Não há como sair do labirinto de problemas do setor elétrico sem a conscientização sobre a necessidade de revisão e de alocação adequada de custos. A opinião é do presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Edvaldo Santana, para quem é apenas uma questão de tempo até que o debate de todos os aspectos de funcionamento do setor aconteça. “A discussão mais ampla acabará acontecendo, pois não há outra forma de atacar e superar os diferentes obstáculos”, afirma o executivo.
Santana admite que talvez o Ministério de Minas e Energia não tenha outra saída que não atacar de imediato questões pontuais, diante de uma crise política que retarda a solução dos problemas do setor. Mas alerta que, com isso, “casos mais sérios vão ficando para depois, o que pode agravar os problemas e tornar mais complexa a solução.”
Para o dirigente da Abrace, “eficiência é a palavra-chave”, mas é preciso também pessoas com nova mentalidade, que tragam outras formas de pensar o problema, porque são muitos os desafios. Nesse contexto, é necessária uma mudança de paradigma que priorize a racionalidade dos custos e a eliminação dos subsídios cruzados. Santana é uma dos palestrantes do 14º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), que acontece nos dias 17 e 18 de maio no Centro de Convenções Sul América, no Rio de Janerio. O evento é organizado pelo Grupo Canal Energia em parceria com 20 associações do setor. Veja a entrevista do executivo à Agência CanalEnergia:
Agência CanalEnergia: Havia a expectativa no mercado de que as mudanças necessárias à solução dos impasses do setor elétrico viriam dentro de uma discussão mais ampla, de revisão do modelo. Na sua visão, o que falta para que esse debate aconteça?
Edvaldo Santana: Falta pouco. Os problemas do setor elétrico são de diversas naturezas, que começam na sua estrutura de governança e chegam lá na ponta, que é a qualidade do serviço. Por exemplo, há uma excessiva centralização, provocada pelo governo que passou, que gerou instabilidade jurídica por causa de um conflito regulatório entre o Ministério de Minas e Energia e a Aneel. O Brasil, por outro lado, enfrenta uma crise política que prejudica e retarda a solução dos problemas do setor. As soluções deveriam passar por importantes mudanças em leis e em decretos. A discussão mais ampla acabará acontecendo, pois não há outra forma de atacar e superar os diferentes obstáculos.
Agência CanalEnergia: O Ministério de Minas e Energia está correto em tratar de questões pontuais, embora elas sejam importantes para o setor?
Edvaldo Santana: Talvez o ministério não tivesse outra saída. Procura resolver o que consegue, o que é possível, diante das circunstâncias. Mas os casos mais sérios vão ficando para depois, o que pode agravar os problemas e tornar mais complexa a solução. O rateio dos custos ao longo da rede, que tem a ver com a irracional e complexa metodologia de cálculo das tarifas, e a tentativa de resolver todos os problemas via subsídios cruzados são os exemplos mais evidentes de problemas que só se agravam com o passar do tempo. Mas não há como sair desse labirinto sem uma conscientização política da necessidade de revisão dos custos e de sua alocação. Do ponto de vista dos consumidores, esse ajuste é imprescindível à retomada da oferta competitiva de energia, da qual depende não só o setor energético, mas a recuperação do crescimento econômico como um efeito virtuoso de medidas consistentes.
Agência CanalEnergia: Quais são os grandes desafios e os empecilhos para a modernização do setor elétrico?
Edvaldo Santana: Eficiência é a palavra-chave. O setor precisa de novas mentalidades, de pessoas que imprimam outras formas de pensar o problema com a eficiência como foco, pois são vários os desafios. O principal deles, que contamina os demais, estaria associado à própria dinâmica de evolução do setor elétrico ao longo do tempo. Nessa dinâmica, que funciona desde a década de 1960, qualquer “mudança” só daria certo se tivesse uma coordenação central, como eram os antigos Grupos Coordenadores para Operação Interligada (GCOI) e de Planejamento do Sistema (GCPS), que eram comandados pela Eletrobras. As pessoas tendem a ser sempre as mesmas, e muitas estão até hoje por aí e só sabem atuar em confrarias, reeditando fórmulas antigas e pouco originais.
Agência CanalEnergia: É preciso que haja uma nova mudança de paradigma para que o setor elétrico possa avançar?
Edvaldo Santana: Com certeza. Como diz o ditado, o uso do cachimbo faz a boca torta. Não adianta, por exemplo, apenas mudar o modelo de formação de preço, se ele vai ser operado do mesmo jeito.
Agência CanalEnergia: Qual é o papel das novas tecnologias no avanço do atual modelo de negócios?
Edvaldo Santana: As novas tecnologias têm papel importante no modelo de negócios que prevalece no mundo desenvolvido. Por exemplo, na Alemanha e nos Estados Unidos cerca de 40% da geração já são conectados nas redes das distribuidoras, que estão deixando de ser simples operadores de rede e se transformando em operadores de serviços. Em Portugal, a expectativa é de que, em 2025, logo ali, 30% dos consumidores já possua suas fontes de energia, isto é, serão autoprodutores. A rede está sendo distribuída (geração distribuída), enquanto por aqui ainda se observa resistência a isso, que é o natural medo do futuro, que os economistas chamam de destruição criadora, de quebra de paradigma.
Agência CanalEnergia: Quais são as prioridades na agenda setorial, do ponto de vista dos grandes consumidores de energia?
Edvaldo Santana: Talvez o termo correto não seja prioridade. O que os consumidores esperam é uma mudança de paradigma, que tenha na racionalidade dos custos e na eliminação dos subsídios cruzados suas palavras de ordem. Não há como gerar produtos competitivos e criar empregos em um ambiente de negócios em que os custos só crescem, que são repartidos conforme o gosto do governo da hora. Isto precisa mudar. Mas não é fácil.
Este ano, por exemplo, podemos começar a plantar uma semente de uma iniciativa pioneira no cenário nacional, mas que já existe em todos os países desenvolvidos, que é o mecanismo de resposta da demanda. É uma maneira racional de fazer com que os consumidores contribuam para a redução do custo global da operação do sistema e evitem, ao mesmo tempo, a redução de emissões de gases de efeito estufa. Todos os agentes do setor só têm a ganhar com esse novo modelo. Será uma ação de simples implementação e bons resultados. Os grandes consumidores estão interessados em participar voluntariamente de um projeto piloto no segundo semestre. O objetivo é que o mecanismo integre a operação de maneira natural no longo prazo. Será uma contribuição positiva para o setor elétrico neste ano.