos e para a diversificação da oferta”, aponta Camila Schoti, gerente de Energia Abrace. A expectativa da associação industrial é de que um novo marco regulatório, com regras que facilitem o acesso à informação sobre a disponibilidade e a estrutura de custos do sistema de transporte, possa atrair novos investidores para o setor de transporte.
De acordo com a Abrace, embora o Brasil tenha alcançado, em 2015, recordes de produção (média de 96,24 milhões de m³/dia), apenas a metade deste volume (cerca de 52,15 milhões de m³/dia) chegam ao mercado, criando a necessidade de importar gás para atender à demanda nacional. A construção de novos gasodutos de transporte está estagnada desde 2010 e apenas um único projeto foi proposto pelo Ministério de Minas e Energia. Previsto no Plano de Expansão da Malha de Transporte, o projeto não saiu do papel devido à situação financeira da Petrobras, lembra a associação.
O Brasil possui atualmente 9.410 km de dutos, dos quais 96,1% são controlados pela Petrobras. A estatal também possui o controle das infraestruturas de escoamento, os terminais de importação de GNL e unidades de tratamento, bem como dos gasodutos de distribuição, que estão conectados aos dutos de transporte.
A cartilha “Transporte de Gás Natural no Brasil: Aspectos Regulatórios” destaca ainda a importância do papel do agente regulador na definição de novas diretrizes para o transporte de gás natural. Segundo o estudo, a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis deverá desempenhar uma função cada vez mais importante no desenvolvimento de um mercado que consiga garantir preços competitivos, sobretudo para a indústria que possui consumo firme de gás natural.