Há algum anos o setor elétrico aguarda por uma atualização do Atlas Eólico Brasileiro. A primeira e única edição foi publicada em 2001 pelo Cepel, quando se estimou que o potencial onshore (em terra) do país seria de 143,5 GW. Esse número, contudo, pode ser seis vezes maior, considerando as novas tecnologias para produção de energia a partir do vento e, principalmente, a utilização de aerogeradores posicionados a 100 metros de altura. Uma pesquisa ainda em andamento do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas (INCT-Clima) estima que o potencial eólico brasileiro pode chegar a 880,5 GW, sendo que 522 GW são considerados tecnicamente viáveis.
Desenvolvido há cerca de quatro anos, o estudo envolve a cooperação de várias instituições de ensino e pesquisa nacionais e internacionais. Entre elas estão Unifei (Universidade Federal de Itajubá (MG), a Universidade Federal de Alagoas (UFAL), a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)), a Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE), o CENPES (Petrobras), a Universidade Estadual do Norte Fluminense (UENF), a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), a Universidade de Oldemburgo, da Alemanha, além do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).
O físico Ênio Bueno Pereira, coordenador do projeto de Energias Renováveis do INCT-Clima, explicou que os números estão fundamentados em modelos climáticos adaptados. A validação desse potencial precisa ser feita a partir do cruzamento com dados medidos em superfície. Contudo, esses dados estão sob o domínio das empresas de energia, que se recusam a compartilhar tais informações. Apesar disso, Pereira disse que tem total confiança na pesquisa e nos números apresentados até agora.
"O produto (Atlas) ainda não existe. Fizemos uma pré-avaliação e temos confiança nesses dados", afirmou o coordenador de Estudos de Recursos Renováveis de Energia do Centro de Ciências do Sistema Terrestre do INPE. "A reavaliação dos dados depende de uma validação da superfície. Porém, os dados de superfície pertencem as empresas que instalaram esses parques eólicos e elas não os fornecem. O MME tem esses dados e também não pode fornecer. Estamos buscando um caminho para poder validar esses dados. Quando isso acontecer a gente pode publicar um atlas."
Pereira explicou que a Empresa de Pesquisa Energética também possuí esses dados e até os disponibiliza, mas apenas em médias mensais, o que não serve para a construção de um atlas eólico. “Estamos amarrados para produzir um atlas nacional porque não temos esses dados de superfície para validar esse atlas, nem para ajustar o modelo. Isso é uma questão crucial para que a gente possa fazer um novo atlas de energia eólica.”
Questionada, a EPE explicou que, por questões de sigilo, os dados sobre os ventos no Brasil só podem ser compartilhados com o Cepel. "A EPE forneceu todas as informações solicitadas pelo Cepel para confecção do Atlas Eólico. As informações foram enviadas nos dias 4 de maio de 2015, 5 de junho de 2016 e 14 de junho de 2016, com a autorização expressa dos agentes, no formato solicitado pelo Cepel.” A EPE não soube explicar porque o documento ainda não está pronto.
Apesar de prometido há anos, a publicação do novo Altas Eólico Brasileiro é uma dúvida. O projeto é tocado pelo Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel), órgão ligado à Eletrobras. A reportagem entrou em contato com o Cepel buscando informações sobre o estágio do documento, mas nenhuma resposta foi apresentada. Um alto executivo do setor eólico, que falou sob sigilo, revelou que havia uma disputa entre o Cepel e a EPE na época em que Mauricio Tolmasquim presidia a entidade e que isso dificultava o andamento do processo.
Dessa forma, o estudo feito pelo INCT, quando concluído, pode ser uma grande contribuição para a democratização da informação, revelando novas regiões com potencial para atrair investimentos ligados ao setor de energia eólica. Segundo o estudo, com as torres posicionadas a 100 metros, estados que não tinham tanto potencial, como Paraná e São Paulo, passam a ser regiões viáveis à produção eólica, com ventos superiores a 6,5 metros por segundo. O estudo preliminar aponta que o potencial eólico da região Sudeste pode ser de 246,4 GW, contra uma estimativa de 27,7 GW do Atlas do Cepel. O mesmo acontece na região Sul, de 22,8 GW para 234,4 GW. A região Nordeste, tida como o melhor potencial já no Atlas do Cepel, passaria de 75 GW para 309 GW.
No setor de energia, o mercado eólico vem sendo o mais próspero nos últimos anos, mesmo em meio à crise econômica que afeta o país. A capacidade instalada brasileira atingirá 18.147 MW em 2020, contra um montante de 27,1 MW em 2005, de acordo com dados da Associação Brasileira de Energia Eólica. O Brasil possui 410 usinas em operação, somando 10,2 GW e representando 6,9% na matriz elétrica nacional. Informações do Banco de Geração da Agência Nacional de Energia Elétrica apontam que há 8,33 GW contratados para entrarem em operação até 2020.
A presidente-executiva da Abeeólica, Elbia Gannoum, explicou que o atlas tem o objetivo de indicar onde estão os melhores potenciais para os investimentos em energia elétrica. Quando o Brasil fez o primeiro atlas publicado em 2001/2002, o país não conhecia quase nada de energia eólica. Para confecção daquele documento, foi considerado os ventos com torres a 50 metros. Com a evolução tecnológica dos últimos 15 anos, hoje é possível instalar torres de até 150 metros de altura.
“Aquele atlas foi fundamental para que os primeiros investimentos acontecessem em energia eólica e depois disso não fizemos uma atualização do atlas brasileiro", comentou Elbia. Nos quatro últimos anos, Estados como São Paulo, Bahia, Rio Grande do Sul procuraram fazer a atualização do documento de forma independente e regional. Considerando apenas Bahia e Rio Grande do Sul, o potencial indicado pelos dois estados juntos ultrapassaria 360 GW. O estado de São Paulo, que ainda não conta com fazendas eólicas, teria um potencial a ser desenvolvido de 4,7 GW, segundo o documento elaborado pelo governo paulista.
Para Elbia, a atualização desse documento com abrangência nacional é importante para sinalizar o que ela chama de "novas fronteiras de investimento em energia eólica". "Embora o melhor potencial já esteja identificado e ele está no Nordeste e no Sul do país, nós temos outras regiões com bons potencias", disse a executiva, que lembrou que com o gargalo na transmissão o vento deixou de ser fator determinante. "Você também tem que ter condições de infraestrutura para fazer o investimento."
Offshore- O estudo realizado pelo INCT ainda estima em 1,3 TW o potencial eólico offshore do Brasil. Porém, devido aos custos de implantação, os investimentos nesse tipo de empreendimento no mar ainda não foram iniciados no país. Por não estar concluído, o estudo não pode ser disponibilizado na íntegra ao público. A Agência CanalEnergia teve acesso apenas a uma apresentação preliminar.