O setor elétrico brasileiro deverá passar por um processo de transformação estrutural em busca de novas soluções para suprir a crescente demanda do país por energia. Nesse contexto, a diversificação da matriz acabará sendo um vetor importante dessa expansão, reflexo dos altos custos para o desenvolvimento de grandes projetos hidrelétricos que estão cada vez mais afastados dos centros de carga. Somado a isso, vem ainda a busca pela redução de riscos hidrológicos. A solar fotovoltaica se coloca como uma das candidatas a ocupar um importante espaço nesse sentido.
Segundo o presidente executivo da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica, Rodrigo Sauaia, o potencial técnico brasileiro está na escala de milhares de GW em capacidade instalada. Esse volume, comentou ele, é superior à somatória de todo o potencial técnico do país para as fontes hídrica, eólica, biomassa e fósseis. Contudo há barreiras, principalmente as tributárias que impedem sua ampla expansão.
O executivo participará da 12ª edição do Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico – Enase, que começa nesta quarta-feira, 27 de maio, no Rio de Janeiro. O evento é uma copromoção entre as principais associações do setor elétrico e o Grupo CanalEnergia. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Agência CanalEnergia.
Rodrigo Sauaia: No curto prazo, o setor elétrico brasileiro está em estado de atenção, vivenciando um período de reajuste e readequação em seus três segmentos principais: geração, transmissão e distribuição. Este reajuste é resultado de uma série de fatores, tanto estruturais com as novas contratações de geração, restrições na transmissão quanto conjunturais em funções das condições climáticas adversas e atrasos de empreendimentos. Esses fatores afetaram o setor ao longo dos últimos anos. A situação atual é fruto de uma combinação de variáveis desfavoráveis que afetaram o planejamento do setor elétrico brasileiro, incluindo o atraso de grandes projetos de geração, a baixa atratividade para investimentos em projetos de transmissão e o desajuste financeiro suportado pelas distribuidoras antes da transição para uma situação de realismo tarifário.
Agência CanalEnergia: Essa situação traz que tipos de desafios?
Rodrigo Sauaia: Os grandes desafios de curto prazo são: (i) atender ao suprimento da demanda de energia elétrica do país, afastando o risco de desabastecimento; (ii) recompor os reservatórios das hidrelétricas, garantindo maior resiliência às mudanças climáticas; e (iii) substituir o uso de termelétricas de ponta, que estão onerando a sociedade brasileira e reduzindo a competitividade industrial, por outras formas de geração mais sustentáveis e de menor impacto ambiental.
No longo prazo, o setor elétrico brasileiro passará por um processo de transformação estrutural importante, em busca de novas soluções para suprir a crescente demanda do país por energia elétrica. O aumento nos custos para o desenvolvimento de grandes projetos hidrelétricos cada vez mais afastados dos centros de carga, somado à busca pela redução de riscos hidrológicos, levará o país a diversificar a sua matriz elétrica, com a meta de garantir maior robustez ao atendimento da demanda. Este movimento abrirá espaço para novas fontes renováveis, capazes de complementar o parque gerador atual. O grande desafio do longo prazo será fazer esta transição mantendo a liderança brasileira no cenário internacional no uso de fontes renováveis de geração de energia elétrica.
Rodrigo Sauaia: A energia solar fotovoltaica representa um dos maiores potenciais de geração no país, está na escala de dezenas de milhares de gigawatts, segundo metodologia de avaliação de potencial técnico adotada pelo National Renewable Energy Laboratory (NREL). Isso equivale a um potencial superior à somatória de todo o potencial técnico do país para as fontes hídrica, eólica, biomassa e fósseis. Adicionalmente, este recurso não está concentrado geograficamente em apenas algumas regiões do país, mas distribuído de forma bastante promissora em todos os estados do Brasil.
A energia solar fotovoltaica traz ao país uma combinação de benefícios. No âmbito estratégico ajuda a diversificar a matriz elétrica nacional com uma nova fonte de geração, aumenta a segurança de suprimento do país, complementa a geração hidrelétrica, eólica e a biomassa, alivia os picos de demanda diária em seu horário mais crítico e reduz os gastos com o despacho de termelétricas onerosas. No âmbito socioeconômico, a fonte é tida como uma grande geradora de empregos, com aproximadamente 30 postos de trabalho ao longo da cadeia produtiva por MW instalado. Essa é uma das taxas mais elevadas do setor elétrico. Adicionalmente, uma parcela significativa do potencial solar brasileiro está localizada em regiões com baixos índices de desenvolvimento humano e social, como em grande parte do interior dos estados do Nordeste. Desse modo, o desenvolvimento de projetos de geração de energia solar fotovoltaica em diferentes regiões do país contribui para trazer novas oportunidades de formação e capacitação profissional, novos empregos locais de qualidade e novas fontes de arrecadação para estados e municípios, bem como para o governo federal.
Já em termos ambientais, a energia solar fotovoltaica é reconhecida internacionalmente como uma fonte renovável, limpa e sustentável, com baixos impactos ambientais, baixas emissões de gases de efeito estufa e que não produz resíduos durante a sua operação. Adicionalmente, esses projetos podem ser construídos e entregues com relativa rapidez. São necessários menos de dois anos (em alguns casos internacionais, menos de um ano) para que uma usina fotovoltaica seja projetada, construída e entre em operação. Consequentemente, a fonte pode ajudar na ampliação da capacidade de geração do país em um curto período de tempo.
Rodrigo Sauaia: Por ser uma fonte emergente, a energia solar fotovoltaica enfrenta barreiras que já foram superadas por outras fontes. Dentre as principais, cabe citar a excessiva carga tributária incidente sobre insumos e maquinários da cadeia produtiva, que dificulta o estabelecimento de fabricantes no país, pois prejudica a sua competitividade, frente a um mercado internacional cada vez mais acirrado. A carga tributária total sobre insumos e maquinários do setor é superior a 40% e muitas vezes ultrapassa 60%, erodindo a competitividade da fabricação em território nacional. O principal tributo prejudicando esta conta é o ICMS aplicado sobre insumos e maquinários do setor, que depende de apoio no âmbito estadual, via Confaz e/ou diretamente através dos estados. Além dos benefícios para a cadeia produtiva, uma racionalização mais ampla da carga tributária incidente sobre a energia solar fotovoltaica poderá reduzir o preço médio da energia solar fotovoltaica em 10% a 20%, o que representa um expressivo ganho de competitividade para a fonte.
Adicionalmente, a sinalização de que leilões para a fonte solar continuarão a ocorrer anualmente, com um volume de contratação de pelo menos 1 GW ao ano, é uma premissa fundamental para a aprovação e instalação de fábricas de equipamentos e componentes fotovoltaicos em território nacional, seguindo as exigências do plano de nacionalização progressiva do BNDES para o setor fotovoltaico. O primeiro passo neste sentido foi dado com sucesso em 2014, mas é fundamental que este processo tenha continuidade ao longo do horizonte de planejamento do setor elétrico brasileiro.
Rodrigo Sauaia: A geração distribuída enfrenta atualmente uma grave barreira tributária devido à incidência de tributos federais (PIS e COFINS) e estaduais (ICMS) sobre a energia proveniente de micro e minigeração que é injetada na rede de distribuição e compensada pelo consumo local. O ajuste desta tributação é fundamental para que a instalação de sistemas de geração distribuída faça sentido econômico para a população brasileira e para que a micro e minigeração sejam consideradas oportunidades reais de investimento no país. Apesar da excelente iniciativa do Confaz, autorizando estados a realizarem esta isenção de ICMS através do Convênio ICMS 16/2015, apenas três estados aderiram à medida até o momento: Goiás, Pernambuco e São Paulo. Desse modo, o primeiro passo é a adesão dos demais estados brasileiros ao Convênio ICMS 16/2015 e a regulamentação, dentro destes estados, da isenção de ICMS para a energia de sistemas de micro e minigeração. O segundo passo é a isenção de PIS e COFINS para a micro e minigeração, de responsabilidade exclusiva do governo federal e prometida pelo MME ao setor elétrico, que deverá ser viabilizada até o final do primeiro semestre de 2015.
Outro entrave para o desenvolvimento da geração distribuída refere-se à falta de alternativas de financiamento adequadas para os projetos fotovoltaicos, em especial aqueles desenvolvidos por pessoas físicas. As opções de financiamento existentes atualmente não atendem às características dos projetos de energia solar fotovoltaica em dois aspectos principais. Por um lado, os prazos de amortização de até 5 anos, oferecidos pelos bancos públicos e privados, são demasiadamente curtos (o ideal seriam 10 anos) para o investimento em sistemas fotovoltaicos, cuja expectativa de vida útil ultrapassa 25 anos. Por outro lado, as taxas de juros oferecidas são incompatíveis com as características de um investimento de baixo risco e retorno de longo prazo, como é o caso de um sistema fotovoltaico. Uma forma de superar este obstáculo seria incorporando os custos de aquisição de sistemas fotovoltaicos ao financiamento imobiliário oferecido por bancos públicos e privados para novas construções ou reformas de construções existentes. E ainda há espaço para mais incentivos por parte do governo federal, governos estaduais e governo municipal.
Rodrigo Sauaia: A EPE prevê que, até 2050, o Brasil adicionará entre 78 GW e 118 GW de geração distribuída solar fotovoltaica na matriz, passando a suprir entre 6% e 9% da demanda nacional, o que representa uma mudança de paradigma estrutural para o setor elétrico brasileiro. Ainda não temos dados específicos de planejamento para a geração centralizada até 2050, mas a Absolar possui uma estimativa conservadora de que mais de 40 GW em geração centralizada solar fotovoltaica estarão instalados e operacionais na matriz elétrica brasileira até esta data.
Agência CanalEnergia: Quais são as perspectivas de longo prazo para a energia solar fotovoltaica no Brasil?
Agência CanalEnergia: Como promover uma maior difusão da geração distribuída no país?
Agência CanalEnergia: O que precisa ser feito para que uma cadeia produtiva do setor solar fotovoltaico consiga se estabelecer com sucesso no país?
Agência CanalEnergia: De que forma a energia solar fotovoltaica pode contribuir para o setor elétrico brasileiro e para o país?
Agência CanalEnergia: Resumidamente, quais são as perspectivas de curto e longo prazo para o setor elétrico brasileiro em sua opinião?