O Operador Nacional do Sistema Elétrico comemora seus 18 anos nesta sexta-feira, 26 de agosto. Se nesse tempo, a operação do sistema nem sempre foi fácil, os anos seguintes também trarão enormes desafios. A operação se tornará muito mais complexa tendo em vista a crescente presença de geração intermitente, como eólica e solar, da geração distribuída e do smart grid. Luiz Eduardo Barata, diretor-geral do ONS, afirma que esses três elementos serão os provocadores de "mudanças disruptivas".
Somado a isso, o operador terá ainda que trabalhar com a nova realidade hídrica do Nordeste. O rio São Francisco passa por um momento crítico, com vazões observadas bem abaixo da média nos diversos meses do ano. A vazão do rio já está reduzida em 800 m³/s e o operador sugeriu à Chesf e à Agência Nacional de Águas que considerassem uma vazão ainda menor, de 700 m³/s.
Com pouco mais de três meses e meio à frente do ONS, Luiz Eduardo Barata, já está trabalhando em parceria com a Empresa de Pesquisa Energética para corrigir o descasamento que vinha ocorrendo nos últimos anos entre o planejamento e a operação. A ideia é que o sistema planejado seja de interesse da operação, reduzindo custos e riscos. Nesses 18 anos de ONS, essa é a terceira passagem de Barata pela instituição. Ele conta que atuou na entidade, primeiramente, entre 1998 e 2001 como assistente da diretoria de Planejamento e Programação e, posteriormente, de 2004 a 2010 como diretor de Operação.
"Participei, na constituição do ONS, do projeto RE-SEB (de Reestruturação do Setor Elétrico Brasileiro). Naquela época foram criadas duas coordenadorias: uma para desenhar o operador e outra para coordenar o Mercado Atacadista de Energia (atual CCEE). Eu fui para o Operador Nacional", comentou o executivo, que também já atuou na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica e no Ministério de Minas e Energia. Criado em 1998 pela Lei 9.648, o ONS é uma pessoa jurídica de direito privado. Com sede no Rio de Janeiro, o ONS também tem centros regionais de operação localizados em Recife, Brasília e Florianópolis. Confira abaixo à entrevista exclusiva de Luiz Eduardo Barata à Agência CanalEnergia pelas comemorações dos 18 anos do ONS.
Agência CanalEnergia – O ONS está completando 18 anos. O que mudou na operação do sistema e quais são os principais desafios do operador hoje no Brasil?
Luiz Eduardo Barata – Eu acho que nós estamos vivendo agora um momento de mudanças disruptivas. Mudanças essas que quando acontecem, você vê a diferença de como era antes. Eu diria que os principais fatores são a presença da geração intermitente, da geração distribuída e da presença no consumo do smart grid. Esses três elementos são os provocadores dessas mudanças disruptivas. Mas não é só isso. Nós temos mais coisas também no Brasil, em especial a presença dos grandes links de corrente contínua, que operando isoladamente tem um comportamento, mas tudo indica, e a gente tem procurado aproveitar as experiências dos outros, que quando se começa a colocar muitos sistemas de corrente contínua juntos, há problemas de interferências de uns para os outros na parte de controle, que é o chamado multi-infeed. Esse é um problema que acontece na China e que vamos ter aqui no Brasil também.
No Brasil temos os links de corrente contínua de Itaipu, que foi o primeiro. Ele é um sistema misto, tem um bipolo de corrente contínua e tem um sistema de 750 kV, que é de corrente alternada. Por muito anos ficamos praticamente com um sistema só, que era o de Itaipu. Com o advento do Madeira, nós estamos colocando dois bipolos em operação. O bipolo 1 já está em operação e o bipolo 2 já está em teste. [Com] Belo Monte nós vamos ter mais dois bipolos e depois para 2020, nós temos três ou quatro bipolos adicionais. Se usa sistema de corrente contínua ou quando tem que fazer conexão em sistemas de frequência diferentes, o que não é o caso do Brasil, ou quando tem transmissão a muito longas distâncias, que é o que a gente faz, trazer energia da região Norte para o Sudeste. E é aí que gera o problema do multi-infeed, porque chegam todos os terminais praticamente no mesmo ponto, que é na região de São Paulo e Rio de Janeiro. Então, esse é um outro elemento de complexidade do sistema. Nós vamos ter nos próximos anos um aumento enorme da complexidade da operação do sistema. Fontes intermitentes, geração distribuída, smart grid e mais múltiplos terminais de corrente contínua vão ser a característica da complexidade do sistema no curto prazo.
Por isso, nós precisamos nos preparar para isso tudo. Nosso entendimento é de aproveitar essa fase difícil pela qual o país está passando na parte econômica, que está produzindo recessão e gerando redução do consumo, para justamente nos prepararmos para esse período, que com certeza vai chegar rápido, de crescimento acelerado e de complexidade que a gente vai ter daqui para frente. Nesse momento, aquela pressão do atendimento, não estamos tendo porque a carga não cresceu conforme nós prevíamos que fosse crescer por força dessa crise econômica que estamos passando. Hoje, a operação do sistema poderia estar muito mais fácil do que está. Isso não acontece porque temos uma adversidade climatológica muito forte, em especial na região Nordeste. Nos últimos dois, três anos, temos tido as piores vazões do rio São Francisco.
Agência CanalEnergia – Como está a operação no Nordeste, visto a situação dos reservatórios da região?
Luiz Eduardo Barata – Do ponto de vista de abastecimento de energia, nós não vislumbramos problemas. O estoque que a gente tem hoje de eólicas, a capacidade instalada de geração térmica e mais a capacidade de transmissão entre regiões: da Norte para o Nordeste e do Sudeste para o Nordeste assegura, mesmo com a crise hídrica que estamos vivendo, o abastecimento do Nordeste. Então, sob esse aspecto estamos tranquilos. O que na verdade acontece, mantidas essas condições adversas no Nordeste, é o aumento do custo da energia na região, porque obviamente a gente vai ter que gerar térmica, mas sem risco de abastecimento. A eólica varia ao longo do dia, a gente tem recorde de geração máxima e de geração mínima, porque não temos controle sobre o vento. Essa é uma das razões pelas quais a gente acha que para o futuro a operação do sistema vai se tornar mais complexa ainda, justamente pela presença intensiva dessas fontes intermitentes.
Agência CanalEnergia – A variabilidade das fontes renováveis complementares era entendida no passado, principalmente, como um desafio para a operação do sistema elétrico. Mas agora, já vem surgindo outras soluções: a solar gera de dia e é compensada pela geração eólica à noite, sem falar das novas tecnologias de armazenamento. Como aproveitar essas novas tecnologias para tornar as renováveis e a geração distribuída parte da solução e não do problema na operação?
Luiz Eduardo Barata – O energy storage (armazenamento de energia) minimiza, mas não resolve o problema. Na verdade, seriam sítios híbridos, onde você teria esses três componentes que você mesma mencionou, que seria a eólica, a solar e a storage. Isso ainda é algo que está começando. Não temos no Brasil nenhuma planta dessas, mas mesmo as que existem no mundo – a China já tem – são incipientes ainda. O que os países que investiram pesadamente em fontes intermitentes fizeram foi colocar térmicas de back up, o que nós não fizemos. Essas térmicas seriam a gás, a carvão, e o gás tem sido um problema para nós. Contamos durante um bom tempo com os nossos reservatórios como fonte de acumulação da geração eólica, mas a gente já sabe que daqui para frente cada vez menos poderemos contar com usinas com reservatórios.
Agência CanalEnergia – Esses reservatórios que nós temos hoje ajudam a fazer essa modulação intradiária?
Luiz Eduardo Barata – No caso do Nordeste, ele fará quando for recomposto. Hoje não temos controlabilidade sobre o reservatório do Nordeste. Agora, sobre o São Francisco, é importante a gente comentar que esse problema decorre de eventos climáticos. Nos últimos anos, a cada mês temos verificado vazões menores e é por essa razão que temos sugerido redução da vazão em Sobradinho. Há uma interpretação equivocada de que nós estamos reduzindo a vazão de sobradinho para benefício do setor elétrico e não é isso. Quando a gente reduz a vazão de Sobradinho, a gente reduz a geração e isso, obviamente, para nós é ruim. Mas é a forma que encontramos de preservar a operação do rio. Essa medida é muito mais para outros usos do que para o uso da energia. É para regularizar o rio.
Os reservatórios existem desde a época pré-cristã. Os egípcios passavam por problemas seríssimos, porque o Nilo tinha períodos de seca e de cheia. Quando tinha cheia tinha bonança, quando tinha seca, tinha fome. E eles resolveram o problema com o controle da vazão do rio construindo barragens. Então, as barragens existem muito antes do uso da energia elétrica. Só milhares de anos depois é que começaram a colocar os geradores e as turbinas nas barragens. Então hoje, a água sai de Três Marias e a vazão que chega a Sobradinho é de 300 m³/s e estamos soltando 800 m³/s. Se não houvesse barragem e nós ficássemos com a vazão natural do rio, ela seria muito menor do que a que se tem hoje. A barragem faz a regularização do rio.
Agência CanalEnergia – ONS pediu para reduzir ainda mais a vazão do rio São Francisco, além dos 800 m³/s?
Luiz Eduardo Barata – Tem uma sugestão que foi feita para a Chesf e para a ANA para considerar 700 m³/s, descer um pouquinho mais. Com 700 m³/s eu ganho mais fôlego para enfrentar a seca. Vou gastar menos agora para durar mais tempo depois. Se a gente continuar com uma vazão muito alta e não chover, daqui a pouco o rio está seco, porque não vai ter água mesmo.
Agência CanalEnergia – Em outros países já se fala muito em serviços ancilares, que podem ajudar na questão da intermitência. Como está isso aqui no Brasil e como isso pode ajudar na operação?
Luiz Eduardo Barata – Os serviços ancilares que a gente tem ainda são muito poucos. Temos o black start, que é a partida autônoma do gerador, e tem a máquina funcionando como compensador síncrono. O que ajuda para a questão da intermitência é um mecanismo muito usado no exterior e que no Brasil ainda não usamos, mas estou convencido de que vamos usar muito rápido, que é a resposta da demanda (demand response), seja para energia, seja para potência.
Agência CanalEnergia – Como isso funcionaria?
Luiz Eduardo Barata – Isso funciona da seguinte forma: o grande consumidor informa, diante de uma dificuldade do sistema, que ao invés de colocar mais geração, ele retira uma carga, porque fica mais barato retirar a carga do que colocar geração. Ou ele gera com uma fonte própria ou ele muda os processos dele. Numa siderúrgica, por exemplo, ela pode reduzir o nível de produção em um determinado momento, porque o custo da energia fica mais caro do que o de reduzir a produção. Todo mundo sabe, no demand response, quanto custa [a energia]. Os grandes consumidores dizem que se o preço passar de um determinado valor, ao invés de continuarem comprando, eles vendem o consumo. Ele entra no jogo também recebendo por consumir menos. Isso já é amplamente utilizado nos Estados Unidos, na Europa e na América Latina também. Isso entra no próprio processo de programação como mais um elemento. Hoje o consumidor é um elemento passivo. Ele só ganha o valor do PLD, mas não influencia no valor do PLD porque não dá informação nenhuma, então ele não participa da formação de preço. No demand response, ele pode fazer parte da formação de preço, porque ele diz qual é o valor a partir do qual ele vai reduzir a carga e, consequentemente, o preço cai. Então, esse é um instrumento que imaginamos que ao longo de 2017 vai ser um elemento importante na operação do sistema.
Agência CanalEnergia – O que falta para isso ser implementado?
Luiz Eduardo Barata – Falta um pouco de regulação, falta um pouco de algumas ações dos agentes e falta empreendedorismo, botar para fazer, para funcionar. Mas estamos convictos de que isso amadureceu. As coisas só acontecem quando há convergência de várias partes envolvidas. Nós temos conversado com os consumidores e eles se sentem hoje prontos para nos ajudar nisso, porque eles trazem experiência internacional. Todos esses grandes consumidores que podem participar desse mecanismo tem plantas industriais no exterior e participam disso nos Estados Unidos, na Europa. Eles tem o know how, sabem como fazer e vão ser importantíssimos nesse processo. Isso não cria nenhum tipo de perturbação na economia, ao contrário, isso é saudável para a economia. Estamos muito esperançosos com o avanço desse mecanismo.
Agência CanalEnergia – De uns anos para cá tem se falado muito do descasamento entre a operação e o planejamento. A partir de agora, isso deve mudar?
Luiz Eduardo Barata – Nós temos trabalhado em muita sintonia com a EPE. Tenho absoluta convicção de que o distanciamento do planejamento para a operação se traduz ou em custo ou em risco. Então vamos trabalhar juntos e integrados também com a CCEE e com o MME no sentido de alinhar cada vez mais planejamento e operação para que ele planeje um sistema que seja de interesse da operação. Ao invés de ficarmos disputando, vamos trabalhar alinhados. Nossa característica é de trabalhar em parceria e alinhados e estamos encontrando isso na EPE.
Agência CanalEnergia – Vocês já estão trabalhando em conjunto no que a operação precisa em termos de expansão do sistema?
Luiz Eduardo Barata – Isso. Ao invés de fazer leilões de menor custo puro e simplesmente, o que nós imaginamos fazer é buscar qual a melhor matriz para o país, para o sistema, e aí fazer o leilão em cima dessa matriz desejada. Ver quais são as fontes que de fato eu preciso. Sabendo qual a expansão necessária para um determinado ano, antes de fazer o leilão vamos definir qual o percentual que queremos de cada fonte. É uma conjugação de segurança, mas não a qualquer custo.
A transmissão tem sido um problema maior. Nos últimos anos tem sido mais problemática do que a própria geração. Mas estou convencido de que esses próximos leilões serão melhor resolvidos. Em um determinado período houve realmente um estabelecimento de receitas que desagradaram aos investidores. Então, houve a conjugação de dois problemas: alguns empreendedores vieram e fizeram ofertas que depois se mostraram insustentáveis e aí eu estou falando do caso da Abengoa, como houve um afastamento de outros empreendedores. Nos últimos meses em que estive no MME, sinalizaram que as coisas tinham melhorado. Recebi investidores novos que diziam que tinham melhorias na receita, no Wacc e o prazo bem longo para a construção reduzia muito o risco do empreendimento. A despeito do governo ter adiado esse leilão agora, tenho certeza que o resultado, quando acontecer, vai ser bem mais positivo do que os últimos que a gente viu.
Agência CanalEnergia – Existe alguma expectativa para os reservatórios ao fim do período seco?
Luiz Eduardo Barata – Nossa expectativa é chegar ao final do período seco em torno de 30% no Sudeste/Centro-Oeste. Isso dá mais tranquilidade para o ano que vem. Mesmo que a gente tenha uma recomposição do consumo e tudo mais. No PMO passado, em todo o ciclo do período de cinco anos, o risco de déficit era da ordem de 0%, em todos os anos e em todos os submercados. Isso dá uma posição de conforto para nós.