Com o passar do tempo, a lei do atual modelo regulatório foi perdendo terreno para os avanços tecnológicos pelos quais o setor vem passando. Entre eles o crescimento da geração distribuída, que à época ainda não existia por aqui. Agora o Brasil já conta com um número crescente de novas conexões e regulação da Aneel por meio da REN 687/2015. Contudo, o segmento ainda encontra barreiras. Esse é apenas um dos pontos que o presidente executivo da Cogen, Newton Duarte, aponta como necessários para a modernização do marco do setor. O pouco tempo que o governo tem para resolver as questões mais importantes é um sinal de que as ações a serem tomadas devem ser rápidas e focadas nos pontos centrais que travam o desenvolvimento e expansão do mercado.
Duarte participará do principal evento político regulatório do setor elétrico brasileiro,
Enase 2017, promovido pelo
Grupo CanalEnergia com o apoio de 20 associações ligadas ao setor elétrico. Neste ano, o tema central será a evolução do modelo setorial, desafios e propostas. O evento será realizado nos dias 17 e 18 de maio, no Centro de Convenções Sulamérica, no Rio de Janeiro. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo executivo:
Agência CanalEnergia: O modelo regulatório instaurado com a 10.848/2004 atende as necessidades atuais do setor elétrico ou precisa ser revisto?
Newton Duarte: Acho que a lei vai passar por uma reavaliação importante. Talvez a nova lei que venha a recompor e substituir a [lei] 10.848 mexa em diversos pontos como a separação de lastro e energia, a ampliação do mercado livre, reavaliação de subsídios e a relação dos consumidores com as distribuidoras com o avanço da geração distribuída. Para isso precisamos de uma rearrumação e o governo tem pessoas capazes para realizar isso, coordenar a discussão e trazer os entes interessados de forma que tenhamos uma alteração contundente. Outra coisa é o plano decenal que deixou de ser importante. Hoje o que está ali não se cumpre. O PDE deve ser de fato um plano determinista e que seja seguido. Claro que não sei quanto vou ter de demanda, mas a continuidade do fomento à indústria de biomassa que está ligada ao etanol é importante e estratégico para o país.
Agência CanalEnergia: O atual governo tem pouco mais um ano de mandato, acredita que esse tempo poderá ser suficiente para que alterações sejam implementadas?
Newton Duarte: Acho que o governo deve usar aquela proposta da Abradee de P&D estratégico que não foi aceito, pegar aquele espírito e deve sim trocar ideias com o setor privado, Fase e as associações da forma que dali saia uma solução. Juntar um grupo de pessoas de renome e rediscutir questões do que alterar ou não. O que não podemos ter é uma medida que o governo faça o mercado engolir, que seja top-down e evitar assim a judicialização do setor porque não termina nunca essa disputa. O governo não tem muito tempo, pouco mais de um ano antes que a corrida eleitoral de 2018 chegue às ruas. Então acredito que até o final deste ano devemos ter as questões mais importantes equacionadas.
Agência CanalEnergia: Quais são os principais desafios a serem enfrentados no atual momento do setor elétrico?
Newton Duarte: Acho que devemos priorizar questões principais que estão complicando o ambiente de negócios como o GSF. Deveria mexer nesse ponto, pois não pode, a despeito envolver uma concessão, que o cara deva suportar um impacto tão grande como vimos. O despacho não é do gerador e sim do ONS. Vimos que o MRE não conseguiu dar o conforto que se imaginou, não resolveu a questão e na sequência veio uma série de problemas como a inadimplência no MCP dos valores protegidos por liminares judiciais onde o gerador a biomassa não vem recebendo pela sua geração, um absurdo que freia investimentos e novos aportes, isso não é inteligente.
Então, o governo tem a obrigação de enfrentar isso, devemos mudar o GSF e a legislação. Se não chove, o consumidor tem que pagar não o gerador. Nascemos em um país com predominância de geração hidrelétrica e que no passado chegou a responder por 95% da fonte. Nessa época era mais simples e ninguém falava do setor elétrico. Acontece que isso mudou, país cresceu. Em 1970 éramos 90 milhões em ação, hoje somos 206 milhões, mudou tudo. E a equipe que está aí é muito competente, mas tem que haver a coragem de enfrentar as questões.
Agência CanalEnergia: Em sua opinião as mudanças deveriam ser pontuais ou mais profundas para que o modelo fosse modernizado?
Newton Duarte: As ideias que estamos tendo da GD vão exigir um novo conceito de atuação dos entes de geração, transmissão e distribuição, são alterações que possibilitam que a GD possa complementar a nossa matriz auxiliando o nosso ambiente hidrotérmico de tal forma que tenhamos nas hidrelétricas como a nossa bateria pra enfrentar a intermitência das renováveis como um todo e os reservatórios possam exercer os dois terços de participação na geração que temos. No futuro temos de reavaliar e o Fase tem essa proposta de reativarmos a construção de reservatórios em hidrelétricas ao invés de ficarmos queimando rios, como fizemos com o Madeira, o Teles Pires e o Xingu com grandes usinas a fio d’água. O Enase é o ambiente em que os entes poderão colocar certos marcos de forma mais clara quanto às mudanças que antevemos e são essenciais para descomplicar o setor que está travado desde a [MP] 579, que desarrumou todo o setor elétrico.
Agência CanalEnergia: Que tipos de alterações acredita serem necessárias para o segmento de cogeração?
Newton Duarte: A GD tem papel fundamental porque vai mudar a maneira como nos relacionamos com as distribuidoras. Seremos o prosumer, geraremos parte de nossa energia ou vamos gerar e vender a energia e a distribuidora, a exemplo do gás, poderá trocar essa energia de A para B. Será o meio físico para essa troca e receberá um bom soldo por isso de maneira que vão continuar a investir na rede. No evento da Cogen e CanalEnergia instauramos a ideia do valor de referência para a GD e vamos conseguir no Enase dar um pontapé claro quanto à revitalização da GD em todas as sua formas, seja o biogás, biomassa, gás natural ou outra fonte que seja, para termos os acertos necessários de forma que possamos conviver de forma correta e harmoniosamente.
Mas, precisamos cair na real de que ainda há relutância e resistência em concessionárias de distribuição acerca do avanço da geração distribuída. Todas falam de querem e quando se pede a conexão ou fica engavetado ou demora meses. Essa mudança ainda não está ocorrendo de forma rápida como acontece em uma compra de produto por exemplo. Em nossa opinião, deve haver descomplicação do setor e que de fato venha a simplificar e dar mais celeridade aos processos de micro e mini GD, ampliar o mercado livre e torná-lo mais aberto, pois nos últimos 13 anos quem optou por esse ambiente de contratação conseguiu 17% de economia.
Se considerarmos que em uma indústria onde a energia tem um peso de 40% no custo de produção temos que o resultado final é de um ganho operacional de 5% só por poder escolher de quem comprar energia ao invés de ser conectado de forma compulsória à rede. Devemos levar a sério como ampliar o setor. E ainda devemos ter com todo o cuidado de anteparo à intermitência ter o gás natural combustível que estamos tendo mais acesso. Ao mesmo tempo é bom destacar ainda que devemos ainda ter a previsibilidade de contratação para saber como planejar a expansão.