A discussão sobre a portabilidade da conta de energia elétrica no Brasil mobiliza parlamentares e associações do setor elétrico, mas autoridades e especialistas do setor admitem que algumas questões ainda terão de atingir um nível maior de aprofundamento. O projeto consolidado pelo deputado Antonio Carlos Mendes Thame (PSDB-SP) prevê a redução escalonada das exigências para migração de consumidores para o mercado livre entre 2015 e 2022, para que, ao final desse período, qualquer consumidor possa escolher livremente seu fornecedor de energia. Hoje, essa escolha só pode ser feita por alguns tipos de consumidores de médio e grande porte, atendidos em alta tensão.

No Ministério de Minas e Energia, a proposta da Câmara está em analise técnica e a intenção é finalizar esse trabalho até o fim do mês, informou o diretor do Departamento de Gestão do Setor Elétrico da Secretaria de Energia Elétrica, Marcos Franco Moreira. Para o técnico do MME, a livre adesão não vai promover uma simples alteração no modelo. “Não se trata de uma proposta simples. A operacionalização dela mexe com muita coisa no setor. A sugestão é que a gente forme um grupo de trabalho com prazo rápido para resolver, mas que se possa aprofundar a discussão”, disse, ao participar de seminário sobre portabilidade, organizado pelas comissões de Defesa do Consumidor e de Minas e Energia na ultima quarta-feira, 2 de setembro.

Marcos Moreira citou alguns pontos que ainda precisam avançar na discussão. Um deles diz respeito à garantia da expansão do sistema em um ambiente completamente livre. A implantação de novos projetos de geração é ancorada atualmente em contratos de compra de energia de longo prazo, negociados em leilões regulados e destinados a suprir a necessidade do mercado de cada distribuidora. “Esses contratos são uma garantia muito forte aos empreendedores no momento de conseguir financiamento", ponderou.
 
Outra questão é quem coordenaria a expansão em um ambiente sem amarras. Esse trabalho é feito atualmente pela Empresa de Pesquisa Energética, responsavel pelos estudos que embasam o planejamento de longo prazo. “O ministério certamente vai aprofundar isso com os demais agentes e acreditamos que a própria Aneel vai passar por um processo de discussão com a sociedade. Temos espelhos no mundo, mas precisamos tropicalizar a proposta”, defendeu Moreira.

Sem entrar no mérito da discussão, o superintendente de Regulação de Mercado da Aneel, Ricardo Takemitsu, disse que a possibilidade de escolha pode reduzir certos riscos de um lado e trazer outros riscos que hoje o consumidor cativo não tem. “A liberdade traz compromissos. Quando falamos em liberdade da portabilidade, é um compromisso que a CCEE assume, mas com responsabilidade” alertou Solange Davi, conselheira da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.  Ela afirmou, porém, que a CCEE acredita na possibilidade de livre escolha, mas não tem resposta quanto ao tempo necessário para que esse modelo seja estruturado.

Solange lembrou que existem 187 mil consumidores cativos do grupo A (alta tensão) passíveis de migração para o mercado livre. No grupo B (baixa tensão), são mais de 76 milhões. “Temos que pensar na migração desse grande número de consumidores e numa tecnologia que suporte isso, e, talvez, o smart grid resolva”, afirmou a conselheira. A opção, segundo ela, que permitiria maior rapidez à portabilidade seria o comercializador varejista. “Alguns assuntos tem que ser discutidos com mais profundidade, mas é um projeto de lei. Na regulamentação pode avançar”, avaliou o presidente da Thymos Consultoria, João Carlos Mello.

Ele observou que com a portabilidade será preciso adaptar o plano de negócios de distribuidoras e geradoras, e talvez o prazo de sete anos previsto no projeto para a liberalização total do mercado seja suficiente. O professor Adilson de Oliveira , da UFRJ, alertou para a necessidade de gestão adequada do risco hidrelétrico e, para isso, ele acredita que é importante a portabilidade. Na situação atual, lembrou, o risco calculado pela Aneel é de R$ 12,5 bilhões. “É fundamental dar continuidade à liberalização do mercado elétrico”, disse.

Mariana Amin, assessora jurídica da Associação Nacional dos Consumidores de Energia, disse que não já mais espaço para que o segmento de consumo absorva os aumentos de energia no país, porque isso mata a competitividade e a industria. “É o momento de colocar esse modelo em discussão. Existem várias soluções a serem adotadas pelo Congresso com a sociedade”, completou a representante da Anace.

Defensor da portabilidade, o presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros, lembrou que dois em cada três brasileiros são favoraveis à livre escolha, segundo pesquisa realizada no ano passado pelo Ibope, por encomenda da entidade. Ele afirmou que o preço médio da energia nos próximos quatro anos no ambiente de livre comercialização ficará em R$ 170,73/MWh, 40% mais barato que o preço médio da energia das dez maiores distribuidoras, que é de R$ 282,55/MWh.

O presidente da Asssociação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica, Nelson Leite, destacou que modelo atual do setor elétrico está calcado na oferta de energia e, por essa lógica, o mercado cativo é que garante a expansão do sistema. Para Leite, o “ponto de atenção [na questão da portabilidade] é criar mecanismos para que o mercado livre possa garantir essa expansão. O dirigente da Abradee destacou que o consumidor migra para o ambiente livre, mas continua ligado à rede da distribuidora, porque há uma racionalidade economica em ter um monopólio da malha distribuição em cada área de concessão. “Precisamos mudar o modelo tarifario para ter uma tarifa binomia e separar o que é o ônus de fio e o que é o de energia”, afirmou Leite.