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Com a votação do projeto da Medida Provisória 814 definitivamente descartada, associações do setor elétrico preparam um plano B para a aprovação no Congresso Nacional da solução para os débitos relacionados ao déficit de geração de usinas com contratos no mercado livre. As opções são a publicação de uma MP para tratar exclusivamente do assunto; a inclusão da proposta no PL 1917, que trata da portabilidade da conta de luz e das medidas de reestruturação do modelo comercial do setor; e a inserção do texto no projeto de lei de privatização da Eletrobras (PL 9.645), que tem como relator o deputado José Carlos Aleluia (DEM-BA).
“São essas três opções. Todas as três são difíceis. A mais fácil seria uma MP, mas só o nome MP causa sobressalto no Palácio do Planalto. Então, não sei como eles pretendem conduzir”, afirmou o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico, Mário Menel. Ele avalia que a MP, em princípio, seria a alternativa mais eficaz, porque teria efeito imediato e todos os atos praticados durante sua vigência (de 60 dias, prorrogáveis por mais 60) poderiam ser ratificados pelo Senado quando ela perdesse a validade. O problema é que ela envolve uma decisão política, o que torna quase inviável sua edição em ano eleitoral.
O projeto relatado pelo deputado Fábio Garcia (DEM-MT) é o mais cotado, porque a questão já está inserida na proposta resultante da Consulta Pública 33, que tem entre seus temas o Mecanismo de Realocação de Energia. O relatório de Garcia foi divulgado na página da Câmara nesta quarta-feira, 30 de maio, e tem prazo de cinco dias para apresentação de emendas dos parlamentares. Ele inclui um artigo que prorroga até janeiro de 2022 a possibilidade de repactuação do risco hidrológico, mas não inclui a proposta completa para o GSF que estava no artigo 15 da MP 814.
A comissão especial da Câmara que discute a reestruturação do setor já promoveu duas audiências públicas e deve realizar outras duas em Brasilia nos dias 5 e 12 de junho, além de uma terceira em Recife (PE) nos dias 7 ou 8 do mês que vem. A expectativa do presidente da comissão, João Fernando Coutinho (Pros-PE), é de que a proposta esteja pronta para ser votada na segunda quinzena de junho.
“Eu prefiro o [PL] 1.917, mesmo que ele não esteja tão avançado quanto o do Aleluia, porque ele já está la dentro. Não precisa de emenda, de nada. É só validar o relatório do Fábio”, analisa Menel. Com o aval das associações que integram o Fase, o executivo fez esta semana uma ultima tentativa de salvar a MP 814, propondo que o projeto de conversão da medida fosse votado nos plenários da Câmara e do Senado apenas com o artigo que trata do GSF (o fator de ajuste que reflete o déficit de geração das hidrelétricas). A tentativa não foi bem sucedida, e a MP deixa de existir porque perde a validade na próxima sexta-feira, 1º de junho.
No caso do projeto de lei da Eletrobras, uma eventual inclusão da proposta só pode ser feita pelo próprio relator, porque o prazo de emendas já expirou. A redação seria a mesma do Artigo 15 do projeto de conversão da MP, mas, mais uma vez, alerta Menel, é uma decisão política que depende de avaliação do governo.
Para o executivo, não fazer nada pode agravar a paralisação do mercado, que já é insustentável. “Naturalmente, o problema [dos débitos acumulados no mercado de curto prazo] tende a se avolumar. A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica está projetando um PLD médio mais alto para esse ano e, com isso, aumentam os valores inadimplidos dentro da CCEE, o que não é bom para ninguém”, alerta o presidente do Fórum. Ele calcula que os valores do GSF em aberto acumulem até dezembro R$ 13 bilhões. Para a CCEE, a estimativa é de R$ 10 bilhões.
“Temos buscado o dialogo com os partidos de oposição para mostrar que isso que está sendo discutido não é fruto da visão de um governo, mas de todo o setor elétrico brasileiro. É um projeto oriundo da própria Câmara dos Deputados, e acredito que teremos, sim, capacidade de convencimento de todos os deputados, ou da grande maioria deles, para aperfeiçoar o projeto e votá-lo da maneira mais serena e tranquila possível”, disse Coutinho na última terça-feira, 29. Para o presidente da comissão, é necessário também convencer a própria base do governo da importância do projeto de mudança do modelo para o pais.
Segundo Coutinho, regimentalmente, se não houver requerimento para levar o projeto ao plenário da Câmara, ele é conclusivo na comissão pode ir direto ao Senado federal. “Assim, a gente consegue avançar e pular uma etapa, já que muitas vezes, quando os projetos chegam ao plenário, por momentos diversos e outros temas, pode contaminar a discussão, tão importante aqui no plenário da comissão.”
No Senado, o projeto pode ser discutido em uma comissão especial, se envolver a avaliação de pelo menos três comissões permanentes, mas a votação pode ser feita tanto na comissão quanto diretamente no plenário, se for aprovado pedido de urgência.
Para a advogada Mariana Amin, que representa a Associação Nacional dos Consumidores de Energia, a queda da MP 814 foi benéfica para o consumidor, que pagaria custo adicional de R$ 6 bilhões a R$ 8 bilhões, com a criação pela Câmara de novas despesas na conta de energia. Ela defende, porém uma solução para o impasse do GSF, e explica que como a proposta envolve a compensação dos débitos dos geradores com a extensão das outorgas, essa mudança só poderá ser feita por lei.
“Para fazer essa acomodação, você precisa de alteração legislativa. Não tem outra forma. Eu não posso fazer isso por medida infralegal. Necessariamente, [o projeto da portabilidade] é a grande oportunidade que nós temos”, diz. A edição de uma medida provisória seria uma possibilidade, em sua opinião, mas depende de vontade politica.
O presidente da Anace, Carlos Faria, observa que já se sabia que em ano eleitoral seria difícil aprovar as medidas de interesse do setor. “O que a gente não esperava era tanta alteração como aconteceu. A gente esperava continuidade com a saída do ministro [Fernando Coelho Filho, que deixou o cargo em abril], mesma equipe e tudo o mais. De repente, você tem todo um grupo novo e ai acaba complicando”, afirma o executivo.
Também favorável à inclusão da proposta do GSF no texto resultante da Consulta Pública 33, o diretor de Regulação e Comercialização da Norte Energia, Flávio Dutra Doehler, também concorda que a adição de uma série de emendas estranhas ao texto original acabou por prejudicar a tramitação da MP 814. “O que aconteceu com a medida provisoria é bem didático. Por isso falei aqui que o ótimo é inimigo do bom”, disse, após participar de audiência publica na comissão especial do PL da Portabilidade como representante da Associação Brasileira de Empresas de Geração de Energia.
O executivo considera louvável o esforço do Fase para equacionar a questão, porque a solução proposta para o impasse dos geradores é única maneira acabar com as ações judiciais que tem travado o mercado de curto prazo. “Nós acertamos todo o nosso passivo lá com o GSF. Mas o problema continua coletivo, continua dentro da CCEE”, lembrou o diretor, em referência ao débito da hidrelétrica de Belo Monte. Ele acredita que a solução exige, inclusive, a mudança no perfil da dívida dos geradores que tem financiamento com o BNDES, atrelado à receita.
“Outra medida provisória, alem de ser antipática, vai num ambiente bem diferente da primeira. Dai esse esforço, dai essa tentativa [de resolver a questão]. E outra coisa que se há de pensar é que a gente fica com muito cuidado em fazer o melhor possível, em prejuízo da celeridade do processo. O processo é um mecanismo que, por si, puxa soluções”, pondera o executivo.