O fortalecimento da Empresa de Pesquisa Energética como referência mundial em estudos de planejamento está entre as primeiras providências que estão sendo tomadas pelo novo presidente da entidade, Luiz Barroso. À frente da instituição desde o último dia 22 de julho, o executivo, que era diretor da PSR, conta que a EPE terá um papel participativo no aperfeiçoamento do ambiente de negócios na indústria energética, apoiando o Ministério de Minas e Energia.

Em sua primeira entrevista no cargo, Barroso afirma que a EPE terá voz ativa nas discussões relevantes da indústria e no encaminhamento de ideias e propostas, atuando como “formuladora de soluções globais” dentro, sempre, de uma ótica de colaboração com as demais instituições. A ideia, segundo ele, é criar um ambiente dinâmico, de gestão descentralizada e participativo, o que inclui, por exemplo, reposicionar a atuação no planejamento integrado dos setores de petróleo e gás e de gás-eletricidade.

Quanto aos leilões, Barroso comenta que, nesse primeiro momento, eles não sofrerão alterações estruturais, visto que há problemas mais urgentes a resolver. Em sua opinião, o maior desafio para a expansão da oferta no curto prazo está na financiabilidade. Na entrevista exclusiva concedida à Agência CanalEnergia, Barroso fala ainda sobre o modelo dos leilões, sobrecontratação das distribuidoras, além do papel das diferentes fontes na matriz. Confira abaixo:

Agência CanalEnergia – Quais serão suas primeiras providências à frente da EPE?

Luiz Barroso – As primeiras providências estão relacionadas ao fortalecimento da EPE como referência mundial em estudos de planejamento no setor energético, e isso passa obrigatoriamente pela valorização da nossa equipe. Nosso ponto de partida é excelente, pois a equipe da EPE é muito bem preparada –  60% do quadro possui mestrado e/ou doutorado –  interessada em contribuir e consciente dos desafios do setor. Em conjunto com meus diretores, tenho investido grande parte do meu tempo tomando ciência e, sempre que possível, procurado encaminhar as várias demandas internas dos funcionários, buscando também mais recursos e instrumentos para a capacitação permanente da equipe. Tenho ainda estudado as atividades em andamento e participado de discussões de metodologias e de aperfeiçoamento de temas técnicos do setor.

Agência CanalEnergia – Ao anunciar o seu nome para presidir a EPE, o ministro Fernando Coelho falou em reposicionamento da EPE para além da sua posição já consolidada. Como isso se dará?

Luiz Barroso – O ministro deseja um setor energético dinâmico, com harmonia e integração na atuação entre as instituições e suas equipes. A EPE terá um papel participativo no aperfeiçoamento do ambiente de negócios na indústria energética, apoiando o MME neste objetivo. Seremos uma voz ativa nas discussões relevantes da indústria e no encaminhamento de ideias e propostas e atuaremos como formuladora de soluções globais, sempre dentro de uma ótica de colaboração com MME e demais instituições e agentes do setor. O atual ambiente de trocas de ideias entre todos no setor está muito bom e propício para o aperfeiçoamento. A EPE dará sua contribuição da melhor maneira possível.

Agência CanalEnergia – Com a sua experiência no setor, o que você pode levar para a EPE de forma a torná-la uma empresa ainda mais eficiente e mais assertiva em termos de planejamento?

Luiz Barroso – Levo simplesmente os meus valores, baseados na comunicação, livre expressão das ideias e excelência técnica no embasamento das decisões. Procuraremos criar um ambiente dinâmico, de gestão descentralizada e participativa. Isso inclui, por exemplo, reposicionar nossa atuação no planejamento integrado dos setores de petróleo e gás e de gás-eletricidade. Buscaremos a objetividade, transparência, realismo e comunicação. No planejamento do setor energético, não há uma solução “ótima” única, pois os problemas são complexos, multifacetados e interligados. Precisamos de soluções que sejam robustas, que só serão obtidas com muito diálogo e utilizando a inteligência distribuída do setor. Em conjunto com o MME, estaremos próximos do ONS, CCEE, ANEEL, ANP, MMA, Ibama, Funai e BNDES e dos agentes do mercado e instituições financeiras, escutando e buscando as melhores soluções de integração entre planejamento e operação; de mercado; regulação; financeiras e ambientais.

Agência CanalEnergia – Como a atuação da EPE poderá ajudar o setor nesse momento de desafios em que as distribuidoras estão sobrecontratadas e, portanto, sem necessidade de contratar energia em novos leilões, e com os constantes pleitos dos agentes para a reformulação do modelo setorial?

Luiz Barroso – A EPE está participando deste debate com ideias e reflexões. No caso da sobrecontratação e dos leilões, precisamos inicialmente de uma avaliação realista do balanço de oferta e demanda futuro, analisando em profundidade os atrasos e possíveis cancelamentos de projetos. Se comprovados, os mesmos serão incorporados imediatamente na política operativa do sistema e, em seguida, reconhecidos nos balanços contratuais das distribuidoras. A necessidade de contratação dos leilões resultará desse balanço revisado e da demanda futura, com a esperada recuperação da economia. Além disso, o mesmo balanço deverá contribuir para as medidas já em discussão no escopo da sobrecontratação.

Outro tema é o aperfeiçoamento do ambiente de negócios. Aqui há uma lista de temas importantes que precisam ser estudados, tais como: a formação de preços e sua governança; o mercado livre; o futuro do MRE; a penetração da geração distribuída, entre outros muitos, que são necessários para preparar a indústria elétrica para o futuro. Pela sua complexidade, essa é uma agenda de prazo mais longo, mas a discussão será feita sim, e em conjunto com o setor.

Agência CanalEnergia – Como ficam os leilões daqui para a frente?

Luiz Barroso – Os leilões estão consolidados no Brasil e, num primeiro momento, não sofrerão alterações estruturais, pois há outros problemas mais urgentes a atacar. No curto prazo, o maior desafio para a expansão da oferta está na financiabilidade. Este será um grande gargalo, tanto para geração quanto transmissão, que obviamente está ligado às condições oferecidas pelos leilões. É este o desafio imediato a ser superado.

Agência CanalEnergia – Esse modelo atual de leilões pode ser repensado?

Luiz Barroso – Há uma série de aperfeiçoamentos possíveis nos leilões, tais como: (i) critérios para habilitação de participantes; (ii) características dos contratos; (iii) participação do consumidor livre; (iv) centralização da compra de energia nos leilões; e (v) o papel da energia de reserva, entre outros. Esses aperfeiçoamentos serão analisados e discutidos com calma, e inseridos no contexto do aperfeiçoamento do modelo setorial como um todo. Por exemplo, a separação do lastro e energia, uma ideia com que eu simpatizo, mas que é uma alteração mais profunda, poderia envolver dois tipos de leilão de contratos: um para o produto “lastro”, e que respaldaria o consumo total (livre e cativo); e uma série de outros leilões de contratos do produto “energia”, para proteger um segmento específico, por exemplo, os consumidores regulados, da variabilidade de preços. Estes leilões de “energia” poderiam ter produtos com diferentes características e durações, tais como os leilões atuais, fornecendo uma proteção de preço de longo prazo para a energia nova, por exemplo.

Outro assunto que precisamos discutir em profundidade é a relação entre o que o planejamento identifica como a matriz energética futura mais desejável/robusta e os resultados dos leilões. Se houvesse informação perfeita sobre demanda e preços de tecnologias de geração etc. a atividade de planejamento poderia conceitualmente ser vista como resolver um problema de otimização: determinar o plano de expansão de geração e transmissão que atenda a demanda futura minimizando os custos de investimento e operação, sujeito a uma série de restrições e diretrizes de política energética. No entanto, como a informação sobre demanda, custos de investimento e outros é incerta e imperfeita, os leilões no Brasil são uma ferramenta para que o mercado, através da competição e de forma distribuída, revele a demanda, os preços e aporte as tecnologias mais eficientes incluindo aquelas não identificadas na solução de planejamento, contribuindo, dessa forma, para a identificação de soluções robustas e de máximo valor para a sociedade. Se a expansão resultante dos leilões está ocorrendo de forma diferente daquela almejada, precisamos ver o porquê disso e procurar alinhar melhor os incentivos privados aos objetivos sociais.

Agência CanalEnergia – É possível vermos leilões por fontes e por submercado?

Luiz Barroso – Gostaria de lembrar que os leilões do Brasil já são por fonte há bastante tempo. Isso leva a uma discussão importante sobre o papel de cada fonte na expansão e, portanto, à necessidade de critérios para definir a participação das mesmas. Essa discussão só pode ser feita com metodologias e ferramentas computacionais que permitam capturar os atributos de cada fonte e comparar as diferentes fontes em termos destes múltiplos atributos. Isto permitirá estabelecer com mais clareza se a tecnologia A, B ou C é mais desejável que a D, E ou F e, mais importante, por quê.

Estas mesmas ferramentas permitiriam trazer mais clareza para a discussão sobre o leilão por submercado, uma demanda frequente do setor. Não vejo nenhuma reivindicação como tabu, mas creio que as vantagens e desvantagens de todas as propostas devem ser analisadas com objetividade e de forma bem fundamentada. No caso dos leilões regionais, por exemplo, uma questão que deveria ser investigada é se um aperfeiçoamento na metodologia de cálculo da tarifa de transmissão não seria capaz de fornecer o sinal locacional desejado. Caso a resposta seja negativa, o leilão por submercado seria uma opção para suprir esse sinal. Outra questão importante quando se segmentam os leilões é a possibilidade de redução da competição em cada segmento.

Para ilustrar a complexidade deste tema, trago o exemplo dos mercados de capacidade americanos, que contratam por leilão a capacidade de geração para uma determinada região (equivale a “lastro” e “submercado” no Brasil) a partir de necessidades identificadas pelos operadores do sistema (que nos Estados Unidos são regionais também exerce a função de planejador). Houve casos onde o leilão de capacidade foi realizado para localizações muito específicas, o que resultou em um processo pouco competitivo. Este resultado motivou uma ampliação do “tamanho do submercado” onde a capacidade era necessária, complementada por uma melhor sinalização da tarifa de transmissão dentro do submercado. A necessidade de aumentar a competição levou, em alguns casos, à realização de leilões para toda a área de cobertura do operador do sistema. Hoje há um enorme esforço nos Estados Unidos para calcular a tarifa de transmissão “correta”, utilizando o conceito, na minha opinião adequado, de causalidade de custos, que aloca o custo em quem o causou e se beneficia do recurso. Este é apenas um exemplo de como os temas são complexos e requerem inovação, estar no estado da arte e ter ferramentas para testar tudo.

Agência CanalEnergia – Qual será o papel das energias renováveis complementares na expansão da matriz, especialmente da eólica e da solar?

Luiz Barroso – O planejamento conta com todas as fontes, e acrescento as pequenas centrais hidroelétricas e as térmicas a biomassa à sua lista de renováveis. Como comentei, cada fonte possui atributos relevantes que devem ser levados em conta na contratação. Além do potencial de participação das renováveis por “méritos próprios”, lembro que o Brasil assumiu compromissos formais de participação de renováveis na matriz energética na conferência do clima do ano passado em Paris, o que cria um papel mais relevante ainda para estas tecnologias.

Agência CanalEnergia – E das térmicas e grandes hidrelétricas?

Luiz Barroso – O Brasil é um país hidroelétrico, com vocação para esta fonte. Lutaremos pelas hidrelétricas, dentro de um marco de desenvolvimento sustentável socioambiental e buscando reservatórios sempre que possível, com uma análise de seus custos e benefícios. A incorporação das hidroelétricas e seus reservatórios é um tema de interesse para todo o setor. Por exemplo, são os reservatórios que permitiram o desenho do produto eólico e solar dos leilões, com obrigações de entrega de energia em horizonte plurianual. Um sistema sem reservatório não permite este produto. Há muitos outros exemplos.

Com a perda de capacidade de regularização plurianual do sistema, a geração térmica ganha importância. No caso específico do gás, existe um ambiente de preços de gás internacional favorável e boas perspectivas do pré-sal, onde a União é proprietária de uma parcela da produção do gás associado devido ao regime de partilha. O que precisamos é equacionar com calma o complexo “namoro” entre as indústrias do gás e energia elétrica. Também olharemos o papel da cogeração a gás como geração distribuída e, mais à frente, a nuclear, onde precisamos inicialmente equacionar Angra III. A opção do carvão também será olhada.

Apesar de todos esses desafios, é muito importante ressaltar que o Brasil tem um “bom problema”, que é um amplo conjunto de opções para a expansão da oferta. E ainda temos a eficiência energética e a participação da demanda como recursos, que serão analisados em detalhe pela EPE para a expansão e em conjunto com o ONS para a operação.

Mas também é importante lembrar que o ritmo da entrada da nova oferta será comandado pelo crescimento da demanda, pois custa caro para a sociedade ter sobrecapacidade além do necessário para atender a demanda dentro dos critérios de confiabilidade e robustez diante das incertezas, respeitando as decisões de políticas públicas. Em conjunto com o ministério buscaremos criar condições isonômicas para que a competição entre as fontes ocorra e que o País tenha a energia necessária ao seu desenvolvimento econômico. Há bastante trabalho pela frente.