O cenário não mudou de forma significativa no últimos 12 meses, na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros. Ele acredita que o desafio de garantir o abastecimento de energia no curto prazo; manter o equilíbrio das empresas sem afetar a capacidade de pagamento do consumidor; ampliar a eficiência econômica dos agentes e dar liberdade de escolha aos consumidores ainda continua.

Para Medeiros, o foco das autoridades do setor em ações de curto prazo prejudica os ambiente de negócios. Ele diz que o cenário para o mercado livre é preocupante, entre outras coisas por causa da dificuldade de acesso a crédito para investimentos em projetos de geração destinados a suprir esse mercado. Mas enxerga perspectivas positivas para o segmento, caso o governo mantenha a política de realismo tarifário para o mercado cativo. A alta das tarifas pelo repasse imediato de custos aos clientes das distribuidoras deve ampliar a competição no mercado livre.

Um das bandeiras dos comercializadores é a queda das barreiras que impedem o acesso livre de todos os consumidores à energia ofertada no mercado. “Hoje não se discute mais a liberdade de escolha do consumidor em outros países. Isto é um direito aceito por todos, principalmente governos e reguladores”, afirma Medeiros. O executivo é um dos debatedores do 12º Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico, evento organizado pelo Grupo CanalEnergia, em parceria com 18 associações do setor. O Enase acontece nos próximos dias 27 e 28 de maio, no Hotel Sofitel, no Rio de Janeiro.

Agência CanaEnergia: Qual é o grande desafio do país para superar os problemas que têm afetado o equilíbrio econômico-financeiro do setor elétrico nos últimos três anos?

Reginaldo Medeiros: Aparentemente ainda não houve mudança substancial no que mostrei no ano passado durante o Enase. Na ocasião, disse que o setor precisava superar um enorme desafio em quatro dimensões.
       (a) assegurar o suprimento no curto prazo, quer seja aumentando a oferta de forma emergencial quer seja induzindo os consumidores a reduzir o seu consumo. Neste sentido, a adoção das bandeiras tarifárias e o realismo tarifário foram um avanço pelo lado da demanda;
       (b) manter o equilíbrio econômico-financeiro com níveis de preço que possam ser suportados pelos consumidores e tarifas que reflitam os custos reais da energia;
       (c) ampliar a eficiência econômica – o modelo precisa de ajustes que pressionem os agentes na redução de custos pois só há diminuição sustentável de preços e tarifas com menores custos;  
      (d) Institucional – o poder concedente precisa reconhecer que temos um problema estrutural na organização do mercado e, por meio do diálogo, promover mudanças que dê liberdade de escolha a todos os consumidores.

Agência CanalEnergia: De que forma isso afeta o ambiente de negócios?

Reginaldo Medeiros: Diretamente. Todo o foco das autoridades nos últimos anos tem sido buscar soluções de curto prazo sem uma visão estruturada sobre o futuro do setor, em particular sobre a viabilidade do seu modelo comercial. Viver apenas no curto prazo em um setor de capital intensivo não é o mais recomendável em termos de política pública. O setor depende de investimentos privados, pois o Estado está com sua capacidade de alavancar recursos diretamente comprometida pelo ajuste fiscal. Portanto, a estabilidade da regulação e a sua trajetória (saber onde se quer chegar) é capital para o futuro do setor. Alguns movimentos do ano passado, após a realização do Enase, como a redução artificial do teto do PLD (reduzir preço com custo elevado), trouxeram enormes distorções e ampliaram a percepção de risco por parte do investidor mais atento.
    
Agência CanalEnergia: Como avalia o cenário atual para os agentes que atuam no mercado livre?

Reginaldo Medeiros: Preocupante do ponto de vista conceitual. Toda a energia barata está sendo alocada ao mercado cativo por meio das cotas das usinas amortizadas. Temos enormes dificuldades em financiar projetos destinados ao mercado livre com arranjos financeiros adequados ao tipo de contratação característico dos consumidores livres e especiais. Eles não podem oferecer um PPA de 30 anos como os consumidores cativos que, com o argumento de viabilizar a expansão, impõe a indexação do preço da energia no longo prazo. É importante ressaltar que o consumidor cativo só percebe o preço elevado da energia, sem saber as razões. E uma delas, claro, é a elevada competência do setor elétrico em repassar qualquer custo aos consumidores. Um exemplo: ao reduzir o teto do PLD no ano passado, o consumidor perdeu muito pelo repasse do ESS e muitos agentes do setor elétrico ganharam pela transferência de renda pois, simplificadamente, com todas as térmicas ligadas, o custo do suprimento permaneceu o mesmo.

Resumidamente, vivemos uma escassez de liquidez no mercado livre que precisa ser equacionada. Em todos os países de economia organizada, os governos estimulam o mercado livre na crença que ele traz enormes benefícios aos consumidores pois, por meio da competição, reduzem os preços da energia. Por outro lado, a política de realismo tarifário imporá preços elevados aos consumidores cativos nos próximos anos, o que amplia a competição do mercado livre.   

Agência CanalEnergia: As expectativas de crescimento desse mercado podem ficar comprometidas neste e nos próximos anos, em razão da desaceleração econômica?

Reginaldo Medeiros: Se permanecer a política de realismo tarifário do mercado cativo, as perspectivas do mercado livre são muito positivas. Embora a agenda setorial tenha sido dominada nos últimos anos pelos desejos dos acionistas das atuais geradoras e distribuidoras, a Aneel e a CCEE promoveram, silenciosamente, mudanças que permitiram a melhoria na regulação do mercado livre que o prepararam para um período de expansão. Pela importância eu citaria: a regulamentação do comercializador varejista, a conclusão da separação das tarifas em fio e energia pela Aneel, o monitoramento de mercado pela CCEE, a melhoria do sistema de garantias financeiras pela bilateralização do risco e o contrato padrão Abraceel. Por outro lado, iniciativas do mercado como a criação da BRIX e da BBCE e mesmo a divulgação de índices de preços futuros independentes como os da Dcide, que teve muito apoio da Abraceel, permitiram a evolução da segurança das operações e evolução do mercado livre. Portanto,  o mercado livre está pronto para crescer.

Agência CanalEnergia: Que soluções os comercializadores propõem para resolver as questões legais e regulatórias que ainda impedem um melhor desenvolvimento do mercado livre?

Reginaldo Medeiros: Os comercializadores estão muito sintonizados com o que ocorre nos avanços regulatórios dos mercados mais maduros de energia. Hoje não se discute mais a liberdade de escolha do consumidor em outros países. Isto é um direito aceito por todos, principalmente governos e reguladores. A crença é na eficiência da inteligência individual do consumidor gerenciando a sua vida energética. A liberdade de escolha do consumidor é a melhor forma fazer a gestão eficiente da compra de energia. Portanto, a exemplo da economia brasileira que passa por um ajuste fiscal, o setor elétrico precisa de um ajuste no modelo comercial que, na essência, traga a portabilidade da conta de luz para todos. Evidentemente que é necessário um cronograma factível de implantação, que respeite os contratos existentes.

Se o princípio for aceito, será necessário que as distribuidoras no futuro dediquem-se exclusivamente ao negócio de fio. Evidentemente, durante o período de transição, elas deveriam voltar a ser responsáveis pelas suas próprias compras de energia, mediante leilões regulados com a Aneel. Também defendemos a formação de preços por meio de um sistema de oferta, o que já foi discutido amplamente no setor e nunca foi implantado. É importante também reverter o sistema de cotas por um sistema indutor de eficiência pois ele aloca um risco hidrológico ao consumidor que não sabe gerenciá-lo. Na mudança, é importante não deixar de transferir a renda hidráulica a todos os consumidores, em particular à grande indústria, que ficou alijada dos benefícios da renovação das concessões de geração. Isto também traria enormes benefícios na redução de custos para os consumidores. A manutenção do regime de cotas, em resumo, é a volta do custo do serviço e, como a história do setor elétrico demonstra, a sua prestação a qualquer custo.

Agência CanalEnergia: Fora do circuito tradicional de financiamento, que são os bancos públicos, é possível construir um modelo alternativo que contribua de alguma forma para a expansão dos setor?

Reginaldo Medeiros: A Abraceel tem trabalhado em conjunto com o BNDES na construção de um sistema de financiamento de projetos de geração mais adequados ao mercado livre. Primeiro é necessário vencer esta etapa para depois trabalharmos com outras instituições financeiras privadas. A questão central é que os bancos privados no Brasil não tem acesso a recursos tão baratos como aos que o BNDES tem.