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Dois anos depois da aprovação dos primeiros habilitados do país para atuarem como comercializadores varejistas, essa figura ainda não conseguiu atingir seus objetivos. A perspectiva, contudo, é de que no futuro esse cenário possa ver uma mudança de comportamento. No PL 1917 foram incluídas as contribuições da CP 33, entre elas a da obrigatoriedade de que consumidores livres de até 500 kW migrem sob um comercializador varejista. Assim, com a abertura gradual do mercado, a expectativa é de um número maior de consumidores aderindo a essa modalidade.

De acordo com a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, atualmente são 11 as empresas autorizadas a atuar nesse segmento do mercado livre. Atualmente há um processo de habilitação em andamento. Até maio, último mês com dados consolidados, três agentes varejistas foram responsáveis pelo consumo de 11,64 MW médios e uma usina de produtora de 0,17 MW médio.  O comercializador foi regulamentado ainda em 2015 e foi criado para simplificar a atuação de empresas de menor porte, reduzindo a complexidade da adesão e facilitando o desenvolvimento do ACL.

Entendemos que 1 MW é o limite adequado entre o mercado varejista e o atacadista
Rui Altieri, da CCEE

Contudo, o presidente do Conselho de Administração da CCEE, Rui Altieri Silva, voltou a admitir que esses volumes não são os que a entidade esperava. Mas ele se mostra otimista quanto ao futuro. O executivo avalia que esse período foi caracterizado pelo amadurecimento desse mercado no país. Além disso, a percepção na câmara é de que é necessária a separação entre os limites de carga para adesão à entidade em atacadista para cargas a partir de 1 MW e, abaixo disso, classificada como varejista, sob a reponsabilidade do comercializador.

“Entendemos que o limite de 1 MW é o mais adequado para a separação, mas podemos discutir esse limite, o que não temos dúvida é da necessidade de segregar o mercado”, disse ele à Agência CanalEnergia. “Se tivermos essa clara separação aí sim teremos um mercado moderno com os consumidores migrando para o ambiente adequado de acordo com seu perfil”, acrescentou.

Do lado das empresas que atuam no mercado livre o otimismo é a palavra de ordem para o futuro. Mas ainda há questões não resolvidas que vêm atrapalhando o desenvolvimento dessa figura desde seu início e a principal delas é a questão de uma eventual inadimplência de um consumidor que esteja sob sua gestão e as consequências jurídicas que podem vir em decorrência de manter o fornecimento de energia para essa unidade em função da judicialização do tema.

“Precisamos ter instrumentos para gerir esse risco de forma simples e eficiente”, Marcelo Ávila, da Comerc Energia

Na visão de Marcelo Ávila, vice presidente da Comerc Energia, que esteve no primeiro grupo de comercializador varejista a ser habilitado no país, esse mercado possui potencial de crescimento mesmo sem a regra da obrigatoriedade de adesão por meio do comercializador. O que aconteceu nesses dois anos é que a questão da gestão do risco de ter esse consumidor travou o crescimento. E alerta que para a modalidade avançar é necessário instituir mecanismos que permitam tirar o ponto de carga do guarda-chuva dessa comercializadora em eventos de inadimplência.

Segundo o executivo, essa figura faz sentido de existir, corroborando os argumentos utilizados para a sua criação. Entre eles, o de que consumidores de carga mais baixa não devem e não têm estrutura para se tornarem agentes da CCEE devido ao grande número de exigência e obrigações.

“Temos muitos consumidores com perfil que se encaixam no comercializador varejista, cuja carga é de 0,1 a 0,2 MW médios, não faz sentido essas unidades entrarem na CCEE como agentes”, avalia. “Agora, ao mesmo tempo em que poderemos ter a obrigação, a partir de 2021, de colocar os consumidores na varejista, precisamos ter instrumentos para gerir esse risco de forma simples e eficiente”, indica.

A visão da CPFL Brasil, outra companhia que apostou no comercializador varejista desde o início, é de que o crescimento deverá chegar e que a figura terá um papel importante no mercado ao passo que vejamos a abertura do ACL no país. Apesar dos dois primeiros anos não representarem um volume minimamente expressivo ante a dimensão do Brasil, os próximos anos, com a mudança do marco trará maior crescimento. Até porque, lembrou Ricardo Motoyama, diretor de mercado da empresa, esse é um produto que confere mais facilidade ao cliente, mesmo que tenha um preço diferenciado, o valor que se vê é do benefício.

“O papel do varejista é eliminar as questões burocráticas para os clientes de menor porte que não possuem uma área especializada para a gestão da energia.”, Ricardo Motoyama, da CPFL Brasil

“O papel do varejista é eliminar as questões burocráticas para os clientes de menor porte que não possuem uma área especializada para a gestão da energia e aderir por meio do comercializador facilita obter os benefícios do mercado livre. Com a abertura do mercado a tendência é de termos mais interessados com esse perfil”, destaca.

A mais recente comercializadora varejista do país, a AES Tietê, vê na questão do risco da inadimplência um fator que restringiu a expansão por conta da possibilidade de judicialização do segmento. Contudo, a perspectiva é otimista com o caminho para o qual segue o marco regulatório que está contido no PL 1917. Segundo o gerente de Novos Negócios da empresa, Dênis Oliveira, a companhia quer estar pronta para atender a demanda que virá nos próximos anos, principalmente com a abertura do setor. Ele também defende que a simplificação que as comercializadoras varejistas proporcionam é um dos pontos de atração para aqueles consumidores potencialmente livres.

Quanto a essa questão do risco, explicou Oliveira, a AES Tietê sempre foi criteriosa mesmo na modalidade tradicional do ACL. E acredita que a formação do portfolio de clientes poderá mitigar esse risco. “Com a natural evolução do mercado e da carteira de consumidores final, principalmente a industrial de pequeno porte, conseguiremos desenvolver esse portfolio”, aponta.

De acordo com os mais recentes dados da CCEE, referentes a junho de 2018, a entidade agrega 7.187 agentes. A maior parte desses é composta justamente pela faixa de menor consumo, os especiais, que segundo as regras atuais estão na faixa de 500 kW a 3 MW com 4.626 associados, representando 64,4% do total. O consumidor livre – aquele a partir de 3 MW  – soma 869 associados, 12,1% do total.

Outro ponto de colocar o comercializador varejista está no fato de que o volume de agentes seria muito maior já que a maior parte dos consumidores está abaixo dos 500 kW. Dessa forma, o trabalho na câmara continuaria fluindo de forma mais eficiente. O próprio Rui Altieri Silva faz questão de lembra que os pequenos consumidores não possuem e não tem a obrigação de ter conhecimento das rotinas de um agente, até porque não há gente e estrutura suficiente, pois seu foco tem que ser em seu core business. Diferente de um grande agente como uma comercializadora ou uma grande geradora.

Mas esse posicionamento encontra vozes dissonantes. O presidente da América Energia, Andrew Storfer, comenta que o fato de se ver o aumento do número de agentes não significa em termos práticos o aumento do custo da câmara. Ele lembra que o sistema é o mesmo e que seria necessário um estudo para embasar a informação de que o varejista eliminou a necessidade de a CCEE ter estrutura adicional para atender ao aumento da demanda.

Em sua análise o comercializador varejista é o tipo de evento que na teoria tem um sentido e na prática apresenta problemas que inviabilizam o que se achava interessante. No caso dos consumidores ele aponta referenda o atual patamar de 500 kW como mais adequado para que se coloque a separação do mercado, pois os contratos legados levariam a um ambiente de dúvidas e poderia alterar a relação dos atuais clientes e fornecedores.

Outra questão levantada é até que ponto o comercializador varejista pode ser interessante para o consumidor uma vez que o preço é mais elevado em relação ao MWh do ACL. Isso ocorre porque há uma série de serviços dentro de pacotes que são oferecidos aos consumidores e que naturalmente tem um custo em função da assunção de um risco de inadimplência. “Todo tomador de risco tem que precificar esse risco”, apontou ele. Além disso, há uma alternativa em discussão, a do agregador de carga, que pode representar o consumidor mas sem esse risco associado do comercializador varejista, e sem o risco, com menor preço.

Apesar desse cenário mais nebuloso, Storfer diz que não é o caso de se abandonar o comercializador varejista. Essa figura faz sentido ao imaginarmos o mercado brasileiro livre, pois há benefícios. Agora imaginar que todo o consumidor livre segundo as regras atuais, ficará debaixo desse guarda-chuva, dificilmente se concretiza por conta desse risco de judicialização.