O Brasil está em meio a um processo de minirreforma do setor elétrico, onde temos a cada dia mais explicações e novidades sobre as ideias que deverão ir à consulta pública que delineará as mudanças que estão por vir. Na avaliação do presidente executivo da ABCE, Alexei Vivan, o atual momento do setor elétrico e seus desequilíbrios que persistem em todos os segmentos, seja em geração, transmissão quanto distribuição e comercialização abrem a oportunidade de se pensar e estabelecer um novo modelo, mas que aproveite a parte que deu certo.

Vivan participará do principal evento político regulatório do setor elétrico brasileiro, o 14º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico, Enase 2017, promovido pelo Grupo CanalEnergia com o apoio de 20 associações ligadas ao setor elétrico. Neste ano, o tema central será a evolução do modelo setorial, desafios e propostas. O evento será realizado nos dias 17 e 18 de maio, no Centro de Convenções SulAmérica, no Rio de Janeiro. Confira a seguir os principais trechos da entrevista concedida pelo executivo:

Agência CanalEnergia: Na avaliação da entidade, o modelo setorial do setor elétrico adotado com a lei 10.848/2004 atende as necessidades desse mercado atualmente?

Alexei Vivan: O modelo da [lei] 10.848 trouxe alterações positivas para o modelo, deu conforto e segurança jurídica necessárias, bem como solucionou, dentre outras, questões importantes relacionadas à geração de energia. Com o passar do anos e, também, com o advento da MP 579 (renovação das concessões), o modelo da 10.848 foi posto em cheque. Aliado a isso, novas tecnologias, crescimento das fontes alternativas de energia, GD, pressão para que consumidores cativos possam escolher seus fornecedores, entre outras questões requerem a revisão do modelo.

Agência CanalEnergia: O país necessita de um novo modelo completo ou modificações pontuais seriam necessárias?

Alexei Vivan: Acreditávamos que modificações pontuais seriam suficientes e mais fáceis de serem implementadas. Contudo, diante do atual cenário do setor elétrico e dos persistentes desequilíbrios entre os segmentos (Geração, Transmissão, Distribuição e Comercialização), o momento é propício para um novo modelo, que aproveite parte do que aí está.

Agência CanalEnergia: Que tipo de mudanças deveriam ser contempladas em uma alteração do marco regulatório para que pudéssemos ver o atendimento dessas necessidades e por quê?

Alexei Vivan: O negócio da Distribuição precisa ser repensado e blindado. A Distribuição não pode estar sujeita a riscos da comercialização energia elétrica. Ela não ganha na compra e venda de energia elétrica. Também não pode estar sujeita aos riscos da migração de consumidores cativos para o mercado livre ou do retorno do livre para o cativo. Deve ainda estar blindada contra a entrada das novas fontes de energia elétrica ou novas tecnologias, tais como a GD. Deve ser um negócio estável, seguro, em que qualquer alteração em seus custos seja repassada ao consumidor ou assumida pelo Poder Concedente, garantindo o equilíbrio econômico-financeiro da concessão, que é uma utopia, apesar de previsto em lei e nos contratos de concessão.

A Transmissão deve ter maior liberdade operacional e prestar contas posteriormente, com segurança e regras claras em relação aos investimentos e manutenções que podem realizar, sem riscos de não serem reconhecidos pela Aneel na tarifa. O retorno dos empreendimentos existentes de Transmissão deve ser semelhantes ao retorno dos novos empreendimentos, que foram revisados para maior e voltaram a atrair investimentos. Quanto mais se investir em empreendimentos existentes, otimizando-os, menos será necessário investir em novos empreendimentos.

A Geração necessita maior previsibilidade de regras e de preços de energia. As garantias físicas precisam ser repensadas. O cálculo do PLD precisa ser transparente e previsível, tendo sua volatilidade reduzida. Há um risco do negócio do gerador, mas há claramente um risco que não é do negócio, decorrente das decisões tomadas pela operação centralizada do sistema elétrico. Não pode ser tudo colocado no colo do Gerador, como tentaram fazer com o GSF e que resultou nesse tremendo desgaste e judicialização. Os investimentos em Geração estão muito reduzidos atualmente. Se não chove num ano, o ano seguinte é crítico para a Geração. Isso está acontecendo, de novo, em 2017. Escaparemos do racionamento em 2017 por conta da economia desaquecida.

Por isso, precisamos criar um ambiente em que o empreendedor sinta-se confortável para investir, pois são negócios de longo prazo de maturação, operação e retorno. Não basta alterar o modelo e criar um ambiente favorável ao investimento e ao crescimento. É preciso dar a segurança de que o que for definido será mantido e que, se alterado, o empreendedor será regia e efetivamente indenizado, conforme fórmula pré-estabelecida, como uma penalidade pela alteração, pelo Poder Concedente, das bases do negócio em que o empreendedor confiou para investir. Não há credibilidade em relação às regras. Por fim, o setor elétrico não pode, jamais, voltar a ser palco para políticas públicas ou sociais. É um negócio de infraestrutura essencial à economia do país, que requer pesados investimentos e, portanto, retorno. Deve estar livre de ingerências políticas.

Agência CanalEnergia: Dentre os problemas que temos hoje no setor elétrico nacional, qual é em sua opinião o maior desafio a ser enfrentado pelo governo (MME, Aneel, CCEE e EPE) e pelos agentes?

Alexei Vivan: São vários os desafios. Difícil escolher um mais importante, dado ao esfacelamento legal-regulatório pós MP 579. Talvez o mais relevante seja que as mudanças tenham foco na perenidade, na sacralidade dos contratos e das regras, no cumprimento do que for concebido, para que, qualquer alteração não tenha, jamais, efeitos retroativos. E, em havendo alterações, que se indenize quem for afetado negativamente. O positivo a ser ressaltado é que poucas vezes, na história recente do setor elétrico, o Governo Federal teve a competência de reunir tão qualificado time à frente do MME, da EPE, da ANEEL, do ONS e da CCEE. A qualidade dos gestores atuais, aliado ao desprendimento ideológico dos governos anteriores joga luz sobre um futuro promissor e não deixa dúvidas de que o momento de mudar é agora.

Agência CanalEnergia: O atual governo tem pouco mais um ano de mandato, acredita que esse tempo poderá ser suficiente para que alterações sejam implementadas?

Alexei Vivan: Há tempo suficiente para se discutir, negociar e implementar novas regras, mas é preciso começar logo e o MME está empenhado nisso. Só não pode se esquecer de discutir antes, evitando-se o desastre de uma regra nova concebida entre quatro paredes, sem debate com os agentes, como foi a MP 579. Não funciona em nenhum lugar no mundo.

Agência CanalEnergia: Que tipo de discussão deveria ser vista no país em torno do aprimoramento do marco regulatório?

Alexei Vivan: Envolver toda a sociedade é o ideal, mas talvez o momento político conturbado e a urgência de uma solução não permitam. A especialidade e criticidade do momento orientam para que os envolvidos sejam representantes dos segmentos de Geração, Transmissão, Distribuição, Comercialização e Consumo, por meio de suas associações, com os representantes do MME, EPE, ANEEL, ONS e CCEE. Acreditamos que a sociedade estaria representada desta forma, mas com mais efetividade e foco nas discussões e encontro de soluções.

Agência CanalEnergia: Em quanto tempo poderíamos ter uma correção de rumo do setor elétrico que trouxesse um ciclo virtuoso ao mercado e aos consumidores?

Alexei Vivan: Não é possível estimar um tempo, mas com um ambiente estável, com regras claras e transparência das decisões retomam-se a confiança e os investimentos, em benefício de todos. Não podemos nos esquecer de que o mais caro é não ter energia para atender às necessidades da economia e da sociedade.