A publicação do decreto que autoriza a renovação das concessões de distribuição veio em cima da hora. Apesar de não apresentar pontos que desagradam, a forma como foi conduzido o processo e a proximidade com os primeiros vencimentos de contratos é alvo de crítica. Da forma que está não proporciona a possibilidade de a Agência Nacional de Energia Elétrica ouvir agentes do setor antes de estabelecer os termos contratuais e as metas para os indicadores de qualidade e gestão das empresas que optarem pela renovação por meio de uma audiência pública.

A maior falha do governo com esse processo, disse o presidente do Instituto Acende Brasil, Cláudio Sales, foi a demora em se publicar um decreto sobre um tema do qual já se tinha a data limite há décadas. Além disso, citou ele, as distribuidoras já vinham falando do assunto por pelo menos dois anos, quando tiveram que se manifestar pelo interesse em manter a concessão que detém. “A ineficiência do governo atropelou os prazos. Esse prazo era uma coisa que se sabia. Estamos a 30 dias do vencimento das primeiras concessões e o prazo para a Aneel é extremamente apertado. Para esse tipo de decisão as empresas de capital aberto possuem um rito de governança que tem a CVM como reguladora. Há prazos para se cumprir, principalmente para empresas com capital aberto, mesmo assim essas exigências foram atropeladas pelo governo”, criticou Sales.
Segundo o executivo, faltou um dos pilares da governança nesse caso que é a transparência do processo, pois seria mais adequado um prazo maior para que houvesse discussão do contrato e metodologias com o setor como um todo. Essa etapa seria importante, segundo ele, pois sempre é possível se obter aprimoramentos nessas audiências públicas. Contudo, da forma que estão não será possível essa discussão.
Em termos de conteúdo do decreto, Sales afirmou que há pontos positivos como a renovação não onerosa. Além disso, destacou que é justamente nesse momento de estabelecimento de novo contrato de concessão o período mais adequado para que se discuta os indicadores de qualidade e gestão. Da forma que está redigido o decreto mostra, apesar de vagamente, que há indicativos de que o governo quer aprimorar questões de investimentos e de governança do setor. Além disso, cita a possibilidade de transferência da concessão a um terceiro caso essas metas não sejam alcançadas.
Apesar dos riscos de se ter que optar por uma renovação onde ainda não se tem clareza sobre os parâmetros a serem adotados pela agência reguladora, é natural que todas as atuais concessionárias sejam mantidas. Segundo Erik Rego, consultor da Excelência Energética, não há porque não se renovar os contratos nesse momento. Contudo destaca que essa definição da Aneel traz uma certa insegurança ao setor. Mas, lembrou ele, como o segmento de distribuição é extremamente regulado, as empresas já estão acostumadas a um ambiente de exigências. “Ainda há um longo caminho pela frente, o decreto deu um caminho para a Aneel seguir. Agora, a questão é quais serão os indicadores, serão mais exigentes do que na revisão tarifária?”, questionou ele.
A percepção de que o segmento deverá se manter da forma que está é compartilhada por Ricardo Savoia, consultor da Thymos Energia. Segundo ele, a leitura que fez do decreto é de que se trata quase que de uma prorrogação do contrato atual. Ele elogiou os termos que apontam para a adoção de indicadores de qualidade e gestão para melhorar o atendimento ao consumidor. E diz que há espaço para essa evolução, tanto para a redução dos indicadores que atualmente estão acima do que a Aneel estabeleceu, bem como em regiões onde, por exemplo, o DEC e FEC está controlado, como em São Paulo.
“Há espaço para melhoria dos indicadores no país em diversas empresas assim como se olharmos onde as metas já são atendidas, pois se deixar de lado um pouco a fiscalização, os indicadores podem voltar a aumentar, principalmente com perdas comerciais”, avaliou Savoia para quem é importante que se priorize o investimento e indicar metas de gestão econômica e financeira, bem como de qualidade são importantes para as empresas. Mas, ele concorda com Sales, do Acende Brasil, de que se perdeu a oportunidade de se ter aprimoramentos do processo ao publicar o decreto tão próximo do prazo de vencimento dos contratos de concessão.
Na esfera legal, o sócio do escritório Leal Cotrim, Rodrigo Jansen, disse que o tema pode gerar novos questionamentos legais por parte do Ministério Público Federal e do Tribunal de Contas da União. Isso porque, explicou ele, há no artigo 175 da Constituição Federal a expressão de que as concessões devem ser feitas sempre com licitação. Apesar da 12.783/2013 permitir a renovação, em qualquer momento pode ser declarada a lei inconstitucional, mas acredita ser muito difícil isso ocorrer. “O mais comum é gerar questionamentos acerca dos termos para entender o impacto sobre os consumidores já que a distribuição é o segmento do setor elétrico que afeta diretamente o consumidor final”, afirmou ele.