Centro de todas as alternativas que contemplam soluções para os problemas regulatórios do setor elétrico, o consumidor não quer mais pagar o pato sozinho. Representante da classe, a Associação Nacional dos Consumidores de Energia defende uma nova lógica no mercado de energia, na qual os custos que incorrem sobre a cadeia produtiva sejam melhor diluídos, e não apenas despejados na ponta final.
Esse é uma das bandeiras que o presidente da entidade, Carlos Faria, pretende levar à discussão na edição deste ano do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), evento que será promovido nos dias 17 e 18 de maio pelo Grupo CanalEnergia no Rio de Janeiro. Na entrevista abaixo, ele apresenta um conjunto de pautas que serão debatidas juntamente com os demais agentes setoriais.
Agência CanalEnergia: Quais os temas que a Anace pretende levar para os debates na edição deste ano do Enase?
Carlos Faria: Em primeiro lugar, pretendemos discutir o custo da energia. Hoje, aproximadamente 50% do valor cobrado nas contas dos consumidores do setor elétrico referem-se a impostos, taxas, subsídios e encargos. Essa situação pressiona os preços e tarifas da energia no país, colocando-os entre os mais elevados do mundo, refletindo na competitividade nacional, com efeitos sobre a geração de emprego, renda e crescimento econômico.
Outro ponto importante no debate é a situação das liquidações na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica. O fato de estarem praticamente travadas por conta de liminares é extremamente prejudicial aos consumidores livres porque, se deixarem para liquidar excedentes de energia não utilizados na Câmara, acabam não recebendo. Quem não quiser se submeter a isso precisa buscar alternativa no mercado para vender o excedente, o que aumenta o custo, na medida em que há o trabalho para encontrar uma alternativa de comprador; e reduz o ganho, pois o consumidor tem de aceitar um preço inferior ao PLD.
Um terceiro ponto é a questão da qualidade da energia. Os indicadores DEC e FEC apurados indicam a necessidade de uma maior fiscalização pelo regulador e os investimentos por parte das distribuidoras não tem atendido aos consumidores que continuam enfrentando problemas com interrupções de longa duração, variações de tensão e distorções harmônicas. O resultado é que os consumidores sofrem com as instabilidades do sistema, que reduzem a vida útil dos equipamentos e, portanto, pressionam seus custos.
Agência CanalEnergia: Como a entidade analisa o constante aumento dos custos da energia elétrica para os consumidores?
Carlos Faria: A Anace vê essa situação com muita preocupação. Hoje, cerca de 50% das contas de energia dos consumidores é composta por tributos, taxas, encargos e outras rubricas. Essas cobranças são as principais responsáveis para as tarifas de energia no Brasil estarem entre as mais elevadas do mundo. E, mesmo quando há perspectiva de redução de alguma alíquota, como no caso do Luz para Todos, a cobrança acaba sendo mantida.
Além disso, na prática, todos os custos extras do setor acabam sendo repassados para os consumidores. Diante desse quadro, precisamos mudar a forma que o setor elétrico tem sido tratado. Necessitamos de um setor elétrico enxuto, capaz de gerar resultados para manter os investimentos necessários no negócio, e, ao mesmo tempo, resulte em custos finais competitivos. Ou seja, é necessária a criação de um ambiente de eficiência que favoreça a competitividade, evite falhas e garanta que novos encargos não sejam necessários para corrigir problemas, muito pelo contrário, possamos reduzir as cobranças.
Agência CanalEnergia: De que forma a Anace vê a solução para cobrir o ônus dos geradores com o deslocamento hidrelétrico, via pagamento pelos consumidores?
Carlos Faria: A Anace vê essa questão com grande preocupação e aceita que a solução precisa contemplar o conjunto de agentes e não só geradores. Todo o problema gira em torno da produção de energia abaixo da garantia física das usinas hidrelétricas e a solução virá com o entendimento de que são necessários mecanismos diferentes para lidar com os contratos de energia vendida no ambiente de contratação regulada (ACR) e do ambiente de contratação livre (ACL). Mas o mais importante é que qualquer solução que venha a ser adotada precisa ter claro que os custos não podem simplesmente ser rateados com os consumidores de energia do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Agência CanalEnergia: Quais as perspectivas da associação para o mercado livre este ano, dado do crescente aumento do PLD?
Carlos Faria: É natural que o crescimento do mercado livre desacelere num momento de alta de preços. Isso não diminui, no entanto, a importância do ambiente de contratação para os consumidores: é negável que siga como a melhor opção por permitir negociações de condições de fornecimento, como prazos e reajustes. Mas é importante destacar que, mais do que as preocupações específicas dos preços no mercado, é necessário garantir que não ocorram canetadas, como foi o caso da redução do preço em 2014, e que se solucione a questão das republicações do PLD. O consumidor deve administrar os próprios riscos de variação do preço, mas não pode ficar sujeito a regras que mudem o passado.
Agência CanalEnergia: A judicialização é a única saída possível hoje em dia para reverter decisões que impactam negativamente os consumidores?
Carlos Faria: Não, não é. O problema é que o consumidor acaba sendo levado a situações em que não há alternativa. Trata-se de situações absurdas, incoerentes e nas quais não há espaço para o diálogo, como foi o caso da recente indenização das transmissoras pelos ativos anteriores a 2000 ou da mudança no PLD realizada em 2014.
Agência CanalEnergia: A Anace trabalha junto aos demais agentes e ao governo nas discussões visando a reformulação do modelo institucional do setor elétrico?
Carlos Faria: O modelo do setor elétrico está completando 13 anos e os problemas verificados nos últimos anos indicam que é necessário mudar. O principal desafio é interromper a lógica danosa em que todos os custos podem ser repassados para o consumidor. Acreditamos na motivação do Executivo e do Legislativo para mudar este estado de coisas. Mas é inegável que há pouco tempo e muito por se fazer para conduzir o setor elétrico às desejadas estabilidade e previsibilidade pelas quais todos os agentes anseiam há muito tempo e das quais qualquer perspectiva de retomada econômica prescinde.
Agência CanalEnergia: O novo desenho para o segmento de gás natural, com a abertura do mercado, vai contribuir de que maneira para a classe de consumo?
Carlos Faria: A abertura efetiva do mercado de gás natural é fundamental para o setor produtivo brasileiro. Afinal, trata-se da grande oportunidade que o consumidor tem para conseguir gás disponível a preço competitivo, o que tem sido impossível com o monopólio de fato da Petrobras. Mas é importante que o processo de abertura seja conduzido por meio de regras claras e estáveis.