A recepção de lideranças empresariais e especialistas ao conjunto de princípios apresentados pelo Ministério de Minas e Energia para a revisão do modelo do setor elétrico foi a melhor que o governo poderia esperar, em se tratando de assunto tão complexo e com tantos interesses envolvidos. Se o texto que abre a consulta pública é genérico e cria expectativas em relação à proposta de medida provisória que o MME ainda vai consolidar, a leitura é de que ele retrata posições que são também defendidas pelo mercado.

O coordenador do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mario Menel, disse que está satisfeito com a forma escolhida pela equipe do ministério para iniciar a discussão, e destacou o ineditismo da decisão, que ele considera corajosa. Para Menel, o documento é uma  inovação, “porque, ao colocar o princípio, evita exacerbar as discussões em pontos específicos.”

“Se você for olhar as agendas propositivas do Fase, muita coisa que está aqui estava na agenda do fórum. Por exemplo, a avaliação do impacto regulatório”, destaca o executivo, que também é presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia. Na opinião de Menel, é necessário “ir desarmado” para essa consulta. O processo de discussão tem uma etapa em que serão necessários acertos para a construção de um pacto em que cada segmento vai ceder um pouco, para não prejudicar outros segmentos.

O presidente do Instituto Acende Brasil, Claudio Sales, vê com entusiasmo a publicação das bases conceituais que vão direcionar as ações práticas na reforma do setor. O executivo considera um avanço o conteúdo lançado “em ótima hora” pelo MME, na medida em que aponta para um ambiente de previsibilidade regulatória e confere credibilidade na tomada de decisão por parte do governo. “Nossa expectativa é que esses princípios sejam perenes, convergindo para questões fundamentais em um mercado intensivo em capital”, diz.

Ele lembra que as bases são, em boa parte, fruto de um movimento de natureza acadêmica proposto em 2015 pelo professor Ivan Camargo, da UnB. À época, já com o governo Dilma Rousseff fragilizado politicamente, o ambiente no setor elétrico era de incertezas, fruto dos efeitos da Lei nº 12.783/2013. Desse movimento participaram, além de Sales, o atual secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa. A ideia de Camargo era discutir com membros de diversos segmentos do mercado princípios básicos que deveriam nortear toda e qualquer ação regulatória no setor.

Na visão do presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica, Flávio Neiva, o documento posto hoje em consulta pública tem o mérito de dar, abertamente, o pontapé inicial nas discussões sobre as mudanças a serem implementadas pelo governo, embora traga apenas uma introdução genérica antes da abordagem específica sobre os temas polêmicos que impactam o mercado, entre os quais o tratamento adequado para o Mecanismo de Realocação de Energia e a solução para o risco hidrológico.

“Como princípios básicos, concordamos com tudo o que está ali documentado. Questões como isonomia e transparência são de fato muito importantes para dar um norte ao setor elétrico”, afirma, ponderando, entretanto, que considera curto o prazo de 30 dias estipulado para a consulta pública do relatório governamental com os princípios básicos. Neiva informou ainda que, tão logo as medidas práticas que integram o novo marco regulatório do sejam apresentadas, a Abrage irá participar apresentando suas contribuições.

O presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia, Reginaldo Medeiros,  disse que concorda 100% com o documento, mas defende uma discussão detalhada de todos os pontos listados. “Estamos de acordo integralmente com todos os princípios. Só queremos que [a medida provisória esperada pelo setor] saia o mais rapidamente possível. É muito importante que o  governo expresse com clareza quais são as propostas.” Para os comercializadores, o debate deve incluir  temas como a separação entre lastro e energia; um cronograma de abertura do mercado definido na lei; financiamento do setor elétrico voltado pra energias renováveis e levando em consideração o mercado livre; maior participação dos agentes privados no Conselho Nacional de Política Energética e no Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico; a reestruturação do setor de energia elétrica, com o repasse de parte do beneficio econômico aos consumidores; acesso à energia de forma isonômica por consumidores livre, especiais e cativos.

Medeiros considera positivo o posicionamento do governo, mas destaca que “o senso de urgência é muito grande no setor.” Até o fim do ano é um prazo razoável, em sua opinião, para o texto da MP com as bases do novo marco legal do setor seja enviada ao Congresso Nacional.

O presidente da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres, Edvaldo Santana, afirma que o documento do MME é uma ideia inicial ainda, mas considera que a carta de princípios está na direção correta e dentro da expectativa de quem espera aprimoramentos importantes no sistema elétrico.

Santana considera que o governo está sendo transparente ao explicitar como pretende tratar os temas no processo de aperfeiçoamento do modelo. “As medidas são importantes e exigem celeridade, mas, entre a celeridade e fazer uma coisa bem feita, eu prefiro fazer a coisa bem feita e perder na celeridade. Não adianta querer fazer uma coisa apressada e não sair boa, não sair correta. Discutir e analisar os reflexos de cada passo. Isso é o mais importante agora.”

O governo, segundo o executivo, deve divulgar agora não uma minuta de norma, mas detalhar esses princípios sob a forma de um regulamento. Dizer por exemplo como vai cumprir cada princípio. Parte do mercado espera que alguma coisa nesse sentido seja publicada ainda esta semana.