A história do setor eólico no país ganhou contornos de competitividade desde 2009, quando a fonte começou a participar com regularidade nos leilões promovidos pela Agência Nacional de Energia Elétrica. Desde então, as regiões Sul e, principalmente, a Nordeste vêm passando por uma mudança com a inserção cada vez maior de aerogeradores. De acordo com a Associação Brasileira da Energia Eólica, ao final de 2019, o país contará com 17 GW de capacidade instalada tanto para o mercado regulado quanto para o livre.
Contudo, considerando apenas esses parques mais os cerca de 20 GW em planejamento pelas empresas, o Brasil terá aproveitado menos de 10% de seu potencial que hoje ultrapassa 350 GW segundo os mais recentes atlas eólicos que estão sendo desenvolvidos.
Em entrevista à Agência CanalEnergia, a presidente executiva da ABEEólica, Élbia Silva Gannoum, diz que ainda há bastante espaço para a fonte eólica no país para diversificar a matriz energética nacional e assim trazer mais segurança de fornecimento. A executiva participará da 12ª edição do Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico – Enase, que será realizada nos dias 27 e 28 de maio, no Rio de Janeiro, uma copromoção entre as 18 principais associações do setor elétrico e o Grupo CanalEnergia. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Agência CanalEnergia: Como classifica o momento pelo qual o setor elétrico, de uma forma geral, está passando?
Élbia Silva Gannoum: A atual crise do Setor Elétrico Brasileiro tem uma forte componente da escolha energética/elétrica adotada pelo país em um passado histórico quando se constituiu por razões técnicas e econômicas uma matriz predominantemente hidrelétrica e que está, nos últimos anos, apresentando sua vulnerabilidade. O sistema, com 70% de capacidade instalada a partir de fontes hídricas, em um cenário de mudança climática, vem revelando sua vulnerabilidade ao clima e a opção de contratação da segunda fonte (termelétrica), baseada em contratos de disponibilidade que no momento de regime hídrico severo implica no aumento do despacho das termelétricas para suprir a demanda de energia elétrica.
Entretanto, este momento de crise nos revela a importância da evolução da matriz elétrica, que embora de forma lenta, conta com a partição das fontes renováveis complementares, como é o caso da fonte eólica que hoje já contribuiu com 4,7% da capacidade instalada do sistema e tem contribuído em torno de 2% da carga atendida no sistema. Tal participação contribuiu em 2014 para a economia de cerca de R$ 5 bilhões em Encargos de Serviços de Sistema além de contribuir de forma sistêmica evitando medidas restritivas de redução de consumo. A forte inserção eólica, com altos níveis de produtividade, contribuiu nesse momento do setor e continua contribuindo para a redução dos custos operacionais ao evitar o maior acionamento das usinas termelétricas mais caras e para otimização da operação e segurança de suprimento, permitindo um uso otimizado dos reservatórios que ficam respaldados pela geração dos ventos.
Agência CanalEnergia: E como chegamos a essa situação?
Élbia Silva Gannoum: A escolha por uma matriz predominantemente hidrelétrica, que fez muito sentido para o país até o início dos anos 2000 e apresentou sua vulnerabilidade já na primeira crise hídrica em 2001/2002. A partir deste período houve um forte investimento em termelétrica em busca de uma matriz hidrotérmica, mas que por modelo de contratação não deu a resposta que o sistema precisava do ponto de vista econômico. As térmicas contratadas na modalidade de disponibilidade contribuíram em certa medida para a segurança do sistema, entretanto a custos muito altos, o que tem se observado desde 2013 e se agravou a partir de 2014 e 2015. Atualmente, com base nos leilões realizados a partir de 2009 para a fonte eólica principalmente, a matriz elétrica nacional vem tomando uma nova configuração, pois dos 28 GW contratos de 2009 até 2014, 14 GW vieram de fonte eólica, o que vem permitindo uma mudança e evolução para uma matriz renovável térmica. O que se configura um modelo mais racional do ponto de vista técnico, econômico, social e ambiental.
Agência CanalEnergia: O momento do setor sugere que há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de energia que levaram até mesmo à já defendida campanha de uso mais racional de energia apesar do governo afirmar que há uma sobra estrutural de energia no sistema elétrico. Em sua avaliação, quais fatores levam a esse cenário?
Élbia Silva Gannoum: Esse desequilíbrio se deve fundamentalmente a uma aposta na potência hídrica que efetivamente não se torna energia, tendo em vista a mudança no regime de chuvas, desde 2013 há evidências de uma capacidade de produção de energia menor do que se espera. Em cenários como esses, ou se aumenta a oferta rapidamente ou se reduz a demanda. Numa visão de curtíssimo prazo a saída é a redução da demanda e portanto um uso mais racional do recurso energia. Numa visão de médio e longo prazos a solução vem por uma expansão do parque gerador e dado a experiência com uma configuração de matriz mais diversificada que deve primar por: segurança no abastecimento, disponibilidade segura de recursos, sustentabilidade econômica e social e sustentabilidade ambiental.
Uma matriz otimizada passa necessariamente pela diversificação dos recursos e neste quesito o Brasil é um dos poucos países no mundo capaz de construir uma matriz que atenda a esses requisitos sem pagar caro por isto. O Brasil produz energia renovável e limpa de forma mais competitiva do que a de combustíveis fósseis, dada a disponibilidade e natureza dos recursos disponíveis de fontes solar, eólica, biomassa e PCHs, além da forte participação das grandes hídricas com reservatórios que nos fornecem uma segurança adicional para o sistema. As contratações ocorridas nos últimos quatro ou cinco anos vem caminhando nesta direção.
Agência CanalEnergia: Como mudar a situação?
Élbia Silva Gannoum: A experiência dos últimos dois a três anos reforça a ideia e nos indica para seguirmos na direção de uma matriz com base hídrica, com forte participação das renováveis complementares: eólica, solar, biomassa e PCH, e uma complementação térmica para permitir a segurança em última instância. Seguir essa trajetória é fundamental do lado da oferta de energia. Por outro lado é fundamental inserir no sistema a participação da demanda, o gerenciamento pelo lado da demanda é crucial em um sistema elétrico com o brasileiro, que tem um potencial grande de crescimento e uma grande necessidade de gerenciamento, envolve os consumidores no uso racional dos recursos e no gerenciamento do consumo da energia, vai trazer um diferencial enorme e será também um recurso da matriz elétrica. É necessária uma melhoria na conscientização e na informação da população sobre o processo de geração de eletricidade e os efeitos e importância de seu gerenciamento.
Agência CanalEnergia: O que precisa ser feito para que o setor tome o caminho que promova maior competitividade para a economia brasileira?
Élbia Silva Gannoum: A relação direta entre a Indústria de Energia Elétrica e a Economia está refletida na competitividade e garantia dos recursos energéticos/ elétricos, onde os geradores possuem por meio de leilões um claro estímulo a fornecer projetos mais viáveis do ponto de vista econômico e, portanto mais competitivos. O modelo de leilões para contratação deve permanecer. Mas é necessário revisitar a precificação no modelo de contratação, considerando as chamadas externalidades que ainda não estão contempladas, como o real custo do transporte de energia, o real impacto sócio ambiental de cada projeto. Um parque gerador não deve ser avaliado isoladamente, sem considerar a entrega efetiva de energia e o efeito socioambiental que pode ocasionar. Ademais, o modelo dos encargos e tributos precisa ser rediscutido, redimensionado, pois tem onerado em grande grau o preço ao consumidor final.
Agência CanalEnergia: A fonte eólica é a que mais tem crescido em termos de participação na matriz energética brasileira. A perspectiva de longo prazo é continuar nesse caminho? Por quê?
Élbia Silva Gannoum: As perspectivas de crescimento da fonte eólica são positivas para os próximos anos e têm sinais de investimento de longo prazo. O PDE 2023, publicado pela EPE, é um desses sinais tendo em vista a previsão de capacidade eólica para 2023, cerca de 22 GW. O crescimento para até 2019, considerando a capacidade já contratada nos leilões e mercado livre, indica que chegaremos nesse horizonte de tempo a pouco mais de 17 GW em capacidade instalada ante os quase 10,2 GW com que deveremos encerrar 2015. As principais justificativas para a continuidade deste crescimento é a disponibilidade de recursos eólicos existente, estimados em mais de 300 GW e a competitividade desta fonte.
Os fatores que explicam essas variáveis e que permitem um horizonte de longo prazo de crescimento virtuoso para a fonte estão fundamentados em uma vantagem comparativa que o pais possui: temos os melhores ventos do mundo para a produção eólica, o que faz com que nossos fatores de capacidade sejam muito altos e portanto custos de produção menor, além disso, considerando que a fonte eólica e ainda muito nova no mundo, temos muitas margens de inovação tecnológica que permite redução nos custos de produção. Temos fatores estruturais que nos permitem afirmar que o futuro da fonte eólica no Brasil e virtuoso e de longo prazo.
Agência CanalEnergia: O potencial brasileiro para a fonte eólica é estimado em mais de 300 GW. É possível explorar todo esse potencial ou existe um limite?
Élbia Silva Gannoum: Com as novas medições anemométricas que resultaram na publicação dos atuais Atlas Eólicos Estaduais, constata-se que, para a alturas de até 150 metros, o potencial eólico Brasileiro é ainda superior aos 350 GW. Atualmente, temos 6,4 GW de capacidade instalada eólica no Brasil, apenas cerca de 2% do potencial disponível, considerando 350 GW, o que demostra um enorme potencial ainda não explorado. É sabido que há pelo menos 20 GW de projetos em carteira prontos para serem instalados, ou seja, mesmo se somarmos esses 20 GW aos 17 GW já previstos para serem instalados alcançaremos pouco mais de 10% do potencial. É perfeitamente possível explorar até a totalidade desse potencial, porém, considerando território, devem ser atendidos os requisitos ambientais, fundiários e topográficos.
Contudo, é importante considerar que o desenvolvimento tecnológico das máquinas atuais permite o aproveitamento ótimo a maiores alturas com capacidades cada vez superiores. Nesse sentido, em uma visão de longo prazo esse potencial é muito maior, já que a tecnologia contribuiu fortemente para o aumento deste. Embora seja perfeitamente possível, numa visão de longo prazo, considerando que a matriz tenha que ser diversificada, podemos afirmar que o potencial eólico brasileiro é infinito e que o país vai ter a quantidade de energia eólica que considerar necessário para uma matriz otimizada, resguardando acima de tudo, a diversificação, a segurança, a competitividade, a sustentabilidade socioambiental e sócio econômica
Agência CanalEnergia: Como a eólica pode trazer equilíbrio ao sistema sendo uma fonte intermitente?
Élbia Silva Gannoum: A fonte eólica, assim como as fontes solar, biomassa e PCH são fontes renováveis complementares. Embora sejam necessárias as operações das usinas de outras fontes como as grandes centrais hidrelétricas e as termelétricas, estas demais fontes são imprescindíveis para a segurança energética, para o suprimento de uma energia limpa e também competitiva. O mix da matriz elétrica é quem vai conseguir atender o equilíbrio sistêmico. A combinação de capacidade instalada dessas várias fontes intermitentes considerando suas complementaridades sazonais permitem uma geração maior e neste quesito a complementaridade entre essas fontes no Brasil é notória. A evolução da tecnologia e a assertiva previsibilidade de geração horária conseguida através de previsões meteorológicas dos ventos contribuem para operação do sistema e garantem sua otimização. Além disso, há um forte investimento nos sistemas de baterias, que está bastante evoluído, com o objetivo de armazenar energia.