Afetados pelos prejuízos com a geração abaixo da garantia física das hidrelétricas, os geradores acreditam que dificilmente conseguirão atravessar 2015 sem uma solução para mitigar o rombo no caixa das empresas. Eles prevêem o aprofundamento do impacto financeiro com a geração intensiva de energia térmica até o fim do ano e a manutenção do Preço de Liquidação das Diferenças no nível máximo de R$ 388,48/MWh. Nesse cenário, as UHEs continuarão gerando menos que o previsto e as geradoras terão de comprar energia mais cara para suprir os contratos. "Essa conta deveria ser compartilhada entre os geradores hidrelétricos e os reais beneficiários da mudança da matriz de geração e do aumento da segurança energética do setor elétrico, que é o consumidor", afirma o presidente interino do conselho de administração da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Guilherme Velho.
O executivo argumenta que, se não houver uma saída para reduzir os efeitos do aumento do risco hidrológico nos níveis atuais, "os geradores terão que precificar esses custos nos valores dos lances em futuros empreendimentos de geração, o que fará com que o consumidor passe a pagar permanentemente maiores preços pela energia, mesmo em situações de hidrologia favoráveis". Diante do elevado nível tarifário atual para os consumidores, a sugestão do presidente do conselho da Apine é que a exposição dos geradores no mercado de curto prazo seja coberta com recursos de linhas de crédito, em operações que seriam pagas pelo segmento de consumo quando houvesse redução das tarifas. Guilherme Velho é um dos palestrantes do 12º Encontro Nacional de Agentes do Setor Eletrico. O Enase organizado pelo Grupo CanalEnergia e 18 associações do setor vai acontecer nos dias 27 e 28 de maio, no Hotel Sofitel, Rio de Janeiro.
Agência CanalEnergia: Qual é o grande desafio do país para superar os problemas que têm afetado o equilíbrio econômico-financeiro do setor elétrico nos últimos três anos?
Guilherme Velho: Conforme publicado pelo ONS, em seu Relatório Executivo do Programa Mensal de Operação, Revisão 4 de Abril de 2015, a Energia Natural Afluente (ENA) do SIN, no triênio 2012 – 2014, foi a 16ª mais seca de um histórico de 80 anos. Esse fato por si só, não justifica os baixos níveis de armazenamento pelos quais o SIN passa atualmente, que tem feito com que o ONS seja obrigado a utilizar as fontes de geração mais caras disponíveis por tão longo período de tempo. Atrasos na implantação de novas usinas e de novas estruturas de transmissão, causados principalmente por questões ambientais, contribuíram para o deplecionamento dos reservatórios do sistema.
Além disso, houve uma significativa mudança estrutural de uma importante característica do sistema brasileiro. Após o racionamento de 2001, o Brasil passou a investir na diversificação de suas fontes de geração, com a implantação de um expressivo parque não hidrelétrico (biomassa, eólicas e térmicas), de tal forma que a matriz elétrica brasileira, que tinha cerca de 92% de geração hidrelétrica, teve essa participação fortemente reduzida. Com essa nova configuração, houve um significativo aumento da confiabilidade do sistema, evitando-se racionamentos, o que, por outro lado, aumentou os deslocamentos hidrelétricos (diferença entre energia hidroelétrica contratada e energia hidroelétrica gerada) pela não redução dos montantes contratados quando da ocorrência desses deslocamentos, o que vem causando pesados custos para os geradores hidrelétricos.
Agência CanalEnergia: É possível atravessar 2015 sem uma solução para o GSF?
Guilherme Velho: Dificilmente. Existe uma forte probabilidade de que o PLD continue em seu nível máximo, de que todas as usinas térmicas continuem operando a plena carga e de que, por conseguinte, continue o deslocamento hidrelétrico e a compra de energia de reposição pelo PLD teto, gerando custos insuportáveis para os geradores hidrelétricos.
Agência CanalEnergia: Quem deveria pagar essa conta?
Guilherme Velho: Essa conta deveria ser compartilhada entre os geradores hidrelétricos e os reais beneficiários da mudança da matriz de geração e do aumento da segurança energética do Setor Elétrico, que é o consumidor.
Agência CanalEnergia: De que forma as incertezas em relação à situação dos geradores afeta o ambiente de negócios? As expectativas de investimento estão comprometidas?
Guilherme Velho: Quando as empresas de geração participaram dos leilões de energia nova para construção de UHEs e fizeram lances para venda de energia através de contratos de 30 anos de duração, não se vislumbrava a possibilidade de custos tão elevados devido ao deslocamento hidrelétrico, conforme acima exposto. Se não for definida uma forma de mitigar tais custos, os geradores terão que precificar esses custos nos valores dos lances em futuros empreendimentos de geração, o que fará com que o consumidor passe a pagar permanentemente maiores preços pela energia, mesmo em situações de hidrologia favoráveis.
Agência CanalEnergia: Restabelecer o fluxo de caixa das distribuidoras não contribui, de certa forma, para aliviar o caixa do setor em outras pontas da cadeia?
Guilherme Velho: O restabelecimento do fluxo de caixa das distribuidoras é fundamental para manutenção do funcionamento do mercado de energia elétrica, já que as distribuidoras são as maiores responsáveis pelo pagamento das diversas fontes de geração existentes no SIN. Entretanto, se não houver solução para a questão do deslocamento hidroelétrico, serão os agentes de geração que terão sua viabilidade econômica fortemente comprometida.
Agência CanalEnergia: É possível construir uma alternativa que mitigue os riscos dos grandes geradores hidrelétricos, sem transferir essa conta para os consumidores, por exemplo?
Guilherme Velho: Quando os agentes de geração hidrelétrica assumiram suas concessões, a característica estrutural do sistema era outra, conforme apresentado na primeira pergunta, com o custo previsto para o deslocamento hidroelétrico se situando dentro de faixas muito mais reduzidas. Tendo em vista que a nova configuração do sistema brasileiro trouxe um expressivo aumento na sua confiabilidade de abastecimento, com consequente aumento do custo do deslocamento hidrelétrico, parte deste custo deve ser arcado pelos consumidores. Considerando, contudo, o elevado nível tarifário atual para os consumidores, pode-se equacionar o diferimento desses custos, através da disponibilização de créditos vinculados à criação de um ativo regulatório para os geradores, a ser compensado quando houver uma redução do nível tarifário para os consumidores.