A Renova Energia experimentou um ciclo virtuoso de crescimento a partir do ano de 2009, embalada pela expansão do mercado eólico no Brasil. A empresa só não contava com uma mudança drástica da conjuntura econômica do país e com o fracasso em uma operação ousada com a americana SunEdison, o que a colocou em grandes dificuldades financeiras. Em sua primeira entrevista exclusiva à Agência CanalEnergia, concedida na última quinta-feira, 25 de agosto, na sede da Renova, em São Paulo, o executivo Carlos Figueiredo, que assumiu a presidência da empresa há menos de três meses, detalhou, em tom franco, qual é a sua estratégia para recuperar a liquidez e retomar o ciclo de desenvolvimento de uma das maiores companhias de energia renovável do Brasil.
“Empresas passam por ciclos. Geralmente ciclos de crescimento são precedidos por ciclos de ajuste. Como a Renova nos últimos anos experimentou altíssimas taxas de crescimento, o momento de ajuste que estamos passando é absolutamente natural, principalmente para uma empresa de apenas 15 anos de existência. Acho o projeto da Renova muito bacana. Quando a gente olha o crescimento da matriz energética brasileira, o setor de renováveis, mais especificamente o setor eólico, onde a Renova concentra seus investimentos, é realmente um campo muito fértil para a nossa companhia continuar sua trajetória de crescimento. Para isso ela precisa vivenciar momentos de ajuste, para se fortalecer novamente”, declarou o executivo. Confira a seguir os principais trechos da conversa.
Prioridade – Figueiredo disse que a prioridade é recuperar a liquidez da Renova. A primeira ação foi ajustar o portfólio de projetos. “Como já divulgado ao mercado anteriormente, cancelamos PPA Cemig de 676,2 MW e não exercemos a opção de participar de 50% do LER 2015 (solar) de 59,7 MW. Postergamos parte do contrato de mercado livre Light II, de 133,6 MW de capacidade instalada, para janeiro de 2020.” Esse movimento evitará investimentos da ordem de R$ 4 bilhões. Além disso, em função da sobrecontratação das distribuidoras, foi possível postergar a entrega de aproximadamente 70 MW médios. Essa energia será vendida no ACL e os benefícios financeiros já aparecerão no balanço do terceiro trimestre. Em dezembro 2015, a equipe era formada por 300 funcionários, reduziu para 190. Também estão sendo implementadas novas técnicas de gestão, com automatização de processos e novas ferramentas de controle.
Endividamento – O endividamento total da Renova está em R$ 2,7 bilhões, sendo que a dívida de curto prazo, vencendo em 12 meses, é de R$ 1 bilhão. Porém, 80% dessa dívida, explicou Figueiredo, é referente ao empréstimo-ponte para a construção do Complexo Eólico Alto Sertão III (BA-411MW), que hoje encontra-se com quase 90% de sua obra concluída. O investimento no projeto total está estimado em R$ 2,5 bilhões. Assim que o BNDES liberar o empréstimo de longo-prazo, essa dívida será alongada. A expectativa é que o banco libere esses recursos até o final deste ano, mesmo cronograma para entrada em operação da Fase A do Alto Sertão III. “A importância do alto Sertão III se dá também para haver um reequilíbrio entre o fluxo financeiro de necessidade de capital e o fluxo operacional da companhia.”
Comprometimento dos sócios – O bloco de controle da Renova é formado pela Cemig GT, a Light e a RR Participações (dos sócios fundadores, Renato Amaral e Ricardo Delneri). No primeiro trimestre deste ano, Cemig (R$ 240 milhões) e Light (R$ 40 milhões) fizeram novos aportes, mas a RR não achou oportuno fazê-lo “e não consigo especificar as razões”, disse Figueiredo. Apesar disso, ele garantiu que todos os sócios estão comprometidos com a companhia.
Novos aportes – O executivo reconheceu que a empresa precisará de novos aportes de equity, dado a dificuldade e o custo do acesso ao capital. “Estamos acessando todas as fontes de financiamentos possíveis: quer através de dívida, quer através de equity.” Ele não descartou a venda de ativos, desde que seja por um preço atrativo. “Hoje somos uma empresa completa no setor de energia renovável, o que também é um atrativo para qualquer investidor, quer para uma aquisição, quer para uma joint venture, quer para a entrada de um novo sócio. ”
Recuperação judicial- Figueiredo descartou essa possibilidade. “Nós temos no nosso bloco de controle empresas comprometidas com o negócio e, além disso, dispomos de ativos operacionais extremamente atrativos. A Renova dispõe de ativos e de um fluxo de caixa no médio prazo que suportam todas essas operações. O que acontece hoje é que temos uma situação de liquidez de curto prazo que precisa ser equacionada. Mas quando você olha no médio e longo prazo, ela é economicamente viável.” Ele disse que a empresa tem entre 16 GW e 17 GW em prospecção, sendo que 4,5 GW estão com processos regulatórios avançados. A companhia dispõe de 1.979 MW contratados, sendo 683 MW operacionais.
O que deu errado – Em sua opinião, houve uma conjunção de fatores econômicos que colocaram a companhia nessa situação. O custo e o acesso ao crédito se tornou um desafio muito maior nos últimos anos. “A conjuntura macroeconômica mudou bastante, o que dificultou a implementação daquilo que havia sido planejado há 3 ou 5 anos quando se participou do leilão.” Para ele, a empresa também foi bastante ambiciosa. “Não sei se isso é uma falha, não quero julgar, mas naquele momento o mercado induzia a companhia a fazer esse movimento. Você tinha um cenário onde as energias renováveis cresciam, tinha uma cadeia de fornecimento nacionalizada, PPAs com demanda dessa energia, um mercado financeiro e de crédito favoráveis. Talvez eu teria tomado essa decisão.”
Pleito na Aneel – Atualmente a Renova tenta com outros geradores postergar a implantação dos projetos solares de LER de 2014. “Dificilmente qualquer uma dessas empresas que venceram o leilão terão condições de colocar os projetos operacionais na data prevista. Tem a questão da cadeia de suprimento solar que não se desenvolveu na mesma velocidade como se desenvolveu a eólica. O próprio ministério de Minas e Energia já se manifestou favorável a essa eventual descontratação. Acho que é uma decisão bem racional do MME e da Aneel.”
Ambiente de negócios do setor – Para o executivo, os indicadores mostram que, logo após o afastamento da presidente Dilma Rousseff, houve uma mudança positiva no humor da economia brasileira como um todo. “Por outro lado, quando se olha para a ótica do investimento, é muito difícil que o investidor de longo prazo ponha recurso em um país que não se tem a certeza de qual é o governante ou de qual é o plano de governo para os próximos anos. A definição dessa questão política vai trazer consequências para o cenário econômico. Acredito que a permanência do [Michel] Temer… trará uma confiança maior para os investidores e isso é bom para o país como um todo e é bom para o setor elétrico.” “Vejo no contexto elétrico bastante atratividade, investidores estrangeiros aportando recursos no setor, com a energia renovável sendo o grande vetor de crescimento e a Renova com um posicionamento muito bom nesse contexto.”
Composição do MME– Para ele, o governo acertou na nova equipe do Ministério de Minas e Energia. “Essas pessoas são quase unanimidade no setor, não só em relação ao equilíbrio e a racionalidade, mas a competência e conhecimento. Isso traz para as empresas um conforto, sabendo que essas instituições estão sendo lideradas e geridas por pessoas com competência e com essa intenção [de racionalidade]. A própria intensão de rever o LER Solar é uma medida racional e lógica.”
Expansão da matriz – Para Figueiredo, há uma certa esquizofrenia no setor: por um lado, há uma sobrecontratação nas distribuidoras, onde há uma eventual necessidade de rever as sobras de energia, com as próprias geradoras aderindo a esses mecanismos; por outro, as mesmas empresas querem novos leilões e as associações, de modo legítimo, pedem por novas contratações para atender a cadeia produtiva instalada. “Do lado da Renova, o momento é de ajuste. Entender qual é a nossa capacidade operacional e de execução. Temos um portfólio bastante bom para desenvolver, de modo que precisamos ter consciência de onde estamos para gente estudar um próximo passo de participação em PPAs”.
Leilões – Perguntado se a empresa participaria dos leilões deste ano, o executivo respondeu: “Esse ano, seguramente, não. A gente está descontratando alguns projetos e vai participar? Acho isso incoerente. Ainda estou nessa fase de entender qual é o tamanho do negócio, onde a gente está e para onde a gente vai”.
Figueiredo tem mais de 25 anos de experiência no setor de operações, suprimentos, logística, supply chain, marketing e vendas, além de larga experiência em liderança e formação de equipes. Ele é graduado em Administração de Empresas pela UNIFACS, com MBA Executivo em Finanças pelo IBMEC, MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Dom Cabral e pós MBA em Marketing e Liderança pela Kellogg School of Management. Durante sua carreira, Figueiredo foi responsável pela unidade de cargas do Grupo Gol (Gollog), diretor-presidente da empresa Solaris e atuou mais recentemente na Alcoa Alumínio como diretor para América Latina da unidade de extrusão da Alcoa Alumínio.