Alguns movimentos regulatórios, políticos e de mercado (concluídos ou em andamento) sugerem esse caminho: como a flexibilização da necessidade de instalação de medidor de retaguarda; a criação de uma tarifa binômia para o mercado cativo; a criação do comercializador varejista; a regulamentação da geração distribuída; a criação da bandeira tarifária; a proposição de novas leis para a abertura gradual do mercado livre para todos os consumidores; a corrida de empresas como a Brix e a BBCE para conseguir autorização para negociar contratos financeiros.
Enquanto no mercado livre o consumidor pode estabelecer suas estratégias de contratação de energia, no mercado cativo o consumidor cativo absorve as incertezas do planejamento centralizado de governo, ficando sujeito a tarifa estabelecida pela distribuidora. O mercado livre de energia no Brasil surgiu em 1995 para estimular a livre concorrência e, assim, reduzir os custos com energia elétrica. Até o início dos anos 2000 pouco se avançou nesse sentido, até que veio a crise energética em 2001 e o mercado livre ganhou adeptos. Esse crescimento em momento de crise econômica aconteceu no passado e agora se repete desde de 2015.
Ao longo do primeiro semestre de 2016, o ACL registrou uma grande procura de empresas e um elevado número de novas unidades consumidoras. Segundo a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), foram contabilizadas 1.151 novas unidades consumidoras entre janeiro e junho deste ano. A grande onda de migração está apenas começando. Existem 1.424 pedidos de adesão em andamento na entidade. Apenas em outubro, há uma expectativa que sejam concluídas 438 novas migrações.
A Lei 9.648/1998 criou dois grupos de consumidores aptos a escolher seu fornecedor de energia elétrica: os consumidores livres com carga maior que 3.000 kW; e os chamados consumidores especiais, composto pelas unidades com demanda maior ou igual que 500 kW atendidos em qualquer tensão, mas seu leque de opção está restrito à energia oriunda das chamadas fontes incentivadas: pequenas centrais hidrelétricas; usinas a biomassa, eólicas; cogeração qualificada e solar fotovoltaica.
Apesar dos seus 20 anos de existência, o mercado livre enfrenta dificuldade para romper a barreira dos 27,3% de representatividade na carga nacional, ou 15,5 GW médios. Isso porque nos últimos anos haviam forças políticas que não tinham interesse em expandir esse mercado para além dos 30%. A justifica era que a expansão do ACL poderia comprometer a financiabilidade dos empreendimentos de geração. No modelo atual, o financiamento de novas usinas para produção de energia está vinculado aos recebíveis do contrato de longo prazo de fornecimento formalizado entre geradoras e distribuidoras.
Contudo, essa dificuldade pode estar prestes a ser superada com a criação da câmara de compensação financeira (clearing house). Duas plataformas eletrônicas de negociação de energia no Brasil correm para lançar contratos derivativos de energia elétrica com liquidação financeira ainda neste ano. O objetivo é atrair novos players para as negociações, como bancos, corretoras e fundos de investimentos, já que os acordos seriam financeiros, sem a necessidade física de eletricidade. Atualmente, o mercado de comercialização envolve apenas geradores, comercializadoras e consumidores, com a negociação de energia firme sendo liquidada na CCEE.
“Todos os mercados organizados possuem uma clearing house. Acreditamos que é viável no Brasil, mas existe uma séria de ações, principalmente regulatórias, que precisam ser tomadas para tornar isso realidade”, disse o Rui Altieri, presidente do Conselho de Administração da CCEE.
Segundo o novo presidente da Brix, Marcos Severine, com a negociação de contratos físicos e financeiros em um ambiente de bolsa de energia, o giro de negócios no mercado livre poderia saltar dos atuais 45 GW médios para 120 GW médios (o giro de negócios do ACL é de 3 vezes a carga física). As corretoras atuariam como intermediários nas negociações, com potencial de geração de receita adicional para as corretoras entre R$ 600 milhões a R$ 1 bilhão.
Na avaliação de Severine, o país passa por um momento propício para transformar essa inciativa em realidade, tanto do ponto de vista político quanto regulatório. A Brix está autorizada a negociar contratos financeiros, concluiu seu processo de interligação de sistemas com a BM&FBovespa e espera disponibilizar, até o final de dezembro, os primeiros contratos financeiros. A meta é oferecer, inclusive, contratos dolarizados.
Neste momento, a plataforma está em busca de novos sócios. Fundos de investimento, comercializadoras, geradores e até os chineses estão sendo convidados a entrar no negócio. Para Severine, um dos erros iniciais da Brix foi limitar seu quadro societário. A Brix é controlada pela Intercontinental Exchange (ICE), e tem entre os sócios os empresários Josué Gomes da Silva, dono da Coteminas, Marcelo Parodi, sócio-diretor da Compass Energia, e Roberto Teixeira da Costa, ex-presidente da Comissão de Valores Mobiliários.
A estratégia do Balcão Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE) foi firmar uma parceria com a XP Investimentos para poder negociar os contratos financeiros. Segundo Victor Kodja, esse novo produto deve estar disponível nas próximas duas semanas. “A BBCE consultou a CVM e o Banco Central e em ambos os casos houve concordância com a liberação de informações sobre os contratos de liquidação financeiras, ou seja, nós estamos aptos a disponibilizar esses contratos na plataforma”, disse.
Para Kodja, o momento do setor de energia está favorável ao início dessas operações, porém ele acredita que esse mercado de contratos financeiros deverá crescer aos poucos. “A gente imagina que para o final do ano que vem nós já vamos ter um mercado com um nível de negociações interessantes. Esse contrato de liquidação financeira permite a participação muito grande de agentes que hoje não estão participando, como bancos, fundos e corretoras. Todos esses vão poder fazer mais operações em energia, trazendo mais liquidez para o mercado… E no futuro até financiando projetos”, disse Kodja. “O momento é propício. A visão do pessoal que está hoje no ministério [de Minas e Energia] é muito pró-mercado, muito na intenção de buscar soluções discutidas com o mercado”, completou o executivo.
Segundo o gerente executivo de Leilões & Mercado Regulado da CCEE, Alexandre Viana, existe alguns desafios a serem superados para que a clearing house possa ser uma realidade no Brasil. Ele explicou que o país precisaria criar uma figura regulatória sujeita à regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e à regulação do mercado financeiro para atuar diretamente como operador de mercado. “Essa figura regulatória no Brasil hoje não existe. Precisaria evoluir no sentido para que as operações feitas nesses ambientes pudessem ser reconhecidas automaticamente pelo operador.” Em setembro de 2016, CCEE contabilizou 4.800 agentes contra 3.165 em setembro de 2015, sendo que essa evolução ocorreu em razão, principalmente, da forte migração de consumidores especiais. No mesmo período, essa categoria passou de 1.172 agentes para 2.468 unidades consumidoras.