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O ambiente político no Brasil não afeta a percepção dos investidores que pensam no país com uma perspectiva de médio e longo prazos. A avaliação é do embaixador do Reino Unido no país, Vijay Rangarajan. “Todos os investidores britânicos com os quais eu converso cada semana estão aumentando seus investimentos aqui”, garante o diplomata. Rangarajan afirma que as instituições brasileiras funcionam e a incerteza econômica no país não chega a ser preocupante.  Fortes em petróleo e gás, os investidores britânicos pretendem ampliar sua presença em energias renováveis. Isso inclui não apenas os biocombustíveis, onde a Shell já tem participação importante, por meio da parceria com o grupo Cosan, na Raízen; como também nos segmentos de energia eólica e solar fotovoltaica.

A discussão sobre a redução das emissões de carbono no mundo também criaram um mercado promissor para os investimentos, e as chamadas “finanças verdes” foram o ponto mais importante da visita do ministro da Fazenda britânico, Philip Hammond, ao então ministro Henrique Meirelles, no ano passado. “Estamos tentando ligar o mercado financeiro de Londres com investimentos aqui em matéria de solar e eólica, para que ambas as partes possam se beneficiar. Investimentos enormes, mas também investimentos de longo prazo sustentáveis para nossos fundos de aposentadoria e todos os fundos de investimento em Londres”, destaca o embaixador.

Há uma previsão de investimento dos denominados “fundos de prosperidade” na criação de um centro destinado a  trabalhar questões como financiamento, energias renováveis, armazenamento e redes inteligentes, todas voltadas para as fontes intermitentes. “Iremos investir quase 80 milhões de libras aqui o Brasil”, conta  Vijay Ragajaran, em entrevista à Agência CanalEnergia. A atuação em todas essas áreas será feita em parceria com instituições como BNDES,  grandes empresas como as britânicas Shell e BP, e a Petrobras. Veja os principais trechos da entrevista:

Agência CanalEnergia: Como o senhor avalia a conjuntura atual do Brasil? As incertezas do cenário político podem afastar potenciais investidores? Qual é a visão de quem está do lado de cá vendo a nossa conjuntura hoje, em termos de percepção de investimento?

Vijay Rangarajan: Muita gente está um pouco mais pessimista que eu. Entendo por que. É parte da história recente do Brasil, é parte de todo esse cenário político, de mudanças do governo, imprevistos e tudo. Então, entendo que foi um período difícil. Entendo, além disso, que a recessão foi brutal. A recessão, quando o país perde quase 10% do PIB, é uma situação muito difícil.

Entendemos isso muito bem, porque, depois do Brexit anunciado no Reino Unido, sentimos quase o mesmo. Mas eu me sinto muito mais otimista, porque todas as bases econômicas são fortes. As instituições aqui são totalmente fortes. Isso é cada dia mais uma surpresa: a força das instituições brasileiras. E não vemos nada de diminuição do investimento aqui no Brasil.

Todos os investidores britânicos com os quais eu converso cada semana estão aumentando seus investimentos aqui. Quais são eles? Shell, BP, British Gas, Unilever. Todos eles estão investindo quase 3 bilhões, 4 bilhões de libras cada ano no Brasil. E por quê? Porque no longo prazo, no médio prazo, é um país do futuro. Tem todas as possibilidades de energia. Um mercado enorme, uma população jovem. Então, muitas possibilidades e um poder internacional enorme. Em todas as áreas de investimentos vemos que a economia está voltando a crescer pouco a pouco.

Em todas as democracias, onde temos verdadeiramente democracias, o povo tem uma escolha entre diferentes candidatos. É claro que tem uma escolha muito importante no Brasil. Para nós, temos muitas escolhas com o Brexit e depois a forma do Brexit que vamos seguir, mas essa incerteza política é uma parte muito importante de uma democracia. Então, o mais importante é que tenho confiança de que as instituições vão funcionar e que essa incerteza econômica não é enorme. Com certeza tem escolhas entre os investimentos para qualquer novo governo. Mas eu tenho, todos os nossos investidores e muitos colegas também têm certeza de que o rumo de abertura da economia, com a adesão à OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), como privatizar algumas partes da economia, rumo a uma economia mais competitiva, é quase estabelecido. Isso é muito importante.

“Todos os investidores britânicos com os quais eu converso cada semana estão aumentando seus investimentos aqui”

Agência CanalEnergia: Os investimentos britânicos em energia hoje no Brasil estão mais concentrados na área de petróleo e gás.

Vijay Rangarajan: Parte em petróleo e gás. Fizemos esse Energy Showcase no Rio faz um mês. E, pela primeira vez, parte desse Energy Showcase, que é nosso evento mais importante do ano para fortalecer o relacionamento entre comércio e energia em ambos os países, tinha parte de energia renovável – parte de solar, eólica, biocombustíveis. E por quê? Porque petróleo e gás são enormes. Temos esse intercâmbio de experiência, de investimento.

Mas, para o futuro, nossa política é fortalecer essa parte da energia verde. Em muitos diferentes sentidos, muitas diferentes ações. Então, estamos fortalecendo, ainda mais que petróleo e gás, nossos laços e ligações da energia renovável.

Agência Canal Energia: Mas o que os investidores estão pensando, porque nós temos outras empresas europeias, por exemplo, que têm uma presença muito forte nessa área de produção de energia, principalmente energia renovável?

Vijay Rangarajan: São muitos [os investimentos britânicos no país]. A maior usina de biocombustíveis do Brasil é da BP. Shell tem muitos investimentos com essa joint venture da Raízen em biocombustíveis. Então, com a aprovação do Renovabio, isso ajuda a planejar investimentos de longo prazo em biocombustíveis. Com certeza, o Brasil é líder mundial em biocombustíveis, mas ainda é uma tecnologia em desenvolvimento.

Precisamos de muito investimento em tecnologia. Depois, para fazer essa tecnologia em grande escala. Não é fácil, mas o Brasil é um dos únicos países mundo que tem área suficiente para fazer na escala adequada. E políticas que a apoiam, e a tecnologia que ajuda. Acho que essa parte de biocombustíveis vai ser muito importante.

Além disso, tem três outras tecnologias que são muito importantes. Eólica offshore, estamos fortalecendo esses investimentos. Eólica offshore é muito interessante para vocês, porque vocês têm uma costa enorme. É metade do tamanho da área de todo o país. Amazônia azul. É impressionante.

Segundo, solar, porque também tem sol aqui melhor que no Reino Unido. O potencial solar é enorme. E a tecnologia solar está se desenvolvendo com rapidez, e a um custo muito baixo.

E, finalmente, a parte mais importante para nós é investimento. Então, ao seguir as negociações das Nações Unidas, de Paris, todos os países do mundo tem que baixar sua intensificação de carbono. O Brasil tem compromissos muito fortes, o Reino Unido tem, e com tecnologia isso ajuda, mas precisamos de investimento suficientes para implementar essas tecnologias. Isso é um problema, porque não tem [investimentos] suficientes em todo o mundo.

Então, estamos trabalhando, e, no último ano, nosso ministro da Fazenda, Philip Hammond, visitou aqui para uma conferência com o ministro [Henrique] Meirelles, e a parte mais importante dessa conversa [foi] sobre finanças verdes. Então, estamos tentando ligar o mercado financeiro de Londres com investimentos aqui em matéria de solar e eólica, para que ambas as partes possam se beneficiar. Investimentos enormes, mas também investimentos de longo prazo sustentáveis para nossos fundos de aposentadoria e todos os fundos de investimento em Londres.

Isso é um ponto muito importante, porque todos os estudos mostram que um ponto muito difícil no futuro dessa transição energética é sua taxa de investimento. Precisamos de US$ 300 bilhões, algo enorme do investimento, e US$ 2 trilhões para todo o mundo. Como conseguir investir o suficiente para fazer para fazer a transição energética de maneira rápida para evitar mudança climática?

Agência CanalEnergia: E na opção de produzir energia com mais segurança, que é a opção térmica, também há muita polêmica, principalmente quando se fala em térmicas fósseis. A gente tem um potencial de biomassa muito grande, mas que não é desenvolvido o suficiente, não é explorado ainda.

Vijay Ragajaran: Esse [segmento] precisa mais tecnologia. Fala-se em intermitência. Tem um problema com certeza, mas não é um problema sem soluções. Para nós, nossa matriz energética é em parte de base nuclear. Vocês estão desenvolvendo este reator multipropósito brasileiro, que é muito interessante. E com a parte intermitente da renovável e abastecimento de energia.

Isso é outro ponto muito interessante. Temos uma estratégia industrial no Reino Unido. Um pouco dessa estratégia é desenvolver mais abastecimento de energia em qualquer forma. É muito interessante ver a taxa de desenvolvimento dessas tecnologias.

Temos alguns fundos aqui. Chamam-se fundos de prosperidade. Iremos investir quase 80 milhões de libras aqui no Brasil. A parte mais importante desses fundos são para criar um centro de energia para apoiar todos esses quatro pontos: financiamento, energias renováveis, abastecimento e redes inteligentes. E, com todas essas quatro partes, ajudar essas fontes intermitentes.

Agência CanalEnergia: Esse fundo financiaria estudos nessas áreas?

Vijay Ragajaran: Sim. Vamos trabalhar em todas essas áreas com alguns parceiros, com certeza. Parceria com, por exemplo, o BNDES, o financiamento verde; com Shell, BP, Petrobras, todas as grandes empresas. Mas o interessante para mim é que a taxa de mudança é enorme. E não é só um problema de investimento. Não é só problema de tecnologia, mas tem desafios. É um desafio para todos os governos o seu sistema regulatório. E como construir um mercado que, afinal de contas, tem que beneficiar o consumidor.

E nesse tema de beneficiar o consumidor, para nós são dois objetivos chaves para o setor de energia. Então, todo o argumento sobre privatizar ou não privatizar a Eletrobras, temos muita história de privatizações no Reino Unido sobre eletricidade e tudo. Afinal de contas é para diminuir os preços para o consumidor, fazer o mercado mais competitivo, com mais concorrência, e investir substancialmente para fazer a transição energética.

Agência CanalEnergia: Tem a questão nuclear. Há interesse de investidores britânicos em investir no Brasil nessa área? A gente tem um impasse hoje, porque temos uma usina nuclear que vai gastar mais alguns bilhões para concluir. É um mercado que vocês também visualizam como uma possibilidade de investimento?

Vijay Ragajaran: Eu não conheço empresas no Reino Unido que tenham interesse em investir no setor nuclear aqui no Brasil. Temos um programa nuclear do Reino Unido nos últimos cinco anos para construir um novo reator, que é um reator grande, para dar a nossa economia essa energia de base. Então, precisamos de um pouco mais de energia de base para suportar todas essas energias renováveis. Mas todos de zero carbono. Ainda não sei se alguém teria algum interesse em investir aqui no setor nuclear. E não entendo totalmente o sistema regulatório de investimentos estrangeiros nesse setor.

“Estamos tentando ligar o mercado financeiro de Londres com investimentos aqui em matéria de solar e eólica, para que ambas as partes possam se beneficiar”

Agência CanalEnergia:  Ainda não está aberto, mas há interesse de russos e chineses. Eles consideram isso uma possibilidade de investimento. Mas como não houve uma definição do governo brasileiro, está no campo das possibilidades.

Vijay Ragajaran: Esse ponto que eu falei que o sistema regulatório é muito importante para ajudar e permitir esses investimentos, essa é uma parte de nosso trabalho aqui com o Ministério de Minas e Energia. É como trazer o melhor sistema, ideias regulatórias de todo o mundo para o Brasil. E, no Reino Unido estamos utilizando um pouco essa ideia de que se tenha uma porcentagem do combustível que deve ser renovável. É uma ideia brasileira que estamos levando ao Reino Unido.

Agência CanalEnergia: E como os investidores percebem hoje essa proposta de privatização da Eletrobras, que é a principal empresa de energia elétrica no país?

Vijay Ragajaran: Muitos investidores internacionais estão interessados. É difícil. Lembro muito bem nas privatizações da [primeira-ministra britânica] Margareth Thatcher nos anos 1980, 1990, levar quase seis, sete anos para privatizar. E tem todo o marco regulatório de ideias para privatizar nosso sistema de eletricidade. Nos anos 40, 50, 60, 70 era totalmente estatal. Depois privatizamos, e depois foi muito interessante até 94 – entre 90 e 94. Foi um período de experimentação e, provavelmente, nosso sistema regulatório foi aberto demais, sem controles fortes sobre algumas empresas privadas que tinham investido no sistema. Eles tiveram um aumento de preço e os consumidores pagaram mais depois da privatização.

Em 94, entendemos melhor como fazer um sistema regulatório de eletricidade. Nosso sistema depois dessa época, do OPI minus X. OPI é o nosso índice de inflação. E minus X é um número que nossos reguladores dizem que todas as empresas privadas que querem concorrer dentro do mercado devem usar. Os contratos contêm uma formula pela qual os preços só podem aumentar na inflação minus 1%, 2%, 3%. Então, forçamos mais competição dentro desse mercado. É muito mais complicado que isso. É um sistema regulatório muito complicado, mas funcionou, e está funcionando.

Depois de 94, os preços para os consumidores e a concorrência do mercado melhoraram muito. Os preços baixaram e a concorrência aumentou muito. Para mim, a lição aprendida foi que em tudo há complexidade dentro do sistema regulatório. Então, só privatizar não garante nada. Garantir que os preços vão aumentar ou diminuir. São os detalhes dentro do sistema regulatório que são os mais importantes.

Agência CanalEnergia: Fala-se num modelo de corporation para a Eletrobras, pulverizar o controle, ninguém ter mais de 10% e poder captar mais recursos para investir que o Estado não consegue. A lógica é essa.

Vijay Ragajaran: Isso é verdade. Uma coisa que aconteceu depois da privatização [no Reino Unido] foi: aumentou muito o investimento. Muito mais que um Estado pode fazer. Em qualquer país, o governo central não tem recurso suficiente dos impostos para investir em infraestrutura. Então, precisamos do poder do setor privado. Mas também precisamos proteger e ajudar os consumidores. E esse é um sistema muito sutil, complicado. Mas poderemos, se o governo aqui quiser, compartilhar nossa experiência de regulamentação, e eu sei que muitos dos nossos amigos da Fazenda e de parte do governo federal aqui estão analisando outros sistemas regulatórios para a privatização. E, com certeza, o Congresso vai discutir o sistema.

Internacionalmente, temos modelos que funcionam bem na privatização e que ajudam os consumidores. E, além disso, melhoram o investimento.

Agência CanalEnergia: Nos últimos dois anos tem se discutido a reestruturação do modelo comercial do setor elétrico no Brasil. E, nesse processo, você tem um momento com um novo paradigma tecnológico, com redes inteligentes e mudanças em um setor que era estático até muito pouco tempo. É benéfico esse tipo de mudança de regras para ir se adaptando a isso?

Vijay Ragajaran: Sim. E não só para mudança do clima, mas um objetivo claro que é o consumidor e também segurança energética. Eu fui diretor de Assuntos Europeus no Reino Unido nos últimos quatro anos. Uma coisa que aconteceu nessa época foi a invasão da Rússia na Criméia. A Rússia é fonte de muito gás para uma parte da União Europeia. E uma resposta da União Europeia a essa agressão foi criar um política que se chama União Energética da União Europeia. E ligar mais todas as nossas redes de gás, eletricidade e eficiência energética em muitas partes da Europa. Ajuda muito.

Com investimentos de 100 bilhões de euros, tivemos um retorno enorme. Ajudou muito a diminuir nossa utilização de energia total, só em ligar os diferentes mercados. Ligar França e Espanha, foi muito importante. Eficiência de energia na Polônia foi muito importante. Nós construímos um interconector com a Islândia e a Escócia. Isso foi muito importante para nós, para aproveitar a energia geotermal da Islândia. Com o mercado enorme da Europa, são muitas as eficiências que podíamos fazer. E também aqui. São investimentos muito bons aqui para melhorar a segurança energética e também todos os nossos objetivos.

Agência CanalEnergia:  A ideia dessa discussão do modelo também tem a ver com a abertura do mercado, maior acesso ao mercado livre. Existe um limite para esse acesso? A ideia de todos poderem escolher seu fornecedor livremente funciona na pratica?

Vijay Ragajaran: Na experiência britânica sim, funciona. E funciona de uma maneira muito interessante. Na minha casa em Londres eu posso escolher entre 20, 30 diferentes fornecedores de eletricidade. Temos os mesmos cabos. Temos uma parte de infraestrutura, mas, no caso dos fornecedores, principalmente os de eletricidade, estamos fortalecendo muitas empresas pequenas.

Então, eu compro minha eletricidade de uma pequena empresa verde. É fascinante. Não é muito caro e, normalmente, as pequenas empresas tem preços melhores do que as grandes que têm infraestrutura e investimentos no passado enormes.  Isso é por causa da mudança de tecnologia. Uma pequena empresa tem todas as possibilidades das fontes verdes. Como um consumidor pode crer nessa empresa? Então, tem um pouco de regulação. As empresas precisam identificar e assegurar as fontes da sua eletricidade, e eu posso na internet ver exatamente as fontes. Assegurar que todas as fontes são de energia eólica ou qualquer tipo que eu quiser.

Precisamos um pouco mais de transparência no mercado e alguns checks para que os reguladores possam averiguar exatamente o que está acontecendo. Mas nossa política é para ajudar as pequenas empresas e transformar esse mercado.