O governo e a Aneel têm se esforçado para tornar atrativo o leilão que relicitará 29 senhoras hidrelétricas. Em caso de sucesso, o certame inaugurará um novo modelo de concessão no Brasil, ao mesmo tempo que ajudará a engordar os cofres públicos. O governo espera arrecadar R$ 17 bilhões com a licitação, sendo que 65% (R$ 11 bi) deverão ser depositados na conta do Tesouro no ato da assinatura do novo contrato. Para entender os riscos que envolvem esse leilão, a reportagem da Agência CanalEnergia colheu opiniões de cinco consultorias especializadas no setor elétrico. Para os especialistas, os riscos operacionais, de câmbio, de financiamento e as instabilidades política, econômica e regulatória podem colocar em xeque a atratividade do investimento.
Para Luiz Barroso, diretor da PSR, o principal desafio deste leilão é a disponibilidade de capital para o pagamento a vista do bônus de assinatura. “O leilão deveria despertar interesse de novos entrantes pelo fato que as oportunidades de entrada em hidrelétricas nesta escala são muito limitadas atualmente em todo o mundo e o câmbio torna os ativos baratos em dólares, mas o cenário político, econômico e institucional do Brasil assusta aqueles que ainda não estão no país e pode criar uma barreira à sua entrada", analisou.
O câmbio, que por um lado é uma vantagem conjuntural, também é um componente de risco, na medida em que o retorno do investimento se dá no longo prazo e as receitas serão em Reais, lembrou Eduardo Bernini, presidente da Tempo Giusto. "Há que se considerar nessa atratividade qual é o grau de cobertura e de risco que esse investimento terá em função de flutuações futuras do Real em relação às moedas internacionais", disse, lembrando que o BNDES não financiará as operações desse leilão.
Para Bernini, o leilão vem num momento de muita instabilidade econômica e política e talvez a taxa de retorno não seja suficiente para cobrir todos esses riscos. Ele lembrou que o setor elétrico é de capital intensivo, altamente regulado e pairam dúvidas sobre as condições que vão prevalecer no futuro. "Esse leilão está acontecendo num momento em que os fundamentos do modelo de operação do setor elétrico brasileiro estão sendo internamente questionados. Há uma série de providências que vão acontecer para que voltemos a ter uma condição instável e clara sobre o que representa um investimento para um novo entrante", disse Bernini, que já foi presidente da AES Eletropaulo. "Nesse momento não temos convicção de que alterações significativas não serão tomadas ", completou.
Na opinião de Silvio Areco, diretor e consultor sênior da Andrade & Canellas, a participação de investidores de fora do setor elétrico brasileiro é esperada apenas nas hidrelétricas de Jupiá (SP – 1.551 MW) e Ilha Solteira (SP – 3.444 MW), ambos empreendimentos que pertenciam à Cesp. Esses investidores deverão buscar parcerias com empresas que tem conhecimento sobre os processos no Brasil e focarão sua participação no retorno financeiro. "A melhor oportunidade é estabelecer uma sociedade, porque envolve um processo de corresponsabilidade muito mais intenso e benéfico", disse Areco.
Para Leontina Pinto, presidente da Engenho Consultoria, a atratividade do leilão é pequena, embora o ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, diga o contrário. A especialista explicou que o agente terá que vender energia barata no cativo e cara no livre, para no mix dessa operação buscar uma margem maior de lucro. A tarefa, disse ela, não é simples, pois o consumo industrial segue em retração no Brasil. "A gente não consegue ver como essa energia vai ter uma colocação a bom preço", opinou.
Outro ponto que merece atenção, segundo Leontina, é o risco de defeito nas turbinas, uma vez que essas usinas operam há várias décadas. O investidor pode considerar que vai ter um custo baixo de manutenção e eventualmente esse preço pode explodir ao longo do tempo. "Tem um problema que pouca gente está vendo, que é a questão da manutenção. Turbinas são antigas, passaram anos a fio trabalhando em condições trágicas, operadas com reservatórios a 20%, 30%." Para ela, empresas como Tractebel, EDP, AES não vão participar porque elas conhecem os riscos desse leilão. "Não consigo ver uma boa atratividade, mas um estrangeiro que não conheça a realidade do Brasil pode pensar que essa atratividade existe", disse.
Para Bernini, porém, o risco de operação não existe, uma vez que essas usinas foram operadas por empresas competentes. "Essa é a parte mais previsível do investimento, são usinas que vem operando em condições adequadas, com nível de manutenção adequado. Estamos falando de usinas da Cemig, da Cesp, da Copel, de instalações que não foram submetidas a nenhum grande estresse do ponto de vista operacional. Não vejo aí um fator de risco".
Para Josué Ferreira, economista e consultor da Excelência Energética, as estrangeiras são menos competitivas sozinhas por não conhecerem as particularidades regulatórias e de operação do setor elétrico brasileiro. Para ele, todo o cenário político e regulatório contribui para que o investidor veja esse leilão com cautela. "O risco sistêmico impacta mais do que o próprio risco [de operar] a usina", avaliou. Além disso, dependendo da concorrência, o investidor estrangeiro pode não conseguir a taxa de retorno esperada. O leilão será realizado no dia 6 de novembro. Em jogo, mais de 6 mil MW. Vencerá a licitação quem ofertar o menor valor pela energia comercializada no mercado cativo e pela prestação do serviço de operação, e o maior valor pelo bônus de outorga.