Auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União entre setembro e dezembro do ano passado apontou o desvirtuamento e a baixa eficácia do mecanismo de Bandeiras Tarifárias. A fiscalização do TCU destaca evidências de que o instrumento que sinaliza o custo mensal da geração de energia elétrica para o consumidor tem assumido “um papel cada vez mais importante de antecipar receitas para evitar um acúmulo de custos para as distribuidoras de energia, deixando em segundo plano a pré-anunciada intenção de atuar como sinalizador para redução de consumo.”
O trabalho teve como finalidade verificar se as bandeiras têm funcionado como sinal de preços ao consumidor, para induzir a redução do consumo diante do aumento dos custos operacionais do sistema; e se têm sido efetivas no incentivo à eficiência nos reajustes tarifários das distribuidoras. Outro objetivo era avaliar se havia uma gestão adequada das receitas repassadas às concessionarias e permissionárias do serviço de distribuição, por meio da Conta Bandeiras.
O mecanismo de bandeiras tarifárias usa um sistema de cores para indicar mensalmente se houve melhora ou piora nas condições de geração. Quando a bandeira é verde, não há custo adicional para o consumidor. Na bandeira amarela, há um acréscimo na conta de energia de R$ 1,00 a cada 100 kWh consumidos; na vermelha, o custo adicional varia de R$ 3,00 no patamar 1 a R$ 5,00 a cada 100 kWh, no patamar 2.
Ele foi implantado em janeiro de 2015 e, desde então, teve suas regras de acionamento alteradas em três ocasiões, lembra o tribunal. Do início de aplicação do sistema até fevereiro de 2018, o consumidor pagou cerca de R$ 21,6 bilhões.
Em outubro do ano passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica abriu audiência pública para alterar a metodologia e torná-la mais próxima da realidade da operação, além de definir os novos valores das bandeiras para 2018. Tanto a mudança proposta quanto os valores foram aplicados de forma provisória já a partir de novembro.
O TCU destaca que a mudança se deu em razão do saldo negativo da conta bandeiras, que acumulava em outubro de 2017 déficit em torno de R$ 4,4 bilhões. Em novembro, o valor já alcançava R$ 4,8 bilhões. Para o ministro Aroldo Cedraz, relator do processo, o déficit crescente indica “má performance do sistema em estudo.”
Em seu voto, o ministro afirma que com a revisão dos critérios de acionamento das bandeiras, a Aneel deixou de considerar apenas as previsões de despacho para o mês do Operador Nacional do Sistema Elétrico e passou a dar mais peso aos itens de custos com maior impacto no mecanismo. Assim, entraram nessa conta os riscos hidrológicos de Itaipu, das usinas contratadas em regime de cotas e das hidrelétricas que aderiram à repactuação desses riscos em 2015.
“Tenho por inadmissível que a Aneel, enquanto não forem adotadas medidas eficazes voltadas a priorizar a sinalização, para os consumidores, dos custos reais da geração de energia elétrica e a mensurar o alcance dessa sinalização, continue a veicular e disponibilizar, em seu site ou em quaisquer outros meios de comunicação, informações no sentido de que essa sinalização seria o principal objetivo do Sistema de Bandeiras Tarifárias”, afirma Cedraz. Por sugestão do ministro, o tribunal deu prazo de 180 dias para que o Ministério de Minas e Energia e a agência reguladora faça o realinhamento do mecanismo de bandeiras “aos reais objetivos almejados pela política”, independentemente de qual seja o principal propósito.
As observações de Cedraz não se limitam à atuação da Aneel. Ele critica “a estratégia de governo de repassar aos consumidores cativos certos ônus relacionados ao sistema elétrico nacional”, como o risco hidrológico que deveria, em sua avaliação, ser assumido pelos geradores.
O relator afirma que a sobrecarga – que hoje representa um custo mensal na casa de R$ 1 bilhão para o consumidor, só com as bandeiras tarifárias – “parece estar se desenhando no âmbito das ações postas em curso pelo Governo Federal com vistas à privatização da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras).” Ele destaca que o projeto de lei 9.463, que trata da venda do controle da estatal, prevê a transferência do risco hidrológico para a empresa, com a descotização das hidrelétricas, e a estimativa da Aneel é de que isso terá impacto, no curto prazo, da ordem de 7% na tarifa.
No médio prazo, a mudança pode levar a uma “futura nova transferência do risco hidrológico para o mercado regulado”, em consequência de questionamentos judiciais ou administrativos das geradoras do grupo. Ele cita como exemplo disso a transferência do risco hidrológico dos geradores com contratos no mercado regulado para o consumidor, por meio da repactuação feita há três anos.
O ministro também aponta “relevante indício” de sobrecarga tarifária para o consumidor cativo, caso a Eletrobras seja privatizada nas condições propostas pelo governo, em razão do pagamento das indenizações pelos ativos de transmissão anteriores a maio de 2000. O valor a ser indenizado é estimado em R$ 62 bilhões. Ele ressalta que a indenização ainda está sendo auditada pelo TCU.
O tribunal de contas vai discutir o processo de privatização da estatal, em evento previsto para o próximo dia 27, em Brasília. O TCU, segundo o ministro, já instaurou processo de acompanhamento da privatização para apurar se a decisão do governo “ passou por uma robusta e fundamentada avaliação de cenários e de soluções relativos ao futuro da estatal e se foi dada primazia ao interesse público, considerando-se, entre outros aspectos, a celeridade que tem se buscado dar a esse processo de alienação.”