A expectativa de mudanças, independentemente de quem assumir o governo no ano que vem, é o fio que une lideranças do segmento de geração de energia. Parte dos geradores apostam na aprovação do projeto de reestruturação do modelo do setor elétrico e da Medida Provisória 814, mas há quem considere prioritárias alterações no planejamento de expansão do sistema.

Para o presidente da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica, Guilherme Velho, mudanças no modelo são inevitáveis, independentemente da tendência ideológica do futuro governo. Ele acredita que alterações como a abertura de mercado poderão até ser adiadas, mas vão ter que acontecer mais cedo ou mais tarde.

“O que a conjuntura eleitoral pode, de alguma maneira, é influenciar na velocidade com que esse processo vai acontecer. Depende da visão do partido que ganhar as eleições. Mas que isso vai acontecer de qualquer maneira, mais cedo ou mais tarde, vai”, acredita o dirigente.

Ele lembra que as medidas de reestruturação do modelo comercial do setor foram muito discutidas em consulta pública pelo Ministério de Minas e Energia, em um debate que envolveu centenas de pessoas e recebeu centenas de contribuições dos diversos órgãos. Por isso, acrescenta, “seria muito interessante que ela pudesse ser aprovada, se possível, ainda esse ano.”

Guilherme Velho acredita que existem elementos de apoio no Congresso Nacional que vão trabalhar para a aprovação do modelo em 2018. “Não acho uma guerra definitivamente perdida. Acho que ainda tem chance de aprovar.”

Caso a proposta não seja aprovada, a própria tramitação da matéria dentro do Congresso e a consolidação da lei pelo Legislativo vai ajudar muito, porque o próximo presidente da República que assumir em 2019 vai encontrar o assunto bastante discutido e desenvolvido, avalia o executivo. “Eu diria que é muito importante ou que a gente tente aprovar esse projeto, ou que, no mínimo, deixe [a discussão] bem desenvolvida para poder servir de referência ao próximo governo.”

O presidente da Associação Brasileira de Investidores em Autoprodução de Energia, Mário Menel, também tem esperança de que o Congresso consiga aprovar o projeto resultante da Consulta Pública 33, assim como o da MP 814. A MP tratava somente de medidas para destravar a privatização da Eletrobras e de suas distribuidoras, mas incorporou uma série de emendas, parte delas sugeridas pelo setor elétrico.

Para Menel, alguns dos pontos devem ser vetados, se o projeto passar. Há emendas que interessam diretamente os autoprodutores, como a que acaba com a obrigatoriedade de registro de terras destinadas a empreendimentos  no Cadastro Ambiental Rural.

Sobre o projeto do novo modelo, o presidente da Abiape informa que as entidades ligadas ao Fórum das Associações do Setor  Elétrico concordaram em não apresentar emendas para evitar novas discussões, como aconteceu na MP 814. “Vamos tentar aprovar [os aperfeiçoamentos no modelo] com esse projeto do deputado Fabio Garcia também nesse curto ano legislativo. Com isso, a gente já inicia um novo período de governo com uma tendência de regulamentar o que foi aprovado esse ano. Essa é a perspectiva que eu tenho para os próximos anos: um ambiente de negócios favorável aos investimentos.”

Os autoprodutores trabalham com um segundo cenário, em que não se consiga aprovar nenhuma das propostas em andamento, incluindo ainda a de privatização a Eletrobras. Nessa alternativa, diz Menel, a ideia é preparar um documento para os presidenciáveis, com princípios que garantam a competitividade, mesmo mantido um modelo estatizante.

“Se entrar um governo que não aceita a privatização, o princípio da eficiência empresarial tem que ser mantido. O que não pode é ficar como está”, acrescenta o dirigente. Ele acredita que o sinal econômico tem que ser correto, qualquer que seja o governo e a ideologia. Cita como exemplo disso a garantia do fim do regime de cotas para as hidrelétricas e a adoção de condições para que o gerador volte a assumir o risco hidrológico.

Planejamento

O desenvolvimento de uma política voltada para a expansão da oferta de energia elétrica de forma realista no país é a principal medida a ser considerada para o setor entre 2019 e 2022, na avaliação  do presidente da Associação Brasileira das Empresas Geradoras de Energia Elétrica, Flávio Neiva. Ele acredita que é preciso ter “pé no chão” e um olhar pragmático sobre as fontes que podem garantir a segurança energética do sistema.

“Isso é planejamento. Trazer o futuro para a mesa. Tem que permitir à EPE (Empresa de Pesquisa Energética) usar as fontes primárias brasileiras para o forte enfrentamento do  equilíbrio da oferta com a demanda”, argumenta Neiva. Para o executivo, a discussão da Consulta Pública 33, que trata do modelo setorial, e as emendas incluídas na Medida Provisória 814 não abordam o problema do planejamento da matriz elétrica no longo prazo. Planejamento este, segundo ele, que deixou de privilegiar a expansão a partir de usinas hidrelétricas e termelétricas.

“Nós vemos problemas na evolução da matriz. O PDE (Plano Decenal de Energia) até 2026 não tem hidrelétrica nenhuma.  E ai? Vai ficar assim? Térmica tem muito pouco”, questiona Neiva. Ele reconhece que o leilão A-6 de dezembro do ano passado contratou duas grandes termelétricas, mas pergunta se haverá gás para esses empreendimentos. “Se você não permitir fazer isso com hidrelétricas e com térmicas, dificilmente a gente vai ter uma solução”, afirma.

O executivo usa como exemplo a carga despachada pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico na ultima quinta-feira, 10 de maio, para alertar que é preciso estar atento à realidade atual. De um total de 70 mil MW médios, entre 4 mil e 5 mil MW médios foram de energia eólica, 300 MW médios de solar, em torno de 7 mil MW médios de termelétricas e o restante de usinas hidrelétricas. “Como eu vou partir de agora até 22, se a realidade é essa, sonhando com carro elétrico, com painel solar?”.

Ele lembra que, pela matriz atual e em razão da crise hídrica, há uma dificuldade em equacionar o fluxo no tronco de transmissão, como demonstra o blecaute no linhão de Belo Monte que deixou sem energia no mês passado 70 milhões de pessoas no país. Há um forte uso no tronco por causa de vários fatores, um deles a produção eólica, o que torna de difícil equacionamento o problema da ausência de reserva operativa, afirma. “Você tem reserva como, [com o despacho] cheio de eólica? Se você perder um tronco, não tem reserva operativa girante no sistema. Então, são problemas físicos que esses instrumentos que estão sendo olhados – a CP 033 e a Medida Provisória 814 – não enxergam.”

Os presidentes da Apine, da Abiape e da Abrage vão falar sobre as expectativas das associações em um dos painéis de debate do 15º Encontro Nacional dos Agentes do Setor Elétrico (Enase). O evento anual é uma parceria do UBM/Grupo CanalEnergia com as 20 principais associações do setor e vai abordar em 2018 o que lideranças empresariais e autoridades esperam de avanços para os próximos quatro anos. Os debates do Enase vão acontecer nos dias 23 e 24 de maio, no Centro de Convenções Sul América, no Rio de Janeiro.