Após sete meses desde que abriu a consulta pública no.33, cuja meta é a de aprimorar o marco legal do setor elétrico brasileiro, o Ministério de Minas e Energia divulgou a Proposta Compilada de Aprimoramento contemplando as sugestões apresentadas pelos agentes no período de contribuição. O Ministro de Minas e Energia, Fernando Coelho Filho, encaminhou à Presidência da República o projeto de lei que se aprovado da forma que está apresentado altera outras nove leis promulgadas desde 1971.
Na apresentação da proposta o governo destacou que o setor elétrico mundial está sujeito a pressões para mudanças em seu quadro regulatório, comercial e operacional. E que essas “pressões são exercidas por fenômenos tecnológicos e socioambientais que representam condições de contorno para o funcionamento da indústria elétrica e por fricções nos modelos de negócio hoje prevalentes. A evolução tecnológica, com impactos já significativos sobre a competitividade de diversas classes de equipamentos e com perspectivas de reduções ainda mais pronunciadas de custos em um futuro próximo, é uma das principais condições de contorno para mudanças no setor.”
Nesse contexto cita a queda de preços das fontes renováveis de recursos distribuídos como a geração distribuída, armazenamento e carros elétricos, bem como, as tecnologias de medição avançada e de comunicação bidirecional com consumidores varejistas. E ressaltou ainda a valorização da possibilidade de escolhas individuais no sentido de abertura do mercado livre.
Alguns dos fatores externos indicados, apontou o MME, já geram fricções no modelo regulatório e comercial atualmente em uso. Em sua avaliação, mecanismos centralizados de gestão de risco no mercado atacadista começam a dar sinais de exaustão na medida em que outras estratégias além da operação sinérgica do parque hidrelétrico têm sua importância majorada para a garantia de economicidade e confiabilidade do sistema. Já no segmento de varejo, são vistos obstáculos regulatórios à captura de valor individual do emprego de tecnologias e estratégias de gestão do consumo representam barreiras ao desenvolvimento de soluções que teriam benefícios líquidos para o sistema como um todo. E apontou ainda a questão da judicialização do setor como uma estratégia comum de preservação de posições de diversas classes de agentes no lugar da busca de eficiência empresarial e produtiva.
“As fricções descritas apontam para um possível esgotamento do modelo regulatório e comercial vigente no Brasil. Faz-se mister, portanto, construir uma visão de futuro, contemplando elementos básicos que levem a um modelo adaptado às pressões externas às quais o Setor Elétrico Brasileiro é exposto e que garanta sua sustentabilidade no longo prazo”, indicou.
O MME coloca ainda que a Aneel apresente proposta – até 31 de dezembro de 2020 – com o objetivo de promover aprimoramentos regulatórios para o mercado de energia brasileiro visando ao desenvolvimento e crescimento de bolsas de energia criadas no ambiente privado. Ressaltou que devem ser ouvidas as instituições reguladores do Sistema de Pagamentos Brasileiro e das bolsas de valores – Banco Central do Brasil e Comissão de Valores Mobiliários.
“Essa articulação é importante para que se evite sobreposição de regras ou conflito de competência, uma vez que a regulação financeira seria, a princípio, aplicável a qualquer mercado financeiro relevante”. O ministério argumenta que em linha com a abertura do mercado de energia, a proposta traz a possibilidade de reduzir a obrigação de contratação dos consumidores livres como forma de flexibilizar as alternativas de gestão de risco. Na medida em que o mercado livre se amplie, podendo inclusive chegar ao mercado de baixa tensão, essa flexibilização tende a atingir todos os consumidores. Por outro lado, é preciso estudar a separação de fio e energia, o suprimento regulado de última instância, a estabilidade tarifária e seus efeitos na expansão antes de generalizar essa flexibilização a todos os consumidores ou ao mercado regulado, ressaltou o governo por meio do documento de 37 páginas publicado há pouco.
Cotas
Partindo para os temas específicos da consulta pública o MME apontou para o fim do regime de cotas para as UHE prorrogadas ou licitadas e destinação de parte do benefício econômico das outorgas para a CDE. A medida, argumenta o governo, se alinha a todas as discussões empreendidas e representam convergência com a medida de descotização prevista no Projeto de Lei que trata da Desestatização da Eletrobras, já encaminhado ao Congresso Nacional. Essa medida, apontou, é fundamental para uma expansão sustentável do mercado livre, pois aumenta a flexibilidade de gestão de compra de energia pelas distribuidoras, evitando sobras, e atribuiu adequadamente o risco do negócio de geração de energia hidrelétrica a quem aufere renda ao gerador.
Mercado Livre
Aliás a questão do mercado livre foi levemente alterada ante a proposta original. A partir de janeiro de 2020 o requisito mínimo de carga para acessar o ACL é de 2 MW, um ano depois cai para 1 MW, em 2022 recua para 500 kW. Em 2024 a 300 kW até que em 2026 não se aplica o requisito mínimo de carga para consumidores atendidos em tensão igual ou superior a 2,3 kV. A obrigatoriedade de consumidores com carga abaixo de 1 MW serem representados pelos consumidores varejistas foi mantida.

O caminho para as distribuidoras que ficarem com excesso involuntário de energia contratada decorrente das opções de migração foi apontado. Serão alocados a todos os consumidores dos ambientes de contratação regulado e livre, mediante encargo tarifário na proporção do consumo de energia elétrica. O cálculo será efetuado pela Agência Nacional de Energia Elétrica.

Separação lastro e energia
A proposta final fixa um calendário para implantação do modelo de contratação de lastro separado da energia, considerando a intensidade esperada para a migração de consumidores ao mercado livre a partir do requisito de 1 MW. Com essa orientação, a proposta prevê que o poder concedente estabeleça até 30 de junho de 2020 o regulamento para a contratação de lastro, o que permite a contratação de lastro já em 2021. Além da preocupação com a abertura do mercado, esse prazo de 2021 é concatenado à regra de apuração do encargo de lastro, a qual deverá prever que contratos firmados até 31 de dezembro de 2020 abaterão, ao longo de sua vigência, a base de cálculo para apuração do pagamento por consumidor. Dessa forma, apontou, estabelece um horizonte claro para as decisões de contratação e definição de preços para as negociações de energia no mercado livre.
Também foi colocado dispositivo que prevê que, a partir da implantação da separação de lastro e energia, o poder concedente poderá contratar a energia no mercado regulado sem diferenciar empreendimentos novos e existentes e com livre definição da data de início de suprimento, em linha com a uniformidade do produto energia nas consultas públicas promovidas pelo MME, e contratar empreendimentos por fonte ou híbridos, o que valorizaria as energias renováveis e as soluções de armazenamento.
RGR pagará transmissão
A proposta de direcionamento de recursos da Reserva Global de Reversão para pagamento das receitas de transmissão foi mantida, com aprimoramentos. São eles, a desistência de ações que questionam os pagamentos dos ativos anteriores a 2000 se restringe àquelas atualmente ajuizadas, e ainda, as concessionárias de transmissão precisam aceitar o aditamento de seus contratos de concessão para alterar a taxa de correção e estender o prazo de pagamento dos valores de recomposição de receita previstos na Portaria MME nº 120, de 2016. O MME acredita que essa proposta aumenta sua exequibilidade, o que tende a contribuir com maior eficácia para a desjudicialização do setor.
Migração para o mercado livre
A proposta traz a classificação da migração de consumidores como hipótese de sobrecontratação involuntária das distribuidoras a ser paga via encargo, caso a sobra se encontre acima da faixa de tolerância para repasse tarifário definida no Decreto nº 5.163, de 2004. Além disso, a exemplo do que foi definido para o encargo de lastro, a proposta prevê abatimento da obrigação associada ao pagamento do encargo de sobrecontratação na apuração da base de cálculo, que deverá deduzir contratos firmados até 31 de dezembro de 2020 enquanto esses contratos tiverem vigência. Essa, justificou o MME, é mais uma forma de incentivar a contratação como forma de proteção ao risco, em linha com várias contribuições recebidas que questionaram o repasse desse custo inclusive a consumidores livres que se contrataram no longo prazo. A proposta aprimora ainda a venda de excedentes pelas distribuidoras em mecanismo centralizado.
Mercado regulado
Esta parte apresenta o maior volume de explicações dentro dessa proposta. Neste item estão estabelecidas diretrizes para a consideração no cálculo das tarifas do sinal locacional de preço, inclusive na rede de distribuição, além da consideração de eventuais benefícios da geração próxima da carga. Essas são formas, indicou o documento visam racionalizar a remuneração de externalidades, viabilizando fontes pelo mérito que agregam ao sistema, em vez de subsídios não transparentes e que não manifestam adequadamente os incentivos para inserção virtuosa das alternativas de suprimento energético.
“Tarifas horárias são mais um instrumento para valoração adequada da energia já que, além de tornarem o consumo mais eficiente por meio de um maior acoplamento com o sinal de preço e com a operação, podem agregar valorar à geração capaz de atender as horas críticas do sistema”, avaliou o MME por meio deste documento. Ainda está proposto o pré-pagamento. E ainda, um compromisso temporal para a tarifa binômia, deixando o detalhamento da matéria para regulação.
Desjudicialização do GSF
Quanto ao risco hidrológico, a proposta de alteração na Lei nº 13.203 visa afastar de forma prospectiva e retroativa do Mecanismo de Realocação de Energia três elementos. São eles, a geração fora da ordem de mérito, antecipação de garantia física outorgada a projetos estruturantes e restrição de escoamento desses empreendimentos estruturantes em função de atraso na transmissão ou entrada em operação de instalações de transmissão em condição técnica insatisfatória. O MME lembrou que a exclusão da componente geração fora da ordem de mérito do risco hidrológico já foi reconhecida pela lei e que a retroação desse item, que já não impacta hoje os geradores, e sua compensação via extensão de prazo incentivam a desistência das ações judiciais que estão travando o mercado, sem que isso onere o consumidor.
“Ressaltamos que, tanto o arranjo prospectivo quanto o retroativo desses itens não causa elevação nas tarifas e, em conjunto com a retroação do item que trata da geração fora do mérito, constitui elementos fundamental para o destravamento do mercado”, destacou.
Faz parte ainda das alterações, aumentar a concorrência no setor elétrico e criar um ambiente favorável ao desenvolvimento de fontes alternativas de geração ao atrair capital externo para investimentos no país, desenvolvimento de um mecanismo de mercado para valoração dos atributos ambientais, que permite capturar o progresso tecnológico e o barateamento das fontes com baixa emissão de carbono, a racionalização dos descontos tarifários, alteração da base de cálculo para penalidades às distribuidoras e diretrizes para utilização de recursos de P&D.
Junto com a minuta do PL estão documentos finais que deram subsídio para a formatação do documento. Todo o material, com chamada “Fechamento da CP 33”, está disponível na Consulta Pública 33, no site do MME.