O Brasil precisa de investimentos, mas, para isso, são necessárias medidas que possam tornar o ambiente de negócios mais amigável, na avaliação do presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia e do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel. Ele cita como exemplos de prioridade na discussão de uma agenda do setor a revisão dos modelos de despacho e de formação de preços; a alteração ou a substituição do Mecanismo de Realocação de Energia; a correção na alocação de riscos e de custos setoriais e mudanças no modelo de comercialização.
Para Menel, não há alternativa a não ser a discussão pontual de temas que exigem solução de curto prazo. Porém, mesmo nessas situações, é preciso uma rigorosa análise de impacto regulatório e o debate com a sociedade organizada, para não agravar o quadro de disputa judicial “que já atinge níveis próximos do limite tolerável” no setor elétrico.
O mesmo princípio vale para a discussão sobre a revisão do modelo setorial. Ela vai exigir um amplo processo de debate e intervenções estruturadas, considerando todos os impactos dessas decisões. Os novos recursos tecnológicos acrescentam desafios ao funcionamento atual do setor e, por isso, “o modelo tem que se antecipar às mudanças tecnológicas que já estão acontecendo.”
O presidente da Abiape vai discutir essas e outras questões durante o 14º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase), que acontece nos dias 17 e 18 de maio no Centro de Convenções Sul América, no Rio de Janeiro. O evento é organizado pelo Grupo CanalEnergia em parceria com 20 associações do setor. Confira a entrevista do executivo à Agência CanalEnergia:
Agência CanalEnergia: O modelo do setor elétrico deve ser repensado dentro de um amplo processo de debate, ou o momento é de discutir pontualmente soluções para os problemas mais urgentes?
Mário Menel: Para as questões que exigem solução de curto prazo não resta alternativa senão a da discussão pontual. Mesmo para essas questões, defendo que haja uma rigorosa análise de impacto regulatório e de debate com a sociedade organizada, justamente para se evitar tornar mais intensa a judicialização setorial que já atinge níveis próximos do limite tolerável. Agora, o repensar do modelo requer amplo processo de debate. O modelo é uma estrutura organizada e qualquer intervenção tem que ser feita de modo estruturado, avaliando-se a observação de princípios, os impactos de cada intervenção no todo e a clareza e simplicidade do produto final da intervenção que é um ato regulatório. Intervenções desestruturadas, feitas pontualmente, tendem a exigir novas intervenções, justamente por colidirem com dispositivos existentes na estrutura ou beneficiarem segmentos em detrimento de outros.
Agência CanalEnergia: O que deve ser priorizado ou revisitado de imediato?
Mário Menel: O Brasil precisa de investimentos, seja na expansão do sistema, seja na melhoria da qualidade da energia elétrica ofertada para consumo da sociedade. Nesse sentido, é necessário que sejam selecionados pontos que possam tornar o ambiente de negócios mais amigável ou favorável. Entre esses pontos, que são muitos, poderíamos priorizar: i) revisão dos modelos de despacho e de formação de preços, ii) Mecanismo de Realocação de Energia – MRE, iii) correção na alocação de riscos e de custos setoriais e, iv) modelo de comercialização, entre outros. O empreendedor precisa ter confiança no ambiente no qual fará seus investimentos. Sua percepção de risco aumenta muito se verifica constantes recontabilizações, despachos heterodoxos, alocação de custos não previsíveis no momento da decisão do investimento, diminuindo, assim, a rentabilidade do empreendimento. O MRE tal como hoje está, realizando GSF da ordem de 80%, não é adequado para um ambiente de negócios favoráveis e, portanto, deve ser modificado ou mesmo substituído por outro mecanismo aderente à realidade de se ter a matriz elétrica com aumento significativo de fontes não hídricas armazenáveis. Há muito por fazer, em pouco tempo.
Agência CanalEnergia: Como os autoprodutores de energia avaliam o cenário atual, em termos de expectativas e de sinalização ao mercado? Quais são os desafios do modelo?
Mário Menel: A sinalização existente de melhoria da economia nacional cria nos autoprodutores – todos os associados da Abiape são grandes grupos industriais energointensivos – expectativa de ampliação de sua carga elétrica e, consequentemente, de seu parque produtor de energia, observada a premissa segundo a qual a autoprodução confere competitividade à indústria. Para facilitar a decisão de expandir seu parque gerador, os autoprodutores têm uma agenda bem definida que vem sendo discutida com os órgãos de governo, principalmente, com o MME (Ministério de Minas e Energia), EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e com a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica). O grande desafio do modelo será atrair investimentos a serem remunerados adequadamente, impactando tarifas e preços na medida em que não comprometam a competitividade do setor produtivo ou o acesso, pelo consumidor residencial, ao conforto que só a energia elétrica pode proporcionar.
Agência CanalEnergia: As mudanças destinadas a atrair novos investidores já são um passo importante na melhoria do ambiente de negócios do setor elétrico?
Mário Menel: Sem dúvida. Tomemos como exemplo o segmento de transmissão. As melhorias introduzidas no edital tornaram o leilão de abril/2017 mais atraente: tivemos competição em vários trechos, deságios significativos e a chegada de novos empreendedores, além de um número muito pequeno de trechos para os quais não houve proponente. É um passo importante, mas não suficiente. O empreendedor precisa ter segurança jurídica e estabilidade regulatória, certeza de que as regras não vão mudar e os compromissos assumidos vão ser cumpridos. É isso que se espera de uma revisitação ao modelo atual, nitidamente exaurido.
Agência CanalEnergia: A abertura do mercado de gás natural e o avanço de novas fontes de geração na matriz elétrica devem criar novas perspectivas para a autoprodução de energia?
Mário Menel: O gás natural, com oferta abundante e de longo prazo, com preços que dêem ao produto industrial a competitividade necessária para a disputa pelo mercado nacional e internacional cria, sim, perspectivas para o autoprodutor de grande porte, inclusive em processos de cogeração. A fonte eólica, com a redução do seu preço e a certeza do desempenho – ventos brasileiros são considerados os melhores para geração de energia elétrica – apresentam também boas perspectivas para a autoprodução de médio e grande porte. A biomassa tem aplicação em indústrias nas quais seja subproduto, como no caso da produção de papel e celulose, no setor agrícola e no setor sucroalcooleiro. Já a fonte solar deve ocupar, em breve, lugar de destaque na autoprodução de pequeno porte, inclusive, junto aos consumidores residenciais que passam a ser também geradores de suas próprias necessidades de energia elétrica. Conceito de prosumidores.
Agência CanalEnergia: Arranjos de mercado resultantes dos novos recursos tecnológicos devem mudar o perfil de quem produz, de quem transporta e de quem consome energia elétrica? Como será esse futuro sem uma adaptação do modelo?
Mário Menel: O modelo tem que se antecipar às mudanças tecnológicas que já estão acontecendo. Nosso modelo de comercialização é arcaico e incompatível com a modernidade do setor elétrico do mundo desenvolvido. A primeira parte da pergunta poderia ser transformada em uma afirmação: novos recursos tecnológicos devem mudar o perfil de quem produz, de quem transporta e de quem consome energia elétrica. Sem adaptações do modelo, essas modificações demorarão muito mais a acontecer no país, adiando, para nossa sociedade, seus benefícios. O lado bom da história é que há, por parte do Ministério de Minas e Energia, plena consciência dessa realidade. As 22 associações que compõem o Fase (Fórum das Associações do Setor Elétrico) e que participarão em breve do Enase, aguardam o momento de serem consultadas – a exemplo do que aconteceu no segmento de gás natural, com o programa Gás para Crescer – para participarem da construção do modelo com as opiniões de seus associados, a quem caberá, no final, a aplicação dos atos regulatórios resultantes desse processo de adaptação.