O leilão de outorgas de hidrelétricas da Cemig pretende arrecadar R$ 11 bilhões, mas o valor não retornará ao setor elétrico, pois será utilizado pelo Tesouro Nacional para cobrir déficit fiscal. O Tribunal de Contas da União (TCU) encontrou falhas na licitação, que dizem respeito ao processo de escolha do critério de julgamento, à fragilidade do debate público e à metodologia de cálculo do custo de capital.
O TCU concluiu na quarta-feira, 26 de julho, análise do primeiro estágio de fiscalização do Leilão-Aneel 1/2017, referente à licitação das concessão das usinas São Simão, Jaguara, Miranda e Volta Grande. As usinas já se encontram em operação e estão localizadas nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Goiás.
Conforme disposto na Constituição Federal, as concessões de serviço público deverão ser sempre precedidas de licitação. As quatro hidrelétricas são operadas pela Cemig, com base em contratos de concessão que venceram entre agosto de 2013 e fevereiro de 2017.
Para o Tribunal, no entanto, na forma como a licitação foi modelada, não há garantia de que tal recurso financeiro retorne ao setor elétrico, sequer para custear indenizações de saldos não amortizados ao antigo titular da concessão. Pelo contrário, os recursos arrecadados serão destinados pelo Tesouro Nacional, total ou parcialmente, para auxiliar a cobrir déficits ou compor superávits fiscais, disse o relator do processo, ministro Aroldo Cedraz.
Conforme a avaliação do TCU, o modelo de leilão utilizado acarretará ônus ao consumidor de energia elétrica. Segundo o relator, o ressarcimento ao futuro concessionário do valor de bonificação de outorga desta licitação implica um acréscimo de ônus ao consumidor superior a R$ 1,34 bilhão ao ano, até 2047, além de outras decisões relativas ao setor, que impactaram o consumidor em, no mínimo, R$ 97,7 bilhões até 2045.
O Tribunal constatou também que o processo de escolha do critério de julgamento da licitação não foi acompanhado de uma avaliação de impacto de médio e longo prazos, que levasse em conta os efeitos no setor elétrico. A falta dessa avaliação, para o TCU, impede que o governo federal apure se vale a pena prejudicar a modicidade tarifária em R$ 1,3 bilhão por ano, por 30 anos, em nome da meta fiscal de apenas um único exercício. O objetivo maior, portanto, que teria norteado as decisões no leilão foi obter arrecadação para ajudar a cumprir a meta de déficit fiscal do governo no exercício de 2017, avaliada em RS 139 bilhões negativos.
Outro problema encontrado foi a fragilidade do debate público na proposta do governo federal para o leilão. Além de a audiência pública ter admitido contribuições em prazos inferiores aos estabelecidos, ela desconsiderou aspectos importantes, como o critério de julgamento da licitação e os valores mínimos de bonificação pela outorga.
O Tribunal também constatou que a metodologia de cálculo de custo de capital não considerou que se tratava da licitação de usinas já em operação, com riscos praticamente nulos e maior capacidade de conseguirem financiamentos, o que deveria resultar em um valor de taxa de desconto menor.
O ministro-relator comentou, ainda, que, a exemplo dos setores de petróleo e telecomunicações, “o setor de energia elétrica não foi o único em que o TCU apontou que poderia estar havendo priorização excessiva do alcance de metas fiscais na definição das condições de outorga de concessões, em detrimento das particularidades e das necessidades do respectivo setor de infraestrutura”.
Em decorrência da análise realizada sobre a viabilidade econômica do leilão, o TCU decidiu pelo prosseguimento do certame com a condição, no entanto, de que algumas condicionantes sejam observadas para correção das fragilidades. Assim, foram emitidas determinações e recomendações ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), ao Ministério de Minas e Energia (MME) e à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).