O Pecém I (720,2 MW) e Pecém II (365 MW) são duas termelétricas a carvão instaladas no município de São Gonçalo do Amarante, no Ceará. A energia produzida por essas usinas é capaz de suprir 65% do consumo do Estado ou 10% do consumo da região Nordeste. Porém, elas utilizam água em seu processo produtivo, recurso que está escasso no Nordeste em meio ao pior período hidrológico do estado do Ceará nos últimos 66 anos.
Em 6 de outubro de 2015, a Secretaria dos Recursos Hídricos do Estado do Ceará declarou Situação Crítica de Escassez Hídrica em todo o Estado do Ceará e, em 28 de junho de 2016, o Governador do Estado do Ceará emitiu o Decreto 31.981 declarando em situação de emergência às áreas dos municípios do Estado do Ceará afetadas pela seca, dentre esses o município de São Gonçalo do Amarante. Nesse cenário, o governador baixou um decreto criando Encargo Hídrico Emergencial (EHE), estabelecendo cobrança mensal no valor de R$ 7.210,00/1000 metros cúbicos, com vigência de outubro de 2016 a 31 de agosto de 2017, retroagindo seus efeitos a 1º de setembro de 2016.
O objetivo do decreto é arrecadar recursos para executar obras para aumentar a segurança hídrica na região e também forçar as térmicas a reduzirem seus respectivos consumos de água. Segundo documentos vistos pela Agência CanalEnergia, os agentes receberam faturas de cobrança do fornecimento de água bruta do mês de setembro de 2016 para o Complexo no valor de R$ 1,3 milhão referente à água bruta e R$ 9,1 milhões referente ao encargo.
Diante dessa situação extraordinária, as empresas Eneva e EDP Energia, controladoras das usinas, tentaram sensibilizar a Aneel para que a agência reguladora permitisse a acomodação desse custo adicional na tarifa do consumidor final por meio de um reajuste no chamado CVU (Custo Variável Unitário). A má notícia é que a diretoria da Aneel, com exceção do diretor Tiago Correa, decidiu nesta sexta-feira, 16 de dezembro, por indeferir os pedidos das empresas, por entender que a disponibilidade de água para os projetos é um risco que deveria ser calculado pelos empreendedores.
"A decisão de alteração da fonte de água salgada por água doce foi tomada pelo empreendedor no decorrer da implantação dos empreendimentos, decisão essa tomada, como não poderia ser diferente, por conta e risco do investidor", argumentou em seu voto o diretor Reive Barros, relator do processo. "A opção pela captação d’água para as usinas foi de livre escolha das requerentes, razão pela qual não poderiam denominar de riscos extraordinários posteriores à implementação das usinas, eventuais realizações adversas do risco que tinham, pela natureza do negócio, obrigação de conhecer e de adotar as devidas medidas mitigatórias."
O diretor Tiago Correia foi o único que descordou da decisão de seus pares. Para ele, o caso apresenta dois conceitos jurídicos (fumus boni juris e o periculum in mora) que garantem aos agentes o reequilíbrio econômico dos contratos por meio de uma elevação do CVU. Para o diretor, o risco de desligar as usinas por si só já seria motivo suficiente para autorizar a medida cautelar solicitada pelos agentes. Contudo, Tiago foi voto vencido.
As UTEs Porto do Pecém I e Pecém II têm atualmente CVU de R$ 123,49/MWh e R$ 133,16/MWh, respectivamente, valores que estão entre os mais baixos considerando as diversas modalidades de geração térmica presentes na matriz elétrica brasileira. Pecém I foi vencedor no leilão A-5 de 2007, enquanto Pecém II participou do A-5 de 2008. A construção dessas usinas consumiu investimentos da ordem de R$ 3 bilhões.