O sistema de leilões implantado no Brasil com a lei 10.848 colocou em um mesmo pacote os produtos lastro e contratos de energia. Isso simplificou o processo dos certames no país em uma época em que havia pouca credibilidade e assegurou a expansão do sistema. Agora, mais de uma década após o atual modelo do setor elétrico, o sistema é considerado consolidado e abre a possibilidade de um aperfeiçoamento que englobaria a segregação desse pacote levando a leilão somente o produto lastro que teria, segundo simulações preliminares, pagamento entre R$ 42 e R$ 63/MWh, dependendo do nível de aversão ao risco.
Esse estudo foi desenvolvido pela PSR e a conclusão é que a separação desses dois produtos tem o potencial de aliviar as dificuldades encontradas pelo ACL de participar da expansão do sistema. Essa dificuldade, explica a consultoria na edição de fevereiro do
Energy Report, é uma das consequências da adoção do ‘empacotamento’, já que envolvia contratos de longo prazo para fins de financiamento, acordos estes mais adequados para o ACR. Contudo, a PSR ressaltou que considera a decisão juntar lastro e contratos de energia correta e contribuiu para o sucesso dos leilões.
Entretanto, além da maior participação do ACR na expansão do sistema, outros efeitos adversos verificados foram a menor participação do ACL na expansão, assim como a presença de agentes financeiros, o que reduziu a competição e a flexibilidade de contratos. Outro reflexo é que as distribuidoras passaram a ter a obrigação de gerir contratos resultantes desses leilões e que recentemente trouxeram prejuízos tanto por descontratação (2012 a 2014) e agora com a sobrecontratação.
Na avaliação da consultoria a separação dos produtos resolveria essas questões. E argumenta que a contratação de lastro garantiria a contribuição equilibrada entre o ACR e o ACL para a segurança do suprimento, pois os custos desta contratação são rateados entre todos os consumidores. Outro fato é que esses contratos não estariam mais amarrados a exigências de lastro e assim, mais agentes financeiros poderiam atuar no setor. Quanto às distribuidoras, estas passariam a ser empresas-fio e as responsabilidades passariam para comercializadoras próprias ou de terceiros. “Como mencionado na edição anterior do Energy Report, a PSR considera que a separação de lastro e contrato é um fator importante para a viabilização da liberalização do consumo”, afirmou na publicação.
Para fins de análise, a PSR elaborou um estudo de viabilidade de uma UHE na região Sudeste e contrato de duração de 25 anos que se iniciaria em 2026. Essa simulação preliminar partiu da preocupação dos agentes referentes à financiabilidade dos projetos se houvesse a mudança, uma questão importante e justificada. Nessa avaliação foram elaborados três cenários com uma TIR média de 11%, bastante utilizada pelos investidores no setor, e um modelo desenvolvido internamente, o OptiFolio. Os resultados dessa simulação para o pagamento por lastro apontam que para valores entre R$ 42/MWh e R$ 63/MWh, dependendo da aversão ao risco dos investidores, o projeto (seguindo as especificações do estudo) seriam financiáveis.
O valor mais baixo foi encontrado no primeiro caso avaliado, onde houve a venda de 100% da energia no mercado de curto prazo. Nesse cenário a combinação de receitas fixas (pagamento por lastro) e variáveis (venda de energia no MCP) apontou que esta não seria uma alternativa viável para o financiamento do projeto, que foi analisado ao se calcular a porcentagem dos cenários, a cada ano. Dessa forma, não atenderia um índice de cobertura da dívida (ICSD) de 1,3, ou seja, com a receita 30% maior que os pagamentos pelo empréstimo usando um financiamento SAC.
Já no caso seguinte adotou-se um cenário que contempla a venda de energia por meio de contratos por quantidade de média duração, de cinco anos, para os consumidores livres. O resultado apresentado foi uma reversão na financiabilidade do projeto, mas sem a alteração do valor de pagamento por lastro e manutenção do patamar de TIR. Houve um impacto no índice de cobertura da dívida apenas no primeiro ano desse projeto, fato que uma carência de seis meses ajudaria a mitigar.
O terceiro cenário é o pessimista, e que alcançou o valor de R$ 63/MWh para uma TIR de 11,4% no pagamento por lastro. Com os parâmetros utilizados na análise verificou-se impacto no ICSD nos dois primeiros anos do projeto, fator que poderia ser aliviado alterando a planilha de financiamento de SAC para Price, garantindo, dessa forma, a sua financiabilidade. “Isto é um primeiro passo animador para uma investigação mais abrangente e detalhada do tema”, concluiu a PSR.