A transferência das DITs para as distribuidoras deverá gerar pedidos de reequilíbrio econômico e financeiro dos contratos de concessão das transmissoras. As Demais Instalações de Transmissão são linhas e subestações que operam em tensões em até 230 kV. Em audiência pública realizada nesta segunda-feira, 24 de agosto, em Brasília, os agentes demonstraram insatisfação com a proposta da Agência Nacional de Energia Elétrica. Alertaram que a mudança pode comprometer a operação do sistema e afetar futuras decisões de investimentos na rede. Em geral, todos os presentes se posicionaram, se não totalmente, ao menos parcialmente contrários ao regulamento sugerido pela Aneel. As manifestações abordaram aspectos técnicos e econômicos e os potenciais questionamento jurídicos que o regulamento pode levantar.
Apresentaram contribuições representantes do ONS, da CEEE-D, da Infracoop, da Federação Nacional dos Engenheiros, da Cemig, da CPFL, da Abrate, da Cteep, do Cesi Brasil, da Copel-D, da Eletronorte, da Eletrosul, da Light, da Abradee, da EDP, Isa Capital, do Sindicato dos Eletricitários de São Paulo e de escritórios de advocacia. Apenas a Elektro manifestou apoio à medida, pedindo que a transferência ocorra de maneira responsável e que as distribuidoras tenham cobertura tarifária para fazer frente aos investimentos necessários nesses ativos. A EDP também teve uma manifestação ponderada, pedindo que o interesse público seja preservado na decisão. "A eventual decisão de transferir as DITs implicará em revisão dos contratos para reequilíbrio econômico e financeiro", afirmou Mario Miranda, presidente da Abrate.
Para muitos agentes, o momento é inoportuno, pois a medida contribui para aumentar a instabilidade jurídica e fragilizar ainda mais as instituições do setor elétrico. "Vemos isso como grande empecilho para investimentos estrangeiros", disse Fernando Augusto Rojas, diretor presidente da Isa Capital e presidente do Conselho de Administração da Cteep. A transferência das DITs reduzirá em 30% a receita consolidada da Cteep, principal empresa afetada com a mudança. O executivo revelou que desde a MP 579/12 a Cteep vem sendo impactada negativamente. Apesar de tudo, a companhia ainda acredita nas instituições brasileiras.
Para Rojas, a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro é justo e fundamental para qualquer empresa sujeita à intervenção governamental. Para o presidente e diretor administrativo da Cteep, Reynaldo Passanezi, o processo de transferência não pode prosperar. Ele defendeu que uma mudança dessa magnitude precisa ser estudada com cautela. O principal questionamento da Cteep é em relação à metodologia para indenização dos ativos, que utiliza o banco de preços da agência, considerado desatualizado pelos agentes. A companhia estima ter um valor a receber da ordem de R$ 1,4 bilhão, enquanto a Aneel calcula R$ 357 milhões.
Já a preocupação das estatais é com a permanência do custo de pessoal, uma vez que por serem empresas públicas não poderão demitir funcionários para adequar seus quadros ao menor número de ativos. "A redução de receita não resulta em redução de despesas", alertou o representante da Eletrosul, informando que a empresa projeta uma redução das receitas da ordem de 11%. A preocupação do Operador Nacional do Sistema Elétrico, por outro lado, está relacionada ao impacto nos processos operativos de rede. O representante do ONS Marcos de Almeida chamou a atenção para a inexperiência das distribuidoras em manobrar as DITs em situações críticas. "As equipes têm que ter habilitação para participar dos processos de intervenção conduzidos pelo ONS", disse. Além disso, algumas manobras feitas pelas distribuidoras nas DITs poderão influenciar a rede básica, afetando a confiabilidade da operação.
As concessionárias de distribuição estão preocupadas com a parte financeira. Elas entendem que os novos ativos demandarão recursos para a realização de manutenções e substituição de equipamentos, o que pode comprometer quantias que poderiam ser aplicadas na expansão do mercado ou na melhoria dos indicadores de qualidade. Além disso, o fato de passarem por um estágio de renovação de contratos torna o processo ainda mais delicado, uma vez que a prorrogação exigirá investimentos em qualidade. A preocupação das federações e dos sindicatos é com o fechamento de empregos no segmento de transmissão. Os escritórios de advocacia chamam a atenção para o fato da transferência ser compulsória e não optativa, além de outros aspectos que podem levantar questionamentos jurídicos.
A Aneel argumentou que a transferência dos ativos visa garantir o crescimento da rede no ritmo exigido pelo segmento de distribuição e a prestação adequada do serviço ao usuário final. A ideia é deixar a distribuidora inteiramente responsável pela interligação da transmissão ao usuário final. "O Processo não vai ser fácil, vai ser tortuoso. Mas a gente entende que esses inconvenientes são menos onerosos do que continuar com as DTIs", disse Davi Rabelo, especialista em regulação da Superintendência de Regulação de Distribuição da Aneel.
A proposta prevê que os ativos em operação sejam transferidos em até 3 anos. Já os ativos planejados ou em construção serão incorporados pela distribuidora imediatamente após o comissionamento dos equipamentos. Passados os 3 anos, independentemente de ter havido a incorporação, a distribuidora se responsabilizará pelo O&M e a transmissora deixará de receber a Receita Anual Permitida. Rabelo lembrou que os agentes que se sentirem prejudicados poderão pedir revisão tarifária extraordinária, de modo a garantir o equilíbrio econômico e financeiro dos contratos.