Seis empresas vencedoras do emblemático leilão de energia de Reserva de 2014 protocolaram na Agência Nacional de Energia Elétrica pedidos de postergação de cronograma de seus empreendimentos. O certame, considerado o mais disputado da história, com mais de oito horas de duração, marcou a entrada da energia solar fotovoltaica na matriz elétrica brasileira. Contratualmente, esses projetos precisam entregar energia em 2017. Contudo, um grupo de empresas pediu que o regulador postergue por dois anos os marcos do início e término do suprimento estabelecidos nos Contratos de Energia de Reserva.
Os pedidos partiram da Renova Energia, Canadian Solar, Lintran do Brasil, FRV Solar, Usina Fotovoltaica Inharé, Rio Alto Energia Empreendimento e Participações. Juntas essas empresas representam 64% da potência contratada naquele certame (570 MW de 890 MW). A Enel Green Power, que consquistou 210 MW, segue desenvolvendo os seus projetos.
As companhias alegam que houve alteração “imprevisível e extraordinária” das condições macroeconômicas então vigentes na época do leilão, como elevação da inflação, das taxas de juros e forte desvalorização do Real frente ao Dólar. Esses fatores, somados a ausência de uma cadeia produtiva nacional voltada ao atendimento do setor fotovoltaico brasileiro, comprometeram as condições de financiamento para custear os vultuosos investimentos incorridos na implantação desses projetos.
“Tais premissas foram radicalmente influenciadas pelos impactos resultantes da drástica mudança do cenário macroeconômico global e do cenário político brasileiro ao longo do ano de 2015, com reflexos diretos à viabilidade de implantação e à sustentabilidade dos projetos ganhadores do LER 008/2014”, diz o documento ao qual à Agência CanalEnergia teve acesso. “Desta maneira, os requerentes veem-se forçados a recorrer à Aneel, por meio deste documento, a fim de propor e requerer as soluções cabíveis no sentido de manter a viabilidade de seus empreendimentos, bem como assegurar o propósito de contribuir para a consolidação da energia solar fotovoltaica no Brasil e, consequentemente, para o progresso tecnológico, econômico, social e ambiental do país”.
Realizado em 31 de outubro de 2014, o certame viabilizou 62 empreendimentos, sendo 31 usinas fotovoltaicas e 31 usinas eólicas. Em um leilão disputado, a energia solar sofreu um deságio de 17,9%. O preço da energia solar caiu de R$ 262/MWh para R$ 215/MWh. Na época, o presidente da Empresa de Pesquisa Energética, Mauricio Tolmasquim, chegou a comemorar a contratação de energia solar por menos de US$ 90 o MWh.
Naquele contexto, dizem os agentes vencedores do leilão, “era inquestionável que o país se destacava como um dos mercados mais promissores para o desenvolvimento do setor fotovoltaico, em grande medida por se tratar de uma indústria ainda incipiente no país, porém, com uma demanda latente”. “Esse cenário possibilitou aos agentes acreditarem no desenvolvimento da cadeia produtiva solar fotovoltaica no Brasil, bem como na correspondente disponibilidade de condições de financiamento competitivas pelo BNDES, imprescindíveis para propiciar o desenvolvimento da geração a partir dessa matriz energética”.
Como a cadeia produtiva nacional não teve o desenvolvimento esperado no Brasil, os agentes alegam que única opção que dispõem na atualidade para levar seus projetos adiante seria a aquisição de componentes importados, isso porque o BNDES obriga a aquisição de componentes nacionais para conceder financiamento. Vale lembrar que a partir de 2015, houve uma desvalorização do Real frente ao Dólar de aproximadamente 53% em 14 meses.
Em síntese, os empreendedores alegam que não têm acesso a componentes nacionais, porque inexiste a cadeia produtiva solar fotovoltaica no Brasil. Por isso, teriam de recorrer a fornecedores estrangeiros e adquirir equipamentos e serviços cotados em dólar, o que traz duas claras consequências: aumento dos custos dos projetos em função da expressiva desvalorização do real frente ao dólar no último ano; e a impossibilidade de financiamento com taxas mais competitivas junto ao BNDES diante da inexistência de uma linha de crédito própria para componentes importados.
Procurada pela reportagem, a Renova Energia não se manifestou sobre este assunto. A Agência CanalEnergia também não conseguiu localizar as demais empresas. A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica disse que não está envolvida nesse processo e esclareceu que se trata de uma iniciativa de um grupo de empresas participantes do LER de 2014.
Segundo Rodrigo Lopes Sauaia, presidente executivo da Absolar, a variação “inesperada e expressiva” do dólar de 2014 para 2015 impactou o planejamento dos empreendedores que não estavam protegidos pela variação cambial ou que não estavam com financiamentos em dólar. “De fato, os projetos de 2014 tem um desafio cambial para superar”, declarou o representante do segmento, esclarecendo que essa é uma situação particular dos projetos de 2014, uma vez que os projetos contratados em 2015 foram atualizados de acordo com a nova realidade cambial do Brasil. “Por conta disso a gente viu uma mudança de preço teto entre o leilão de 2014 e 2015”, lembrou.
Sobre os gargalos da indústria, Sauaia lembrou que alguns fornecedores nacionais começaram a investir no setor fotovoltaico no Brasil, inclusive antecipando expectativas do próprio BNDES, como são os casos de fabricantes de inversores, estruturas e rastreadores solares. No entanto, na questão da disponibilidade de módulos fotovoltaicos, o país enfrenta um desafio. Ele explicou que não existe uma política industrial bem alinhada para trazer competitividade para a fabricação nacional, o que tem retardado a entrada de novas empresas no país.
Segundo Sauaia, a solução para esse gargalo é muito simples: é a inclusão, através de uma portaria interministerial, dos insumos e maquinários da fabricação de módulos e células fotovoltaicas no Padis. “E para isso o país não precisa de lei ou sequer um decreto, é meramente uma portaria interministerial. Basta (os ministérios) MDIC, MCTI e Fazenda entrarem em acordo sobre o tema e apoiaram a vinda da cadeia produtiva para o Brasil", declarou.
O presidente da Absolar lembrou ainda que neste caso não há perda de arrecadação do governo porque esses fabricantes ainda não estão no país. “Para estarem no país eles precisam produzir um equipamento que seja competitivo. Ninguém vai estabelecer uma fábrica no Brasil se não tiver condições de vender o seu equipamento, se não tiver mercado”, argumentou. “O governo tem total condições de ajudar o setor a superar esse mercado”.