O atual momento do setor elétrico, que vê uma relativa folga nos últimos anos ante as sucessivas crises, poderia ser aproveitado para se rever conceitos do setor como o das garantias físicas das usinas. Esse recálculo deveria ter sido feito em 2003, foi adiado para 2015 e 2016. Novamente, o governo não deverá rever os dados diante da incerteza do cálculo deixado pelo governo anterior. Isso porque o número deixado se aproxima do zero diante de uma estimativa da consultoria PSR, que ainda em maio de 2014 já estava em 2 GW médios e que pode ter aumentado para 2,4 GW médios.
Recentemente, a ABEEólica apresentou um estudo ao Ministério de Minas e Energia onde aponta que há 31,8% de chances de que em 2018 o país possa ter uma demanda maior que a oferta de energia. Isso porque a sobra real de energia não é a contratual de 12,4 GW médios. Além de descontar os 6,6 GW médios de térmicas por conta da revisão do critério de suprimento, há 2,4 GW que devem ser descontados em função do fator de fricção, justamente essa perda de eficiência das hidrelétricas ao longo do tempo.
A revisão que está em pauta apresenta dois aspectos de impacto no setor, o operacional que se refere à questão de qual é a geração efetiva que se pode esperar para atender a demanda com aquela água que existe nos reservatórios. E ainda tem a comercial, que afeta diretamente o retorno dos acionistas desses empreendimentos, uma vez que esperado o volume de geração se faz o cálculo do preço da energia a ser vendida. Se não há o alcance desse volume é necessário que se busque a energia no mercado de curto prazo. Acontece que em 2016 era para o país já ter visto pelo menos três revisões, mas nada foi feito.
A regra de revisão das garantias físicas se aplicada desde 2003, como prevista no decreto 2655 de 1998, hoje não traria grandes traumas ao setor elétrico, como pode ocorrer se for aplicada agora. Hoje o impacto que pode ser visto é mais significativo. No escopo da ação estaria a mitigação dos efeitos naturais do assoreamento de reservatórios, perda da capacidade de geração das unidades ou até mesmo a atuação do efeitos de mudanças climáticas e do regime de afluências dos rios.
Segundo o diretor da PSR, José Rosenblatt, a revisão serviria para verificarmos como a passagem do tempo estaria afetando o desempenho dessas usinas e poderia sinalizar incentivos para as empresas que se preocupassem em manter o estado de conservação das usinas. Ele não se refere a alguma central específica, mas toma como avaliação a totalidade das centrais que compõem o MRE. Segundo os cálculos mais recentes da consultoria, de maio de 2014, a estimativa era a de que o fator de fricção, indicador que calcula a diferença entre a garantia física das usinas e a geração efetivamente realizada, está na casa de 2 GW médios e esse volume pode ter aumentado nos dois últimos anos.
Rosenblatt, da PSR, lembra que o governo perdeu uma importante oportunidade de revisar a garantia das usinas hidrelétricas com a renovação dos contratos de concessão em 2012 com o advento da 12.783/2013, para aquelas empresas que aceitaram renovar a concessão de 15,3 GW de potência instalada. E ainda, em outra passagem de concessão, com a relicitação ocorrida em novembro de 2015, quando mais 6 GW foram levadas a leilão.
“A aplicação da regra vale para o contrato de concessão em vigência. Com a renovação dos contratos desde 2012 sem a revisão perdeu-se uma excelente oportunidade de revisar os valores sem estar limitado aos montantes de no máximo 5% a cada revisão e de no máximo 10% ao longo de toda a concessão. Se uma dessas usinas tem uma garantia física em percentual menor do que os valores atribuídos anteriormente, não poderemos fazer mais nada. Era uma excelente oportunidade de correção, mas que agora volta a ficar limitado”, explicou Rosenblatt.
Leontina Pinto, da Engenho, alerta para o fato de que a operação sem a revisão da garantia física das usinas tem um impacto na questão comercial já que as concessionárias tem aquela chancela em forma de número que permite negociar contratos em um determinado montante de geração estimada. Do lado operacional a questão que preocupa é que temos visto há anos que as usinas não têm gerado energia no MRE ao montante de garantia física do sistema. Ela toma como base a análise de dados mesmo em períodos de normalidade de regime hidrológico quanto de chuvas acima da média.
“A garantia física está descolada da climatologia atual, o modelo é baseado no que aconteceu há cerca de 70 anos, a maioria das usinas com reservatórios não geram tudo o que está estipulado desde 2005, então, há que se reconhecer que o regime hidrológico mudou”, disse a executiva. “Não conseguimos reproduzir as atuais condições e para acrescentar, os reservatórios estão depauperados e não foram recuperados. Sendo assim, não apresentam a produtibilidade normal. Na minha opinião, toda a conceituação tem que ser revista. Essa decisão de não aplicar a revisão das garantias é prudente em função da falta de veracidade do conceito de calcular os valores, isso é bom para a proteção do consumidor e dos investidores”, acrescentou.
Para ela seria imprudente mexer em um assunto que exige revisitação de conceitos e que tira retorno dos investidores que aportaram recursos com base no retorno que teriam com um determinado volume de energia para negociar. Por enquanto, diz a consultora, é melhor deixar a coisa como está no momento enquanto se faz uma revisão de qual é o modelo a ser empregado.
O consultor da Thymos Energia, Ricardo Savoia, lembra que os volumes apontados como de perda de eficiência da geração estariam próximos a zero, o que gerou desconfiança. Até porque, há usinas que apresentam grande diferença de geração ante a sua garantia física. Entre os itens estão o assoreamento do reservatório e outros itens que estão sendo discutidos. Então, em sua avaliação é melhor mesmo não se tomar essa medida no momento até se ter um novo valor e que deverá ser calculado pela Empresa de Pesquisa Energética que está sob o comando de Luiz Augusto Barroso, que era justamente da PSR. “Talvez, no segundo semestre de 2017 possamos ter um reposicionamento mais efetivo e que esteja dentro da realidade do sistema”, comentou.
Rosenblatt é a favor de que a revisão seja feita para todas as usinas. Mesmo que hoje tenhamos perdido a chance de rever os volumes dessas usinas já renovadas e ter uma ideia mais adequada de qual é a sua produtividade após as décadas de uso.