A situação do Brasil é classificada como crítica. Segundo o presidente da Associação Brasileira de Fomento às Pequenas Centrais Hidroelétricas, Ivo Pugnaloni, depois do racionamento de 2001, esse é o pior momento do setor elétrico. Ele credita esse cenário à falta de investimentos do país em usinas hidrelétricas, sejam elas com reservatórios ou os empreendimentos que representa.

Segundo seus cálculos, existem 8 GW em projetos na Aneel que estavam paralisados e que agora começam a sair do papel. Além disso, mais 2 GW já possuem outorga, mas as condições de preços e financiamento do BNDES vêm impedindo a execução desses projetos. Veja a seguir os principais trechos da entrevista concedida à Agência CanalEnergia pelo executivo, que participará da 12ª edição do Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico – Enase, que acontece no Rio de Janeiro em 27 e 28 de maio, um evento em copromoção pelo Grupo CanalEnergia e 18 associações do setor:

Agência CanalEnergia: Como classificaria o momento pelo qual o setor elétrico, de uma forma geral, está passando?

Ivo Pugnaloni: Estamos em um momento crítico. Depois do racionamento de 2001 esse é o pior momento. Passamos por um período de “apagão” da confiança dos agentes de mercado nas autoridades do ministério, que pareceram perdidas em meio a crise depois de negá-la durante mais de três anos. Graças ao desincentivo e aos obstáculos criados contra a expansão da geração por novas hidrelétricas, as dívidas do setor elétrico com as térmicas fósseis atingiram mais de R$ 200 bilhões. Isso é quase o dobro do valor superávit primário que toda a economia deveria gerar em 2015. E sempre existe receio em investir quando as regras são voláteis e prejudiciais a todos.

O lado bom da crise é que ela provocou mudanças na política de preços, nas equipes e nos métodos de relacionamento do governo com os agentes. E isso traz novas esperanças. O perfil do novo ministro Eduardo Braga é de quem gosta de desafios. E que não gosta de “pratos-feitos”. Esperamos com ele, que as políticas do setor elétrico possam construídas de forma mais pública, mais atenta à realidade do setor e não à errática busca de milagres, à manutenção de aparências e voltadas apenas à obstinada e irracional imposição de termelétricas movidas a derivados de petróleo na base da geração do sistema.

Agência CanalEnergia: Quais são os motivos que balizam essa avaliação?

Ivo Pugnaloni: O primeiro motivo é que R$ 200 bilhões só em 2013 e 2014 é um preço muito alto apenas para não estarmos sob racionamento. É muito dinheiro por algo que é uma obrigação do setor, que já está remunerada nas altas tarifas que sempre pagaram os brasileiros. Se não fosse a baixa produção da EPE no trabalho de licenciamento e na colocação de mais UHEs para leilão, esse prejuízo todo não teria ocorrido. O segundo motivo é que o Congresso Nacional e a sociedade ainda não se deram conta que a origem desse rombo está em uma grande e única inverdade, que tem sido repetida mil vezes, no melhor estilo do que fez Joseph Goebbels, ministro alemão da propaganda de 1933 a 1945. E essa mentira repetida é que o potencial hidrelétrico tenha acabado ou que é inviável aproveitá-lo devido a “problemas ambientais”.

Agência CanalEnergia: E como chegamos a essa situação?

Ivo Pugnaloni: Isso foi feito através da diretriz não assinada da não construção de hidrelétricas com reservatórios, usando como desculpa os “problemas ambientais”. Foi a partir de 2008 que esta diretriz se tornou uma política de estado, sem nenhuma justificativa fática, legal ou mesmo norma ambiental. Belo Monte, Santo Antônio e Jirau são megausinas na Amazônia que confirmaram a regra. Quando seus cronogramas atrasaram-se devido a estudos ambientais deficientes, novamente isso beneficiou às térmicas a petróleo que assim precisaram operar por mais tempo ainda. O pior é que isso acontece apesar da Eletrobras possuir relacionados, inventariados e projetados mais de 155 GW em milhares de hidrelétricas, disponíveis para construir.  Mas inexplicavelmente, a EPE, empresa que hoje é encarregada de licenciar ambientalmente essas usinas, tem apresentado uma produção muito baixa, colocando pouquíssimos potenciais hidrelétricos em leilão, como auditorias realizadas na EPE pelo Tribunal de Contas da União já haviam apontado nos acórdãos 2.164/2008 e 1.196/2010, sem sucesso.

Um exemplo recente dessa baixa produção da EPE foi o leilão A-5 de 30 de abril, quando a empresa de pesquisa disponibilizou apenas quatro usinas, totalizando menos de 500 MW. Mesmo assim três delas, situadas no Paraná, foram retiradas do leilão por que a EPE não conseguiu o licenciamento. Na Aneel, por coincidência, também tivemos um problema similar, de baixa produção análise de projetos de pequenas hidrelétricas. Felizmente, a diretoria colegiada extinguiu o órgão deficiente e a produção saltou de 20 projetos analisados em 2014 para mais de 130 apenas no primeiro quadrimestre de 2015. Pode ser que também na EPE seja necessário que Tribunal de Contas da União averigue o que está  acontecendo.

Agência CanalEnergia: O momento do setor sugere que há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda de energia que levaram até mesmo à já defendida campanha de uso mais racional de energia apesar do governo afirmar que há uma sobra estrutural de energia no sistema elétrico. Em sua avaliação, quais fatores levam a esse cenário?

Ivo Pugnaloni: A verdade é que desde 1990 alguns setores procuram impedir ou dificultar ao máximo a construção de hidrelétricas não só no Brasil, mas em toda a América Latina, na África e na Ásia, de modo a tornar os países menos desenvolvidos cada vez mais dependentes de derivados importados de petróleo para gerarem a energia elétrica que precisam. A alegação é de que as hidrelétricas afetariam o ambiente e que nós, do “terceiro mundo” deveríamos copiar o mundo civilizado, gerando mais energia com combustíveis fósseis, como os EUA. Como se esses combustíveis não agredissem o ambiente de forma muito pior. E como se os EUA não dependessem tanto de petróleo e carvão para gerar energia por não possuírem mais recursos hidrelétricos disponíveis, tendo-os aproveitado quase todos. Uma afirmação comum desses setores é a de que “o potencial hidrelétrico brasileiro acabou”, mas sem se referir nunca aos 155 GW em hidrelétricas remanescente, registrados pelo sistema de informações da Eletrobras.

As coisas não acontecem sozinhas. Se temos déficit de oferta hoje é porque retardamos a entrada de novas usinas. A nota técnica 099/2008 da diretoria de estudos energéticos da EPE mostra claramente que nem as perdas elétricas foram consideradas na metodologia de cálculo da garantia física das nossas hidrelétricas. Como apontamos em nosso Relatório 003/14, disponível no nosso site, essa nota técnica está errada e nos fez superestimar em pelo menos 14% sua capacidade de fornecer energia. Em virtude desse erro, subestimamos o período de operação das termoelétricas fósseis. Essa e outras oito premissas equivocadas reduziram de forma artificial o ICB das térmicas para R$ 140 por megawatt-hora cujo despacho chegam a custar, na realidade, mais de dez vezes mais caro.

Agência CanalEnergia: Como as PCHs podem contribuir para mudar essa situação?

Ivo Pugnaloni: As PCHs tem hoje mais de 8.000 MW já projetados, que estavam parados na Aneel há mais de oito anos por uma exigência ilegal, apontada pelo TCU e hoje já tornada sem efeito. Além disso, temos mais 2.000 MW já outorgados que estavam parados na EPE, que teimava em não estabelecer preço viável para nossa fonte, como provou estudo da própria Aneel. Uma perseguição injustificada, também já extinta por decisão ministerial. Isso somado é mais do que 65% de uma nova Itaipu. São 5.500 MW médios que poderiam ajudar a diminuir nossa dependência dos 16.200 MW térmicos fósseis que operam noite e dia há três anos.

Se forem construídos agora, trariam grande alívio ao sistema e às linhas de transmissão, pois as PCHs estão próximas aos grandes centros de carga. Serão mais de 70 bilhões de reais circulando na economia só com essas obras. Tudo com serviços e equipamentos nacionais, gerando mais receita para o Tesouro e mais 200 mil empregos segundo o BNDES. Além disso, se estas PCHs começarem a ser construídas, os investidores irão sentir-se novamente confiantes e vão realizar novos investimentos em inventários, em novos projetos básicos, para viabilizar outros 15.000 MW que já estão identificados pelo SIPOT.

Agência CanalEnergia: O que precisa ser feito para que o setor tome o caminho que promova maior competitividade para a economia brasileira?

Ivo Pugnaloni: Para poder ajudar o Brasil a retomar o crescimento, as PCHs e as fontes renováveis necessitam do governo federal quatro providencias principais. Todas muitíssimo mais baratas do que os R$ 100 bilhões que as térmicas fósseis consomem por ano, daqui para frente. A primeira é a efetiva participação de 70% do BNDES no financiamento, com condições ao menos equivalentes às oferecidas a outras fontes renováveis. A segunda, o repasse de recursos do governo federal aos órgãos licenciadores estaduais e ao Ibama para dotá-los de estrutura e pessoal adequados às necessidades de licenciamento de empreendimentos de geração, transmissão e distribuição, cujo responsável constitucional é a União e não os Estados.
 
A terceira é a revisão da metodologia de calculo da garantia física e do GSF que hoje penalizam os empreendedores por um erro de cálculo cometido pelo governo e pela lentidão da EPE em colocar em leilão novas hidrelétricas. E a quarta, a questão dos preços-teto para as PCHs que deveriam ser equiparados aos das usinas movidas a biomassa, já que estas exigem muito menores investimentos em termos de obras civis, áreas de terra  e de atividades de preservação ambiental. Além disso, a EPE tem que ser advertida formalmente a não continuar tentando dirigir as decisões do governo para que o mercado arque com soluções de geração à base de combustíveis derivados de petróleo, que são mais caras, são importadas e mais poluentes do que as hidroelétricas com reservatórios.