As discordâncias entre o governo, a agência reguladora e os agentes levaram o setor elétrico a um processo de judicialização sem precedentes na história. As contestações vão desde a cobrança de encargos considerados indevidos até divergências em relação ao cumprimento de cronogramas de obras. A disputa judicial mais impactante instaurou uma incógnita no mercado sobre quem vai pagar a conta bilionária do risco hidrológico, conhecido tecnicamente pela sigla em inglês GSF (Generation Scaling Factor). Sozinho, o GSF coleciona 82 liminares – atualizou a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica nesta sexta-feira, 2 de outubro, a exatos 11 dias da próxima liquidação do mercado de curto prazo.
"São vários temas em pauta que estão causando essa extrema e negativa judicialização do setor elétrico. Embora isso gere trabalho para os advogados, é extremamente prejudicial para o setor", reconhece Débora Yanasse, advogada associada sênior do escritório Tauil & Chequer, especializada em fusões e aquisições. "Se essas questões não forem solucionadas de uma forma urgente, eficiente e com diálogo, podemos vivenciar uma quebra do mercado", admite.
Na avaliação de Débora, a judicialização será precificada nos riscos futuros do setor elétrico e arranha as relações institucionais. A solução para os litígios passa por uma postura mais colaborativa entre os agentes, uma vez que o "caos não é bom para ninguém". "O setor está vivendo um momento complicado que vai exigir uma postura mais proativa do ministério [de Minas e Energia] e da agência reguladora para tentar solucionar essas questões com base em diálogo."
Na avaliação do advogado Julião Coelho, ex-diretor da Aneel, o problema não é a judicialização, mas sim as decisões políticas e regulatórias que levaram à judicialização. "Não é raro ver a autoridade responsável pela criação do problema criticando a judicialização. Nenhum investidor recorre ao Judiciário por prazer, mas sim por necessidade. Condenar e discutir judicialização é perder o foco da origem do problema. As eventuais sequelas à imagem institucional do setor não decorreriam da judicalização, mas sim do conjunto de atos políticos e regulatórios que desmantelaram o setor."
Para José Roberto Oliva Junior, associado da área de energia na Pinheiro Neto Advogados, as disputas judiciais em curso são o resultado da falta de diálogo entre o governo e o setor no passado. "Passamos por um momento em que o governo fez muitas modificações estruturais sem discutir e sem amadurecer a ideia tempo suficiente para que os agentes assimilassem os reflexos das regulamentações", afirma o advogado, lembrando mudanças regulatórias recentes que desagradaram o setor como a CNPE 03 e a Medida Provisória 579/12.
O advogado explica que as ações judiciais só se concretizaram porque as partes tinham embasamento jurídico suficiente para contestar a regulação. Ele, porém, reconhece que houve mudanças recentes no governo que melhoraram o diálogo no setor elétrico. Junior esclarece que o setor elétrico é muito parecido com o mercado financeiro. Portanto, toda nova regra precisa ser muito bem avaliada para não gerar desequilíbrios sistêmicos. Ainda segundo o advogado, o setor elétrico continua sendo um lugar seguro para investimentos, com instituições e corpo técnico qualificados. O risco de mercado existe, mas é inerente a um setor de capital intensivo e de longo prazo. Para ele, o que não pode haver é a quebra ou desequilíbrio econômico dos contratos.
Ana Karina de Souza, sócia da área de Energia do Machado Meyer Advogados, também reconhece o esforço do Governo Federal para se chegar a um acordo sobre o GSF. "Acredita-se que deva ter um desfecho em breve. Não tenho como emitir uma opinião sobre o que vai acontecer, mas o desejo de todos é que o mercado volte a funcionar como era antes", comentou.