Com pouco mais de um ano de mandato, o atual governo não precisa implementar de forma simultânea todas as alterações que o setor elétrico demanda, apesar de que para implantação de cada alteração deva ser feita uma análise criteriosa de todas as suas implicações. Com esse posicionamento, e a partir da definição das diretrizes básicas da mudança, é possível promover muitos aperfeiçoamentos setoriais importantes. Essa é a avaliação do presidente do Conselho de Administração da Apine, Guilherme Velho, sobre o atual momento no que tange à geração para os produtores independentes de energia. Entre os pontos de atenção ele cita o MRE, expansão da transmissão e a diversificação das fontes como algumas que precisam de aprimoramentos.

Velho participará do principal evento político regulatório do setor elétrico brasileiro, Enase 2017, promovido pelo Grupo CanalEnergia com o apoio de 20 associações ligadas ao setor elétrico. Neste ano, o tema central será a evolução do modelo setorial, desafios e propostas. O evento será realizado nos dias 17 e 18 de maio, no Centro de Convenções Sulamérica, no Rio de Janeiro. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo executivo:

Agência CanalEnergia: Na avaliação da entidade, o modelo do setor elétrico, adotado com a 10.848/2004, atende as necessidades desse mercado atualmente?

Guilherme Velho: Várias modificações ocorreram no Setor Elétrico desde 2004, dentre elas escolhemos abordar a questão da expansão da oferta. Em 2004, a expansão da geração foi estruturada através de leilões de contratação de energia a longo prazo entre empresas geradoras e distribuidoras, assegurando-se com isso recebíveis para fazer frente ao serviço da dívida dos financiamentos e a remuneração do capital dos investidores dos empreendimentos de geração. Essa estruturação permitiu uma expressiva contratação de energia, que superou 32GW médios desde 2004. Atualmente, com a crescente liberalização do mercado, as empresas distribuidoras dificilmente poderão continuar a desempenhar o papel de âncoras da expansão, sendo necessário buscar novas formas de contratação para garantir o necessário crescimento da oferta de energia.

Agência CanalEnergia: O país necessita de um novo modelo ou seriam necessárias apenas modificações pontuais?

Guilherme Velho: Procurando manter a resposta no âmbito da geração, várias questões precisam ser aprimoradas no atual Modelo do Setor Elétrico, dentre as quais mencionamos: 1- Mecanismo de Realocação de Energia (MRE) – equacionamento, dentre vários pontos, dos efeitos da mudança da estrutura da matriz de geração. Nos últimos anos essa matriz apresentou um forte crescimento da participação de usinas térmicas, o que aumentou a segurança do suprimento, mas impôs pesados ônus aos geradores hidráulicos, em função do aumento dos custos dos deslocamentos hidrelétricos; 2- Expansão da Transmissão – melhor concatenação do planejamento de geração e transmissão e maior agilidade no licenciamento ambiental da transmissão, de forma a evitar atrasos na implantação de linhas necessárias ao escoamento da energia produzida por novas usinas geradoras; 3- Diversidade de Fontes de Geração – implantação coordenada de fontes de geração alternativa como eólica e solar, que possuem enorme potencial energético e excelente inserção ambiental, mas que apresentam variabilidade na sua produção de energia, com fontes de geração controlável como hidrelétricas com reservatório e termelétricas, que garantem confiabilidade ao suprimento de energia.

Agência CanalEnergia: Quais tipos de mudanças deveriam ser contempladas e que afetariam os produtores independentes de energia para que pudéssemos ver o atendimento dessas necessidades e por quê?

Guilherme Velho: Dentre muitas questões importantes para produção independente de energia, mencionamos: 1- Equilíbrio entre a oferta e a demanda, objetivando assegurar um preço justo de energia para geradores e consumidores, bem como manter o valor dos ativos de geração existentes 2- Viabilização, como já referido, da expansão da geração em um ambiente de mercado progressivamente liberalizado; 3- Manutenção de níveis de risco viáveis para as diferentes fontes de geração, como: risco hidrológico para fontes hídricas, risco de variabilidade de produção para fontes intermitentes, risco de custos operacionais para fontes térmicas, dentre outros riscos.

Agência CanalEnergia: Dentre os problemas que temos hoje no setor elétrico nacional, qual é o maior desafio a ser enfrentado pelo governo (MME, Aneel, CCEE e EPE) e pelos agentes?

Guilherme Velho: Existem vários desafios importantes no âmbito do Setor Elétrico, desta forma é difícil destacar qual o maior deles. Certamente um grande desafio é a promoção de uma maior interação entre todos os agentes setoriais. Esta interação deve estar baseada em premissas técnicas e econômicas, onde se busque atender de forma justa e equilibrada os interesses legítimos e as limitações de cada agente, criando um ambiente de negócios saudável, onde todos busquem soluções possíveis e evitem impasses que têm causado uma crescente e indesejada judicialização no âmbito do setor.

Agência CanalEnergia: O atual governo tem pouco mais um ano de mandato, acredita que esse tempo poderá ser suficiente para que alterações sejam implementadas?

Guilherme Velho: As alterações não precisam ser todas implementadas simultaneamente, apesar de que para implantação de cada alteração deva ser feita uma análise criteriosa de todas as suas implicações. Dessa forma, a partir da definição das diretrizes básicas da mudança, é possível no tempo do governo atual promover muitos aperfeiçoamentos setoriais importantes.

Agência CanalEnergia: Em quanto tempo poderíamos ter uma correção no rumo do setor elétrico que trouxesse um ciclo virtuoso ao mercado?

Guilherme Velho: A correção de rumos é progressiva, a cada aperfeiçoamento vai ocorrendo uma melhoria das expectativas e do ambiente de negócios, da mesma forma que ocorre na economia como um todo. Ou seja, não é necessário que se implemente todas as alterações para que se instale um processo sinérgico no mercado. Vários aperfeiçoamentos já vêm sendo implantados durante o último ano no setor elétrico, como: mecanismos de mercado para redução de sobrecontratações, racionalização na realização de leilões, ajuste na contratação da oferta, retomada do sucesso nos leilões de transmissão, saneamento e privatização de empresas distribuidoras, dentre muitos outros.

Agência CanalEnergia:  Como vê o papel do BNDES no processo de financiamento do setor elétrico e como aumentar o acesso ao crédito internacional por meio de alterações no modelo regulatório?

Guilherme Velho: O BNDES tem sido o principal agente de financiamento da expansão do Setor Elétrico Brasileiro. Naturalmente agregar novas fontes de crédito competitivo é muito importante para o setor. Para tanto, questões como: segurança regulatória, preço correto da energia, previsibilidade de receita e até mesmo dolarização parcial dos recebíveis têm que ser aprofundadas e equacionadas.