Um dos maiores negócios do setor elétrico nacional ainda não está concluído. A proposta da State Grid pela parcela de 23% da Camargo Correa na CPFL Energia é apenas o primeiro passo, pois a chinesa tem que estender a mesma oferta para os demais controladores, a Previ e a Bonaire Participações, que detém 19,3% e 11% das ações vinculadas ao Acordo de Acionistas. Essa primeira já afirmou que tem interesse na oferta, o que poderia dar aos chineses a maior parte do bloco de controle com 42,3% da empresa e aí abrir caminho para um acordo estimado em R$ 25 bilhões.

O presidente da CPFL Energia, André Dorf, destaca que de concreto há apenas o contrato de compra e venda da parcela da Camargo Correa que ainda precisa passar pela anuência da Aneel e do Cade. Os demais controladores receberam as ofertas por suas participações, como rege o Acordo de Acionistas. Dependendo dos desdobramentos desse processo societário, a companhia que poderá ter um novo papel no setor.
Segundo ele, o momento é adequado para ganhar esse reforço de peso, que poderá ser maior ainda caso os chineses completem a aquisição da CPFL. Dorf lembra que o país está com diversas oportunidades, pois esse movimento ficou represado pelas incertezas regulatórias que persistiam, aumentavam o risco do investidor e consequentemente reduziam o apetite no mercado de fusões e aquisições. Confira abaixo a entrevista exclusiva que o executivo concedeu à Agência CanalEnergia:
Agência CanalEnergia: O primeiro assunto, não poderia ser diferente, é a aquisição de parte da empresa pela State Grid. Semana passada o senhor esteve na China. Como foi esse contato com os chineses?
André Dorf: Eu estive no evento que o governo brasileiro promoveu antes do G20. Esse evento foi organizado com o objetivo de reunir empresários chineses e brasileiros e promover a maior interação comercial entre os dois países. Aproveitou-se o momento para realizar a assinatura de compra e venda da parte da Camargo Corrêa para a State Grid, nesse evento fui apenas observador. E também tive um encontro, aí sim, entre a CPFL, a State Grid holding e a International juntamente com a cúpula do governo. Além disso, visitei outras instalações da empresa em Xangai bem como sua sede em Beijing. Nessas oportunidades nós tivemos algumas conversas, mas sempre no contexto de como aproveitar a plataforma da CPFL para vários negócios e como preservamos a nossa posição no mercado. O interesse deles seja pela oferta à Camargo quanto a extensão aos demais controladores nesse sentido, de participar de uma empresa que tem liderança onde atua e estar em geração, distribuição e transmissão comercialização e novos negócios, como serviços, telecom, geração distribuída, eficiência energética.
Agência CanalEnergia: Há alguma perspectiva de mudança na cultura organizacional da empresa com a chegada dos chineses?
André Dorf: Não, nada. É cedo para afirmar qualquer modelo futuro, mas a indicação é de preservar o modelo de gestão da companhia como está, pois o reconhecem que tem funcionado e querem preservar. É diferente de quando se compra uma empresa em dificuldades ou outra que precisa de transformação qualquer. Aqui eles entendem que estão comprando uma operação que roda muito bem. Então a ideia é de preservar e depois fomentar o crescimento dessa estrutura.
Agência CanalEnergia: A CPFL é vista pelo mercado como uma empresa muito forte em distribuição no país, apesar de sua posição em geração pela CPFL Energia e na CPFL Renováveis. Com a chegada dos chineses dá para esperar alguma mudança estratégica em vista?
André Dorf: Hoje nosso ebitda está bem dividido, são 45% no segmento de distribuição e 45% na geração e 10% são de outros negócios. Precisamos destacar que o que existe até o momento é a compra da parte da Camargo Correa e, segundo o acordo de acionistas, eles são obrigados a estender essa proposta aos demais controladores, que são a Previ e a Bonaire, que podem seguir e vender suas participações pelas mesmas condições, exercer o direito de preferência de compra da parcela da Camargo Correa ou ficar da forma que está. A State Grid só controlará a empresa depois que os dois avaliarem a opção prevista no acordo e se aderirem, senão será integrante de um bloco de controle. Seja em qualquer um desses cenários, como controlador ou como integrante de bloco, não acredito em mudança estratégica.
O foco deles da State Grid é em distribuição e transmissão e nosso crescimento em distribuição passa pelos processos de privatização ou fusões e aquisições. Na geração, eles estão com foco em renováveis que para os chineses inclui grandes e pequenas hidrelétricas, além das demais que temos, eólica, solar e biomassa. Como a CPFL Renováveis está Novo Mercado da Bovespa e pelo fato de termos 51% é obrigado oferecer o mesmo valor. Somente se mudar o controle da holding eles lançarão a oferta para os demais acionistas da Renováveis, o que é de interesse deles por esse foco de atuação.
Agência CanalEnergia: Se ficarem com 100% da CPFL, fechar o capital é uma possibilidade?
André Dorf: Caso os demais acionistas optem por aderir à oferta, pode deixar de ser listadas, mas permanece com o capital aberto por conta de debêntures. Mas isso, caso haja a mudança do controle e a State Grid faça a oferta aos minoritários.
Agência CanalEnergia: O país está em uma fase de consolidação de ativos. Com os chineses no bloco de controle a empresa ganha mais fôlego para aportes e aquisições?
André Dorf: Essa operação é benéfica para a companhia, traz ganhos importantes com intercâmbio de tecnologia. Eles estão adiantados em áreas como digitalização, smart grids, mobilidade elétrica, há tecnologia e escala. Eles têm cerca de 1,2 bilhão de clientes na China e, com isso, a tecnologia fica mais acessível. Esse intercâmbio traz um benefício grande e, dependendo da configuração final desse processo de compra, a gente pode ter um acionista com mais poder de fogo nessa nova etapa de privatizações e de M&A do setor. Se, ao final, a State Grid detiver os 100% pode aumentar nosso capital, dar mais poder de fogo e melhorar o crédito da companhia que pode se aproveitar de ter um custo de capital mais barato. Se ficar apenas na negociação da compra da parcela da Camargo Correa essa opção fica mais limitada. Mas, já dá para falar que temos esse beneficio da tecnologia, pois operam em diversos países e nos abre outras possibilidades de investimentos em um momento apropriado. O governo quer discutir essas novas tendências de geração distribuída, eventual armazenamento, mobilidade elétrica, smart grid. É a tendência do futuro e podemos ter esse conhecimento para o Brasil.
Agência CanalEnergia:  Em termos de aquisições, a Celg-D seria um dos alvos da empresa por sua proximidade com a atual área de concessão, mas o desfecho foi o que vimos. Em sua opinião o ativo estava muito caro mesmo? Pela análise feita qual seria um valor justo pela concessão?
André Dorf: Percebemos que havia uma distorção quando comparamos o preço em relação à base de ativos regulatórios. Um ativo desse deveria ser negociado a um determinado múltiplo ante a essa base de ativos. E isso estava muito distorcido, por exemplo, bem acima do que foi ofertado à AES Sul e em outros negócios no país. Cada um avalia a base de ativos de um jeito e mesmo para qualquer cálculo os resultados estavam muito acima do que se vê no mercado. É nítido que havia distorção e o governo viu isso com certeza. [nota da redação: o novo valor de R$ 1,791 bilhão estabelecido como o mínimo pelo ativo ocorreu nesta quarta-feira, 14 de setembro, após o executivo conceder a entrevista].
Agência CanalEnergia: O governo federal revelou o PPI nesta terça-feira [13 de setembro] onde colocará as distribuidoras da Eletrobras, bem como três usinas da Cemig, como vê essa oportunidade?
André Dorf: Ainda é cedo, precisamos ver como ficará a configuração dos leilões e se haverá a mudança de controle na CPFL. Se ocorrer, teremos mais oportunidades sim. O que acontece, tivemos um setor represado de oportunidades até 2015 por conta das mudanças regulatórias. Questões como GSF, renovação das concessões, discussões sobre waac regulatório… tudo inibia esses movimentos de fusões e aquisições. Obviamente ninguém compraria uma empresa sem saber se renovaria ou não a concessão, quanto seria o gasto com GSF e o valor da indenização, no caso das transmissoras. Essa somatória de fatores gerou incerteza e reduziu as possibilidades de fusões e aquisições. Bom, mas esse cenário mudou em 2016. Primeiro porque mudou o governo e esse time está empenhado em trazer a iniciativa privada para o setor.  Os agentes podem precificar de maneira mais clara os ativos porque não tem um risco regulatório tão alto. O que vemos, serão realizadas mais operações com agentes privados no país, privatizações e concessões em distribuição e geração, bem como leilões de projetos greenfield. Não podemos esquecer que essas oportunidades podem surgir não somente em nível federal, há estados com dificuldades fiscais que precisam fazer a lição de casa e nesse contexto colocar ativos à venda.
Nesse contexto, a Celg é interessante, mas ao preço correto, ficaremos atentos a oportunidades de sinergia. Não é apenas por crescer sem a lógica empresarial ou operacional. Vamos olhar as demais distribuidoras da Eletrobras por dever de oficio, mas são menos atrativas essas concessões do que as oportunidades no Sul e no Sudeste, por exemplo. Essas duas regiões para nós são prioridades, mas sem dúvida vamos olhar. Em geração eu diria que para nós o ativo é mais atrativo quanto maior o controle que tivermos. Utilizar a nossa estrutura, obtermos sinergia com nossas outras áreas corporativas e operacionais… ser minoritário é menos atrativo do que ter a participação relevante em uma companhia de geração, seja em energia convencional ou renovável.
Agência CanalEnergia: A aquisição da AES Sul foi recentemente aprovada. Como está o processo de integração da distribuidora gaúcha?
André Dorf: Estamos preservando a relação com funcionários, clientes, fornecedores e demais stakeholders e agora os trabalhos de integração está encaminhado. São 2 mil pessoas, é um processo complexo e está bem encaminhado. As principais iniciativas referem-se ao nosso sistema, integração de áreas operacionais, tudo para minimizar o impacto ao consumidor. Nas próximas semanas teremos o novo nome da distribuidora, a virada de chave de AES para CPFL está próxima.
Agência CanalEnergia: Entre as grandes do Rio Grande do Sul só falta a CEEE-D, do outro lado em Santa Catarina tem a Celesc que é estadual, também interessa?
André Dorf: Sim, olharíamos se viesse ao mercado, mas não temos a indicação de que o governo do Rio Grande do Sul em alienar esse ativo. Na Celesc, e nesse caso precisaríamos ver como é que seria a sinergia quanto a geração naquele estado.
Agência CanalEnergia: A CPFL tem um programa de investimento de R$ 9,6 bilhões entre 2016 e 2020. O orçamento para o próximo período já está fechado?
André Dorf: Esses valores não incluem a AES Sul e esses valores deverão ser elevados justamente por essa aquisição. No momento o orçamento não está aprovado, mas deverá se manter na casa de R$ 10 bilhões em cinco anos por conta da nova distribuidora. Há dois motivos para isso, o investimento para a aquisição da companhia e o capex para aplicação nas operações da empresa. No que se refere ao capex a AES Sul entrará no nosso plano de smart grid já desenvolvido nas demais distribuidoras, onde temos todos os consumidores do grupo A com medidores inteligentes. Ainda há o plano de 10 anos de expansão dos medidores para os demais grupos de consumo da CPFL.
Agência CanalEnergia: A dívida líquida da CPFL alcançou a relação de 3,1 vezes o ebitda, uma queda ante o indicador de 3,67x do final de junho do ano passado. Como vê essa situação, considera confortável?
André Dorf: Nossos convenants financeiros são de 3,75x. Essa situação atual é confortável sim. Devemos ver uma elevação [do indicador] por conta do impacto da AES Sul, mas ainda assim abaixo dos covenants. Além disso, a CPFL Renováveis está em um ano de muito investimento com projetos entrando em operação, até final do ano deverá aumentar a sua capacidade em quase 20% e cada vez mais se torna representativa no portfolio do grupo.