O rateio da conta bilionária do déficit hídrico entre os geradores que não estão protegidos por decisões judiciais ameaça paralisar mais uma vez a liquidação dos meses de julho e agosto no mercado de curto prazo, prevista para os dias 14 e 15 de outubro. As reações de investidores em usinas de pequeno porte começou logo que a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica divulgou na manhã de quinta-feira, 24 de setembro, o valor das garantias financeiras a serem depositadas pelos agentes na próxima terça-feira, 29.

“Tem gente recebendo fatura correspondente a seis meses, um ano de receita. Há uma quantidade expressiva de agentes afetados”, afirma Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geraçao de Energia Limpa. Ele destaca, porém, que uma boa parcela dos associados da Abragel estão protegidos por liminar.
 
Proprietários de pequenas centrais hidrelétricas e de centrais geradoras hidrelétricas reclamam que os débitos previstos na liquidação estão bem acima da receita mensal de cada usina. Geradores atingidos pela cobrança já se mobilizaram para suspender na Justiça o aporte da parcela que deixou de ser paga por outros empreendedores, e podem também entrar com medida cautelar na Agência Nacional de Energia Elétrica para evitar eventuais punições por inadimplência.
 
“Minha sugestão é de que a CCEE deveria manter a liquidação para o mercado continuar trabalhando e excluir os valores relativos ao GSF (Generation Scaling Factor), até que a Aneel vote a matéria. Isso seria um ato de bom senso da agência, porque os pequenos geradores têm valores impagáveis”, afirma o advogado Leandro Parizotto, que representa em torno de 40 pequenos empreendimentos. Ele relata o caso de um cliente que tem duas usinas com capacidade instalada entre 4MW e 5MW e terá de assumir uma dívida de R$ 8 milhões na liquidação. “Ele não vai aportar por indisponibildade de recursos” diz.

Parizotto afirma que cerca de 95% dos valores a serem pagos pelos geradores na liquidação de julho e agosto referem-se ao rateio dos débitos suspensos por liminares. A solução para as dívidas questionadas judicialmente por geradores hidrelétricos participantes do Mecanismo de Realocação de Energia está em processo de detalhamento pela Aneel. A agência reguladora  vai regulamentar as condições para o repasse do risco hidrológico dos geradores para os consumidores, previsto na Medida Provisória 688. 

A avaliação de agentes do setor é de que será necessário um comando legal da Aneel à CCEE para que algum tipo de solução possa ser adotada. Acusada de não considerar os efeitos de algumas liminares que protegeriam os geradores contra o rateio compulsório de parte da liquidação, a Câmara informou, por meio de sua assessoria, que todas as decisões judiciais em vigor estão sendo cumpridas.

“Quando você tem um volume significativo de liminares isso tem que ser pesado. É uma situação delicada e de consequências catastróficas. A esperança do mercado é de que a CCEE tenha bom o senso de adiar novamente a liquidação”, avalia o diretor presidente da America Energia, Andrew Frank Storfer. O executivo calcula que no mínimo dois terços dos valores a serem rateados pela CCEE estão envolvidos na controvérsia judicial e considera perversa a atribuição desses débitos a outros agentes.

“Isso tem implicações jurídicas, e a mais grave é institucional, porque empurra o mercado para a judicialização”, afirma Storfer. A segunda consequência, diz, é que muitos geradores não terão condição de pagar o que está sendo cobrado. Outro ponto negativo é a insegurança jurídica provocada pela sinalização ao investidor de que as regras podem ser modificadas por questões circunstanciais. “Isso afasta qualquer tipo de investidor”, observa o executivo. Existe ainda a expectativa de que provavelmente haverá necessidade de recontabilização futura, numa eventual revisão das decisões judiciais, com impactos para todos os agentes. Finalmente, há o risco de inadimplencia, que pode ter efeito cascata.

A agência reguladora deve aprovar na reunião semanal da próxima terça-feira, 29, a correção dos valores da contabilização de julho e agosto, mas o saldo remanescente com a atualização deverá ser liquidado em data a ser definida pela autarquia. A proposta da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica é de que a correção dos créditos seja feita pela taxa básica de juros. “São creditos privados, e é razoável que se corriga monetariamente o valor, além de aplicar uma remuneração sobre o capital. A taxa que mais se assemelha a isso é a Selic”, defende Reginaldo Medeiros, presidente executivo da Abraceel.