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A percepção das empresas de que não é possível precificar o risco associado a decisões judiciais que favoreçam consumidores inadimplentes fez com que a atividade do comercializador varejista patinasse desde que foi regulamentada há quatro anos. Ela tem uma participação que pode ser considerada insignificante quando comparada ao potencial de negócios representado pela quantidade de pequenos consumidores que migraram para o ambiente livre nos últimos tempos. Apenas seis empresas de comercialização de energia elétrica atuam nesse segmento para atender 11 clientes, quando os chamados consumidores especiais (carga entre 500 kW e 3 MW) já somam 4 mil de um total de 6,4 mil associados à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica.
O receio das comercializadoras em relação aos riscos não seria, porém, a única causa do baixo crescimento desse mercado. Os números da CCEE mostram que no processo de migração os consumidores especiais (categoria que inclui, por exemplo, shopping centers, supermercados e pequenas atividades industriais) tornaram-se agentes da câmara de comercialização, em vez de optarem pela contratação de energia de um comercializador varejista e serem por ele representados no mercado livre.
Para o superintendente de Regulação Econômica e Estudos de Mercado da Aneel, Júlio Rezende, a falta de divulgação do papel desse agente explica até mais o fato de ter menos consumidores de pequeno porte representados pelas comercializadoras na CCEE do que a eventual avaliação do risco. ”O fato de existir poucos [consumidores ligados ao comercializador varejista] está associado a uma grande facilidade em continuar fazendo do jeito que tem sido feito. A maior parte dos consultores, do pessoal do setor [que orienta os consumidores no processo de migração], tem uma forma de atuar e não vê vantagem em fazer de outra forma”, acredita o superintendente.
O fato é que os comercializadores já discutem soluções para impulsionar o mercado varejista, mas as propostas apresentadas até agora revelam posições distintas, que ainda terão de ser afinadas para que surja um modelo de consenso. Na situação atual, o comercializador varejista assume todo o risco ao vender energia para consumidores de menor porte, e fica responsável por todos os trâmites na CCEE. Nesse processo de contratação são exigidas garantias, mas existe o receio de que o vendedor se veja eventualmente obrigado a manter o suprimento por decisão liminar da Justiça, mesmo com o pagamento suspenso pelo contratante, que pode manter em dia a tarifa de uso da rede da distribuidora à qual está conectado, para evitar o desligamento.
Em debate patrocinado pela Agência Nacional de Energia Elétrica e a Associação Brasileira de Comercializadores de Energia na última quarta-feira, 22 de junho, dirigentes de algumas das maiores empresas do segmento apresentaram sugestões para incentivar o crescimento das adesões ao mercado varejista. Uma delas é a transferência para a Câmara do rateio de uma eventual inadimplência do consumidor, que seria dividida entre todos os demais integrantes do condomínio formado pela CCEE. Outras defendem que a contabilização e a liquidação dos contratos de suprimento sejam feitos pelas distribuidoras de energia, criando a figura da “distribuidora varejista”. A terceira opção seria a criação do supridor de última instância, uma entidade que faria a divisão da inadimplência entre todos os agentes e cobraria do devedor um adicional pelo serviço.
O presidente executivo da Abraceel, Reginaldo Medeiros, admite que é um desafio conciliar interesses tão diferentes dentro da associação. Ele destacou que no momento em que o segmento começou a construir soluções para a comercialização varejista as questões se tornaram mais complexas. “Precisamos voltar para a simplicidade”, alertou no encerramento do debate na Aneel. Ele considera, por exemplo, que não é natural o consumidor do ambiente livre manter relacionamento com a distribuidora, porque essa relação passa a ser com o comercializador.
Defensor da ideia de concentrar a contabilização das operações nas empresas de distribuição, o diretor da comercializadora Tradener, Luís Gameiro, acredita que isso poderia ser feito tanto no caso dos consumidores especiais quando para os de maior porte, classificados como consumidores livres. “A ideia é deixar isso dentro da distribuidora. Ela tem uma unidade de consumo cadastrada. Por que eu tenho que cadastrar outro número debaixo da comercializadora? Vamos manter tudo como está”, defende o executivo.
“Nós estamos a falando de uma outra figura, que é a distribuidora varejista. E ela vai ser remunerada por isso. Se tiver inadimplência já estaria coberta, porque isso vai ser rateado pelos demais ”, explica Gameiro. Ele lembra que, mesmo fora do mercado regulado, o consumidor que não está conectado diretamente à rede de transmissão continua ligado à distribuidora, porque paga pelo uso da rede da empresa. E, como agente da CCEE, ela já entra no rateio da inadimplência quando algum outro participante deixa de cumprir com suas obrigações.
Em princípio, nenhuma das soluções apontadas até agora parece a mais adequada, na visão da Aneel, mas a agência se mostra disposta a discutir sugestões para superar o impasse. Júlio Rezende lembra que a regulação existente deixa o comercializador livre para embutir o risco no preço de seus contratos. Ele admite que é possível regular essa questão, mas revela ter preferência pelo modelo atual, que prevê liberdade total nessa relação. “Se a gente entende que esse risco não deve continuar onde esta, ok, a agência está aberta a rediscutir. Mas, para onde ele vai? Ele não some, tem que ir para alguma lugar, tem que ser alocado a alguém. Quem será? Essa é a discussão”, pondera Rezende.
O superintendente admite a possibilidade de que uma eventual decisão da Justiça garanta ao consumidor inadimplente o direito de não pagar pela energia contratada, e essa conta seja transferida para outros pagantes, como em todas as outras discussões no setor elétrico. O problema, segundo ele, não é o empresário ir ao Judiciário e, sim, o Judiciário não decidir a questão e criar, com isso, um ambiente de incerteza para os negócios do setor. “Essas liminares, que são temporárias, provisórias, garantem uma situação que leva alguém a não pagar por alguma coisa. Só que, pelo fato de não ter uma decisão de mérito, nós não conseguimos alterar a regra”.
“Nosso problema é a decisão judicial. A distribuidora recebe na tarifa um valor pela média da inadimplência. No comercializador isso não existe. Então, ele tem que estar muito atento à qualidade do cliente que tem”, reforça Medeiros. O executivo avalia que para não ficar exposto a um risco elevado, o varejista precisa ter um número maior de clientes, o que não é o caso atual das poucas empresas que exploram esse nicho de mercado.
Medeiros destaca que quando o consumidor é associado à CCEE, e o comercializador faz apenas a gestão do contrato dele, não há concentração do risco, porque o custo de um eventual calote é rateado por todos os integrantes da câmara. Nesse caso, embora seja possível que uma decisão judicial suspenda o processo de desligamento por inadimplência aberto pela Câmara, em algum momento ele pode ocorrer, quando a decisão for revogada.