A hidrelétrica de Itaipu (14.000MW) já produziu 98,8 milhões de MWh, com a expectativa de atingir a marca inédita de 100 milhões na próxima quarta-feira, 21 de dezembro. A previsão da companhia é fechar 2016 com uma produção superior a 102 milhões de MWh. Para fins de comparação, a chinesa Três Gargantas, a maior hidrelétrica do mundo em capacidade instalada (22.500 MW), fechou novembro com a geração em torno de 83 milhões de MWh e prevê uma produção total de 90 milhões de MWh em 2016. Confirmadas as projeções, a vantagem final de Itaipu será de mais de 10 milhões de MWh, o equivalente a mais de um mês de geração.
Para o diretor técnico da companhia, Airton Dipp, o título de maior produtora de energia hidrelétrica do mundo não representa apenas um status para Itaipu, mas significa que a usina traz ainda mais benefícios ao Brasil e ao Paraguai. A produção maior deste ano fez com que aumentasse a participação de Itaipu nos mercados do setor elétrico brasileiro e paraguaio. “Hoje, Itaipu responde por 18% do consumo nacional, quatro pontos percentuais a mais do que o registrado no ano passado, e por 82% da demanda do Paraguai, ante 76% em 2015”.
O aumento da produção também se reflete em mais royalties (indenização pela exploração do uso da água para a geração de energia elétrica), pagos ao Brasil e ao Paraguai. Como o cálculo é feito com base na variação do dólar – e como a moeda americana se valorizou frente ao real -, o repasse de royalties a partir da produção deste ano será 15% maior. Desde o início do pagamento, em 1985, a soma dos royalties pagos pela Itaipu para os dois países passa de US$ 10 bilhões.
Além da disponibilidade de água, outros três fatores são determinantes para que uma hidrelétrica produza energia: unidades geradoras em condições operacionais, linhas de transmissão idem e consumo. “Água e consumo são variáveis que não controlamos. Então, nosso papel é atuar no sentido de que as unidades geradoras e os sistemas de transmissão não sejam fatores limitantes para a produção. Se temos sucesso, para o consumidor, é como se esses fatores fossem infinitos”, explica o superintendente de Operação da Itaipu, Celso Torino.
Para maximizar a disponibilidade de suas unidades geradoras, a Itaipu aprimorou, a partir de 2011, seu modelo de gestão operacional, que incorpora princípios da Engenharia de Produção e que pressupõe um maior entrosamento entre as equipes de Engenharia, Obras, Manutenção e Operação da usina. A ideia é aproveitar da melhor forma possível toda água que chega ao reservatório. Os resultados desse modelo de gestão ficam claros se observada a evolução da produção e dos índices de produtividade da usina. Em 2008, por exemplo, ano em que a Itaipu estabeleceu um recorde mundial com 94,6 milhões de MWh, a Itaipu registrou um aproveitamento de 97,6% de seus recursos hídricos. Ou seja, de toda água do rio Paraná que chegou à usina e poderia ser transformada em energia, 97,6% foram realmente utilizados, um desempenho excepcional até então.
A partir de 2012, esse índice tem sido sempre superior a 96%, tendo chegado a 99,3% em 2014. Para este ano, em que a usina está registrando novo recorde mundial com mais de 100 milhões de MWh, o índice deverá novamente ultrapassar os 96%. Alguns fatores externos contribuíram para esse número não ter sido ainda melhor como, por exemplo, a retração da economia, que impacta sobre a demanda por energia.
O modelo de gestão operacional foi batizado internamente de “dança com as águas”, o que já dá uma ideia de seu conceito. Tudo começa pela área de Hidrologia, que mantém um acompanhamento ininterrupto do comportamento do reservatório, seus afluentes e das chuvas na bacia hidrográfica do Paraná. Os dados fornecidos por essa área são determinantes para as tomadas de decisão das demais áreas ligadas à produção de energia, que dentro de determinados princípios e limites têm a missão de providenciar o melhor uso da água.
Por incorporar princípios de engenharia de produção, a água é tratada como um recurso dentro de uma cadeia de suprimento. “Dentro dos fatores determinantes para a produção, o consumidor é mais previsível. Se está fazendo calor, há mais consumo. Aos domingos e durante as madrugadas, a demanda cai. Então, se buscamos a eficiência na produção, nossas ações devem se pautar a partir do comportamento da água”, completa Torino.
O departamento de hidrologia emite boletins diários, com dados que abrangem desde as próximas horas até previsões para 10 dias. “O cenário para os dias seguintes é diariamente atualizado e aperfeiçoado. E a operação pode estimar se poderá contar com a água que está chegando ou se terá que usar do estoque do reservatório”, afirma Rafael de Souza Favoreto, gerente da Divisão de Programação e Estatística. O cenário também é estimado com o conhecimento das condições previstas e futuras dos sistemas elétricos do Brasil e do Paraguai que podem impactar em Itaipu.
Os dados são captados automaticamente por cerca de 40 estações do chamado Sistema de Telemetria Hidrometeorológica (STH) e enviados a uma estação central. A usina utiliza ainda dados de sistemas meteorológicos, como imagens de satélite, imagens de radar e localização de descargas elétricas, por meio de convênios com o Sistema Meteorológico do Paraná (Simepar) e Dirección Nacional de Aeronáutica Civil (Dinac), do Paraguai.
A experiência de quase 33 anos de geração da Itaipu, soma-se um aperfeiçoamento contínuo dos modelos que projetam o comportamento e a propagação da água na bacia hidrográfica. “Quanto mais preciso é o boletim hidrometeorológico, melhor é o planejamento da produção para os dias seguintes”, resume Alberto de Araújo Bastos, gerente do Departamento de Operação do Sistema.
A previsão vai para a área de planejamento da operação que, por sua vez, recebe da Ande (no Paraguai), e da Eletrobras e do Operador Nacional do Sistema (no Brasil) a previsão de demanda por energia nos dois países. A operação busca, então, adequar o aproveitamento máximo da água aos horários de maior consumo. Paralelamente, são também adequadas as ações de manutenção e obras que possam envolver parada de máquinas. Estas costumam ocorrer em datas mais adequadas e dentro de determinados limites, e podem ser adiantadas ou postergadas em função do melhor aproveitamento da água.
Normalmente, a Itaipu opera com a disponibilidade de 19 unidades geradoras e uma em manutenção. Das 20 unidades, 10 estão no setor de 50 Hertz e 10 no de 60 Hertz. A flexibilidade adotada pela usina também implica em utilizar mais água em um ou outro setor, conforme o cenário. “Se a previsão de consumo da Ande não se confirma, por exemplo, isso significa que há mais energia disponível para o Brasil ou vice e versa, e os ajustes são feitos em tempo real, na Sala de Despacho de Carga”, exemplifica Rodrigo Gonçalves Pimenta, da Divisão de Operação do Sistema. Outras variáveis que influenciam na gestão da produção vêm das equipes que supervisionam o funcionamento das máquinas e toda a usina na Sala de Supervisão e Controle Central. As unidades geradoras dispõem de uma série de sensores que podem disparar alarmes, sinalizando algum tipo de mau funcionamento, como uma elevação anormal da temperatura.
As equipes, então, têm de avaliar se se trata de uma anomalia que precisa ser resolvida na hora, com desligamento da máquina, ou se pode ser consertada sem interrupção da geração. Ou, ainda, se pode ser momentaneamente conviver com a anomalia e programar a intervenção para um momento de baixo consumo. Porém, antes de manter as máquinas em operação, há três pilares básicos que norteiam a tomada de decisão: se implica em algum risco para os trabalhadores ou para o meio ambiente; ou se há risco para os equipamentos ou ativos da usina; ou, ainda, se a própria produção de energia pode ser colocada em risco.
É uma análise de risco que podem envolver pessoas comprometidas e capacitadas de pelo menos três áreas da técnica: operação do sistema, operação da usina e manutenção. “Algumas ações de manutenção, obras ou montagens são feitas com as máquinas operando. É como se consertássemos um avião em pleno voo”, compara o Douglas Teixeira Barreto, da Divisão de Operação da Usina e Subestações. “Uma decisão errada pode levar, no mínimo, a uma perda de eficiência na produção”, completa Paulo Zanelli Júnior, da mesma área. A comparação com a aeronáutica guarda outro paralelo em relação à solução de panes. Assim como pilotos são treinados para uma série de procedimentos que são adotados em situações críticas, a gestão da produção hidrelétrica também adota sequências de comandos específicos para emergências.
Conforme explica Rui Jovita Godinho Correa da Silva, gerente da Divisão de Estudos Elétricos e Normas, a Itaipu promoveu ao longo dos anos uma série de estudos que permite à operação saber o que deve ser feito quando surgem imprevistos, como a queda de linhas de transmissão, por exemplo. “Hoje, a grande maioria das ocorrências está prevista e os operadores sabem as medidas que precisam ser adotadas”, garante.
A evolução da gestão de crise também permitiu diminuir eventuais gargalos na transmissão. Em eventos extremos, como, por exemplo, a realização da Copa do Mundo, das Olimpíadas ou de uma visita papal, em que o setor elétrico precisa operar dentro de uma faixa mais restritiva em prol da extrema segurança a disponibilidade de carga da Itaipu para o Brasil costumava ser reduzida dos habituais 7 mil MW para 3 mil MW.
Com a evolução dos procedimentos de operação da usina, essa carga hoje é restringida em 4,9 mil MW, o que, além do ganho de potência, representa também maior confiabilidade para o sistema. Da mesma forma, estudos e ações de médio e longo prazo são adotados por todas as áreas da Diretoria Técnica da Itaipu, para que as restrições de produção sejam sistematicamente evitadas ou eliminadas.