O setor recebeu com otimismo a portaria do MME no. 65 que trouxe a atualização dos Valores Anuais de Referência Específicos (VRES) para os Sistemas de Geração Distribuída. A publicação aumentou o número de fontes com valores para que as distribuidoras possam definir em suas chamadas públicas a modalidade de geração que mais interessa para o atendimento de seu mercado. Anteriormente apenas a solar fotovoltaica e a cogeração a gás natural tinha esse valor definido. Apesar da definição, a falta de um prazo para que a Agência Nacional de Energia Elétrica elabore o contrato preocupa o setor.
A portaria apenas indica que essa contratação de energia deve utilizar os modelos de contratos elaborados pela agência reguladora. Contudo, não há a indicação de quando a agência reguladora deverá apresentar essa minuta ao mercado. Já havia essa indicação desde 2015, quando foi publicada a lei 13.203, que instituiu o VRES. Na agenda regulatória da Aneel para o biênio 2018/2019 não consta nenhuma menção à definição desses contratos entre os 77 itens deliberados em reunião ocorrida em novembro do ano passado para a definição dos temas dessa agenda.
Agora são oito diferentes fontes no setor à disposição das distribuidoras. Os valores do VRES foram calculados pela Empresa de Pesquisa Energética e podem ser conferidos ao
clicar aqui.
Segundo cálculos da Cogen, desde a lei 10.848/2004 quando se abriu a possibilidade de incluir a geração distribuída no setor elétrico devem ter sido registrados contratos que somam 98 MW médios divididos em nove projetos pontuais nesse período. O potencial de mercado para essa modalidade é de cerca de 4,5 GW médios, os 10% da carga das distribuidoras no Brasil.
Contudo, lembrou o presidente executivo da Cogen, Newton Duarte, somente com o Valor de Referência, estabelecido até 2015 como o preço a ser utilizado para essas contratações, resultado da média dos preços praticados em leilões de energia nova, não era possível contratar nada. Até porque foram incluídos apenas a cogeração a gás e a solar fotovoltaica naquele ano.
“Os valores definidos pela EPE estão próximos aos que calculamos, obviamente que foram puxados um pouco para baixo, mas estão em linha. Nossa expectativa é tão logo a economia responda como imaginamos que pode ocorrer, as distribuidoras deverão recorrer à GD em sua área de concessão”, comentou Duarte. Mas ele lembrou que a Aneel precisa estruturar essa chamada pública para até ajudar as concessionárias que não têm corpo próprio para promover essa ação.
Em
artigo publicado na
Agência CanalEnergia, os advogados Rosane Lohbauer e Rodrigo Machado do escritório Madrona Advogados lembram que por se basear nos leilões de geração centralizada, o VR simplesmente desconsidera vantagens técnicas inerentes da geração distribuída, como redução das perdas com transmissão, dispersão dos impactos ambientais, desoneração do sistema interligado – sem contar os benefícios sociais como geração de empregos e desenvolvimento econômico local.
O gerente de bioeletricidade da Única, Zilmar de Souza, destacou que essa é uma importante notícia para o segmento sucroalcooleiro. Mas lembra que o preço ainda está 6% acima do que foi indicado no mais recente leilão de energia para o mercado regulado no qual a fonte participou. Apesar de considerar um avanço ante o que se tinha anteriormente, ele indicou que esse valor poderia ser melhorado sim ao considerar as externalidades da fonte como a questão da transmissão evitada e a confiabilidade de entregar energia justamente no período de safra, que coincide com o período seco no país.
Desde 2004 a biomassa praticamente não viabilizou projetos de geração distribuída. O executivo apontou que houve duas iniciativas de pequeno porte, uma no Nordeste e outra no estado do Mato Grosso do Sul. “Até 2015 o preço estava baixo e por isso não saía do papel, agora é bom termos esse VR específico e pode-se até mesmo pensar em um aprimoramento do marco legal do setor ao mudar, por exemplo, a área de contratação da GD via distribuidoras, passando de área de concessão para área geoenergética”, defendeu.
Ele é mais um que externou a preocupação com a agilidade em se ter a definição do contrato indicado na portaria do MME. Esse processo, lembrou, deverá passar por uma audiência pública da Aneel que deve chamar a sociedade para a discussão. Essa indefinição, contou ele, pode ser uma barreira em termos de prazos. “Esperamos que não seja, pode ser um rito ágil na Aneel, tanto que nós da Única vamos estar com o Romeu Rufino [diretor geral da agência] e levar este tema a ele e verificar como eles pretendem abordar esse requisito que está na portaria”, comentou.
A falta de um contrato definido pela Aneel foi um dos pontos que inviabilizaram a expansão via distribuidoras da geração distribuída até para uma das fontes que em 2015 obteve um preço de referência específico, a solar fotovoltaica. De acordo com presidente executivo da Absolar, Rodrigo Sauaia, apesar do valor de R$ 454/MWh não houve contratação das distribuidoras por não existirem os modelos contratuais da Aneel.
“Ainda há trabalho a ser feito para viabilizar a contratação de energia por GD via distribuidoras, esta parte ainda está em aberto. É preciso que seja estabelecido o modelo contratual, acreditamos que o melhor é ter um para cada fonte, ou como seja mais adequado de acordo com a visão da Aneel”, indicou Sauaia. “Nossa sugestão é de que seja feito contrato diferenciando as fontes para aproveitar melhor as características de cada uma”, acrescentou.
O representante do setor solar fotovoltaico destacou ainda que não é possível avaliar se os valores apresentados para as fontes, e isso no geral, são factíveis para o setor. Ele justifica esse posicionamento pelo fato de que é necessário conhecer os termos desses acordos porque isso é chave para avaliar e definir a competitividade da energia. E exemplificou ao apontar entre os questionamentos se o modelo que será apresentado será suficiente para mitigar riscos, atender a prazos para viabilizar financiamentos dos projetos. “Muito provavelmente que a EPE levou em consideração uma série de premissas, mas seria interessante termos acesso a esses dados na medida do possível, pois quanto maior transparência, mais interessante fica o debate técnico e econômico”, sugeriu.
Em nota, a Abegás informou que o aumento de 37% no valor do VRES para a cogeração a gás natural demonstra a importância do combustível nesse momento de retomada da atividade econômica do país, especialmente a da indústria, em um cenário de previsível aumento do consumo de energia elétrica e a consequente necessidade de sua oferta. E ainda, que a publicação desse novo valor, portanto, é um sinal positivo que qualifica a relevância estratégica do GN.
A Aneel foi procurada pela reportagem para comentar o tema e apontar quais serão os próximos passos no sentido de atender a portaria do MME, mas não havia respondido até o fechamento desta reportagem.