Mesmo com a onda renovável da geração eólica e solar atraindo atenções e investimentos no setor elétrico brasileiro, o espaço para o carvão mineral ainda resiste e pode até crescer. É o que garante o presidente da Associação Brasileira do Carvão Mineral, Fernando Luiz Zancan, que defende a importância da fonte fóssil a partir de critérios técnicos, como a regularidade na operação; e econômicos, cuja competitividade do custo variável é vista como um ponto positivo. Nesta entrevista, ele lista ações implementadas no Brasil e no mundo visando a redução do impacto de emissão de gases poluentes e a melhoria das plantas existentes.
Zancan será um dos debatedores do 14º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), que acontece nos dias 17 e 18 de maio no Centro de Convenções Sul América, no Rio de Janeiro. Organizado pelo Grupo CanalEnergia, o evento conta com a parceria de 20 associações do setor. Leia abaixo a entrevista concedida pelo executivo à Agência CanalEnergia.
Agência CanalEnergia: Quais os temas centrais que a ABCM levará para discussão no Enase 2017?
Fernando Luiz Zancan: O tema central que levaremos ao Enase é a necessidade da definição de uma política de uso do carvão para geração de energia elétrica no Brasil. Chegou o momento de definição. Os cenários de longo prazo mostram que haverá uma participação de termelétricas na garantia de segurança energética do Brasil. O sonho de ter 100% de usinas renováveis não é viável, visto a variabilidade das mesmas. Entre as térmicas, o carvão nacional tem o menor CVU e não sofre com a variabilidade de preço que o gás tem por ser baseado em preços internacionais. Enquanto as renováveis têm variabilidade na produção, o gás natural é variável, em especial o GNL importado, na questão preço. O outro ponto é a disponibilidade de combustível. O carvão está disponível no sul do Brasil a preços baixos e a cadeia de investimento do carvão tem menor custo que a cadeia do gás. O gás tem usos mais nobres que gerar energia elétrica, que se trata do uso industrial.
Agência CanalEnergia: Que espaço tem hoje o carvão mineral na expansão da capacidade de geração do setor elétrico?
Fernando Luiz Zancan: O carvão nacional hoje conta com 857 MW em Santa Catarina, 20 MW no Paraná, e 796 MW no Rio Grande do Sul. Está em construção para entrar em operação em janeiro de 2019 a Usina de Pampa, com 340 MW. Temos 1.440 MW de carvão importado no Ceará e Maranhão. Foi anunciado pela CGTEE que será desativado 446 MW na região de Candiota ainda nesse ano. Nesse momento não estamos falando de expansão, mas sim de substituição do parque existente, que está com 39 anos em média. Portanto, até 2027, teremos que substituir 1.300 MW, implantando um parque com tecnologias mais modernas. Quanto à expansão, com as reservas de carvão conhecidas, podemos implantar cerca de 10 GW no sul do Brasil. Esse projeto de substituição até 2027 permitirá a manutenção da indústria de fornecimento de combustível, deixando um parque de usinas moderno, competitivo e com menor impacto ambiental. A cadeia produtiva permitirá que a expansão possa ocorrer de forma competitiva.
Agência CanalEnergia: A questão ambiental ainda é o principal entrave para o carvão mineral na área de energia elétrica?
Fernando Luiz Zancan: A questão ambiental é entrave para todas as formas de energia. O carvão tem o estigma, desde a revolução industrial na Inglaterra, de ser poluidor. Contudo, com o desenvolvimento das tecnologias que reduziram seu impacto ambiental, ele permaneceu na base da geração de energia elétrica, sendo 41% da geração de energia elétrica mundial. A famosa chuva ácida foi resolvida. Nos EUA, as emissões de NOx, SOx e particulados foram reduzidas de 82% a 96%, enquanto o consumo de carvão cresceu 146% nos últimos 40 anos. Hoje temos plantas a carvão que têm emissões menores que plantas a gás natural. O ponto que está sendo mais citado hoje são as emissões de CO2. O carvão é estigmatizado pelos seus concorrentes por ter mais emissões por kWh na chaminé. Mas se olharmos a cadeia de produção toda, há situações em que a cadeia do gás natural (produção, vazamentos, etc) gera mais gases de efeito estufa do que o carvão.
Agência CanalEnergia: Quais as ações implementadas no mercado internacional para conter esse problema?
Fernando Luiz Zancan: A indústria do carvão não está parada no desenvolvimento de novas tecnologias de aumento de eficiência, visando a redução de CO2/KWH. Hoje, no Japão, país do Protocolo de Kyoto, estão em construção usinas com tecnologias ultra supercrítica, com eficiências de 45%. Isso reduzirá em cerca de 30% o CO2 em comparação com usinas subcríticas. Por outro lado, as tecnologias de segunda geração de gasificação, como a aplicada no Projeto Kemper, no Mississipi, inaugurada em fevereiro passado com 582 MWe, apresentando emissões de SOX, Nox e particulados quase nulas, tornando uma usina mais limpa que qualquer uma a gás natural. A Captura de CO2 – CCS, pós combustão, é uma realidade em projetos como Boundary Dam (Canadá) e Petra Nova (USA). Para enfrentar definitivamente as questões de mudanças climáticas ora presentes, os combustíveis fósseis como carvão, gás e óleo precisam incentivar e aplicar o CCS.
Agência CanalEnergia: E no Brasil?
Fernando Luiz Zancan: No Brasil, no Centro Tecnológico de Carvão Limpo, em Criciúma (SC), estamos implantando uma planta piloto de CCS com apoio do Departamento de Energia do USA. O projeto contará com recursos de R$ 10 milhões da Fapesp e do P&D da Aneel para desenvolver tecnologia que usa a cinza do carvão para capturar o CO2. Esperamos cerca de oito anos de desenvolvimento para implantar uma planta de demonstração. Na medida em que novos projetos de CCS sejam implantados no mundo, a curva de aprendizagem deverá trazer os seus custos para baixo. Isso está ocorrendo com as tecnologias eólica e solar. A vantagem do CCS é a viabilização ambiental das tecnologias despacháveis com baixo carbono.
Agência CanalEnergia: Como inverter a tendência de queda do uso do carvão para geração de eletricidade, especificamente no Brasil?
Fernando Luiz Zancan: Alguns estudos mostram a queda em percentual do uso global, mas isso depende de qual região no planeta. Em nível global, a Agência Internacional de Energia prevê, para 2040, que em TWh o carvão deverá crescer 11%, mas sua participação percentual irá cair dos 41% para 28% na matriz. Na Ásia, por exemplo, 69% da energia elétrica hoje vem do carvão, faixa que irá aumentar para 77% em 2040. Na China, o carvão decresce em percentual de 73% para 43%, mas aumenta 43% na geração. No sudeste asiático, onde a cadeia do gás natural tem um investimento seis vezes superior ao investimento da cadeia do carvão, a participação subirá de 32% para 50%. Como prova disso, o investimento em carvão foi de U$ 65 bilhões e U$ 11 bilhões para o gás natural em 2015. Já no Japão há um plano de construir 17 novas unidades visando manter 26% de carvão na sua matriz. Na Europa existem países que estão desativando as usinas a carvão, como o Reino Unido, mas outros, como a Polônia, manterão seu parque a carvão com um processo de modernização.
Agência CanalEnergia: Como o surgimento de novas tecnologias pode viabilizar a geração de eletricidade com carvão mineral?
Fernando Luiz Zancan: A melhor eficiência das plantas a carvão é viabilizada pelo aumento de temperatura e pressão nas caldeiras, via uso de ações especiais e novos desenhos. Em 2010 já estavam disponíveis as tecnologias ultra supercríticas com 45%, sendo 10 pontos percentuais em relação as plantas subcríticas – caso das usinas de Candiota III e Jorge Lacerda C. Para cada ponto de eficiência, temos uma redução de 2% a 3% de emissões de gases de efeito estufa. Hoje as tecnologias denominadas de Alta Eficiência e Baixas Emissões (HELE) estão disponíveis em usinas de 1.000 MW de forma competitiva e preconizam as tecnologias de Captura de CO2 – CCS, que incluem pós-combustão e pré-combustão (gasificação). Espera-se que, em 2020, tenhamos eficiências de 50%, alcançando uma emissão de 670g CO2/Kwh, número menor que as de plantas de ciclo aberto de gás natural. Caso haja apoio político internacional, havendo uma paridade de investimento em P&D+D a nível mundial, teremos a curva de aprendizado e a redução de custo do CCS. Hoje o investimento em energias limpas é 125% maior que o investimento em CCS.
Agência CanalEnergia: Como está o investimento na redução do impacto com emissões de gases poluentes das usinas brasileiras a carvão?
Fernando Luiz Zancan: As empresas geradoras de carvão no Brasil estão investindo em aumento eficiência. No Paraná, a Copel está trocando a caldeira e com isso aumentará em 78% a eficiência, reduzindo em cerca de 35% as emissões de GEE. A Usina Figueira passa por processo de modernização e que deverá voltar a operar em 2018. No Complexo Jorge Lacerda, em Santa Catarina, está previsto um investimento total de R$ 338 milhões até 2018, visando aumentar a eficiência de 30,5% para 33,7%. A aplicação desses recursos melhora a questão ambiental como um todo, mas, para um salto maior, será necessário viabilizar um programa de modernização, substituindo as usinas mais velhas por usinas novas. Aí teríamos um aumento de 29% para 35% de eficiência em 2027.