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Em uma de suas últimas entrevistas como diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, o agora ex-diretor Romeu Rufino fez um balanço da longa trajetória de duas décadas no órgão regulador e falou em sensação de dever cumprido. Ele fez questão de relatar a convivência com os diferentes colegas de diretoria nesse período, definiu a evolução da agência como consequência de uma construção coletiva e baseada em princípios e valores, e destacou a responsabilidade de cada dirigente em “agregar camadas de excelência” ao trabalho desenvolvido pela instituição.
Indicado para a diretoria da Aneel no governo Dilma Rousseff, o ex-diretor da Aneel não fugiu de polêmicas ao defender critérios técnicos para a escolha dos dirigentes das agências reguladoras e rechaçar indicações políticas. Em sua opinião, os diretores indicados não podem ter um nível de comprometimento que não consigam administrar. Ele considerou uma “infeliz coincidência” a troca, em curto espaço de tempo, de quatro dos cincos integrantes da diretoria colegiada da autarquia. A quinta vaga pode ser preenchida ainda esse ano.
Rufino admitiu que Dilma “foi uma pessoa importantíssima” em sua trajetória, mas acredita que a ex-presidente pensou diferente ao indicá-lo para a função de diretor, e depois para a de diretor-geral, pois poderia ter escolhido alguém politicamente maleável.
Durante a conversa, ele também tratou de autonomia, de pressões políticas e falou das brigas que comprou no Executivo e no Congresso Nacional, sem citar especificamente nomes dos desafetos que colecionou no caminho. Esse processo se deu às custas do desgaste pessoal, admitiu, como no episódio da discussão da Medida Provisória 814, quando ele se posicionou formalmente contra a criação pelo Congresso de novas despesas para o consumidor.
“Certamente, eu diria a você, eu não devo ser a pessoa mais querida no mundo do Poder Executivo, do Poder Legislativo. Mas sou respeitado, porque eu não estou aqui para atender capricho de ninguém e fiz a coisa em que eu acredito”, afirmou o diretor. Confira os principais pontos da entrevista.
Avaliação da passagem pela Aneel como superintendente e depois de três mandatos como diretor: A primeira sensação é de dever cumprido. Eu tenho, nas minhas reflexões, pensado: ‘fiz o meu melhor? Dei a minha melhor contribuição?’ Então, é uma sensação de dever cumprido. E, segundo, uma sensação de um aprendizado extraordinário. Uma instituição que tem princípios, tem valores, tem competência, foco no interesse público, foco em fazer a coisa de maneira equilibrada, e isso tem um alinhamento pleno com os meus princípios, os meus valores e no que eu acredito. Ou seja, eu tenho uma identidade muito grande com essa instituição, porque temos uma convergência. Certamente, uma coisa contribuiu para a outra.
A minha formação, meu conhecimento hoje, é resultado de toda essa escola que é a Aneel, e acho que o resultado que nós alcançamos aqui, a construção conjunta que foi feita da Aneel, também eu devo ter tido a minha contribuição, devo ter influenciado. Então, essa sensação de deixar uma instituição também bem estruturada, bem focada, com o reconhecimento do seu trabalho, com seus princípios e valores bem consolidados, e com o seu nível, a sua excelência na própria gestão, é também uma sensação de que ajudamos a construir e contribuímos aí para ajudar a formar, para deixar um legado. Um legado que não fui eu que fiz. Foi um trabalho de equipe, um trabalho, certamente, em que eu dei a minha contribuição como tantas outras pessoas.
Autonomia e controle social: Eu costumo dizer que a instituição Aneel é diferenciada em vários aspectos, mas a grande questão é que ela foi bem nascida. Foi uma instituição bem concebida, bem estruturada, bem iniciada e bem formada. Então, todos os que por aqui passaram deram sua contribuição, colocaram lá os seus tijolinhos nesta construção. Mas, por outro lado, é uma tremenda responsabilidade. Quando eu assumi como diretor, e depois como diretor-geral, eu tinha consciência de que tinha responsabilidade e que não podia deixar essa peteca cair. Eu tinha que manter a instituição num nível de excelência e, de preferência, melhorar. Piorar, nunca.
Isso aconteceu desde o início. Nessa jornada de quase 21 anos, quando eu fui convidado para fazer parte dessa construção, me foi dada uma incumbência e uma liberdade plena. Portanto, é a coisa de que mais gosto. De ter a oportunidade de fazer o meu melhor e de ter liberdade e autonomia.
O que se espera de uma instituição como a Aneel, uma agência de Estado, é que tenha os seus dirigentes com o grau de liberdade que devem ter, com a autonomia que têm que ter. Não é um capricho, é uma necessidade, para tomar as decisões que melhor representam sua convicção, fazer a coisa certa, prestar contas à sociedade. E ter o controle social. Também não é autonomia para fazer o que bem entende. Não é isso. O que é certo e tem que ser feito não sou eu que julgo. É importante que haja controle social.
E, na Aneel, eu acho que isso também é exercido de maneira bastante rica, porque uma das formas de alcançar isso é transparência. É o processo ser rico na sua instrução, na sua formação das melhores convicções, que isso é [feito] em camadas. Cada pessoa tem que agregar o seu ponto de vista, e é bom que, em alguma medida, seja divergente. Importante que não haja convergência no período de construção, da formação, porque o debate enriquece o processo. Então, na instituição Aneel é assim: tem o devido processo onde as áreas envolvidas têm a oportunidade de participar, de discutir. A questão jurídica, a Procuradoria tem também a oportunidade de analisar. Depois, passa pela audiência pública. É transparente todo o processo. Todos podem acompanhar a reunião pública. Todo mundo tem o direito de acompanhar e de verificar como a dinâmica acontece, qual é a opinião. É previsível.
Isso é outra coisa que eu acho que é um princípio, um valor, e que eu, particularmente, faço um esforço nessa direção, que é previsibilidade. Uma agência reguladora como a Aneel tem que ter previsibilidade.
Realização pessoal: Essa conjunção de tudo o que eu comentei é que leva a essa sensação de dever cumprido. Saio satisfeito, aplaudido? Não. Acho que ninguém sai de uma relação tão profunda, tão interessante, tão gratificante como essa dizendo ‘pô estou muito satisfeito de sair’. De sair não. Gostaria de continuar aqui. Eu tenho muito gosto pelo que faço. Adoro o que faço. Me realizo. Pessoalmente e profissionalmente. Mas compreendo perfeitamente que é um ciclo. E é importante a oxigenação. É importante a mudança. Importante que outras pessoas venham, tragam a sua experiência, a sua visão, e aperfeiçoem esse processo.
O que ninguém tem direito é de chegar aqui e destruir o que foi feito. ‘Ah, não gosto disso que foi feito’. Não. O que foi feito certamente tem o seu valor. Não é a única maneira de fazer? Claro que não. Tem espaço para aperfeiçoamento? Tem. Então faça. É isso que se espera. Mas caminhando sempre na direção da melhoria. De colocar camadas de excelência. Estamos no ponto ideal? Não, tem muito coisa que precisamos aperfeiçoar. Então, essa é um pouco a sensação.
Relacionamento com a diretoria: Sempre foi bom. Eu diria para você que como superintendente nunca tive nenhum problema com nenhum diretor. Sempre tive um relacionamento muito respeitoso, profissional.
Uma pessoa que chega a uma instituição como a Aneel, pela sua estrutura, pelo seu papel, não é trivial que ela tenha o conhecimento profundo da postura de uma agência reguladora. Todo mundo que chega aqui necessariamente vai ter que aprender. Alguém que chega aqui achando que sabe tudo, que domina o assunto, está equivocado.
Postura profissional como dirigente: Não adianta. É diferenciada nesses aspectos. Talvez sejam características que não só como diretor-geral da agência, mas como diretor, como superintendente, você tem que ter uma vigilância que muitos não compreendem bem. Muitos acham que você está com essa postura porque julga que está acima dos outros. Não, nada disso. [São] papéis. Eu estou nesse papel. Não sou uma pessoa diferente em nada do que fui no passado. Eu desempenho um papel diferente. Com esse papel diferente, eu tenho que ter certos cuidados, certa postura, que talvez naquele outro papel não precisasse ter. Só isso.
[Tenho] essa coisa de ser muito criterioso, muito exigente. Mas talvez eu não tenha com ninguém o nível de exigência que tenho comigo mesmo. Então, não sou capaz de cobrar de alguém alguma coisa que eu não pratico. Isso é um principio. Eu sou exigente, quero assiduidade, quero pontualidade, [mas] primeiro pratico para depois exigir das pessoas.
Planejamento estratégico: Nessa última etapa como diretor-geral, uma coisa de que eu me orgulho muito de termos feito, na minha visão, de uma maneira muito bem feita, é o planejamento estratégico. No ciclo anterior, em que eu já estava como diretor-geral, nós discutimos o planejamento que a Aneel sempre fez e [do qual] eu sempre participei. É uma coisa que eu acho que é um diferencial na Aneel.
No penúltimo planejamento, nós contratamos uma empresa de consultoria. Foi um aprendizado. Já fizemos um bom trabalho, mas o último planejamento foi extraordinário. Fizemos uma opção internamente de fazer uma mudança na estrutura e tirar a responsabilidade pelo planejamento estratégico de uma superintendência e vincular ao diretor-geral. Então, eu tive oportunidade de estar mais à frente. Claro que todas as decisões e todo o encaminhamento do assunto foi em nível do colegiado. Todos se envolveram, mas eu, como diretor, era o relator natural desse processo.
Um processo riquíssimo, tanto de diagnóstico, dos cenários, do que a sociedade esperava. Depois, internamente, esse diagnóstico foi feito, [veio] o processo de discussão, a formação desse esboço de planejamento estratégico, toda a definição e, finalmente, a aprovação. E, nesse particular, todos contribuíram de maneira importantíssima. Uma equipe brilhante. E olha que não era uma coisa trivial, uma coisa que as pessoas tivessem formação nisso.
Futuro da agência com a nova diretoria: Não tenho razão nenhuma para pensar que será diferente no futuro. Eu acredito que as pessoas que vão trabalhar aqui, cada uma com seu perfil, o seu estilo, vai fazer, sim, o seu melhor, vai agregar excelência, uma camada nessa competência. Não pode ser diferente. Tem que fazer isso mesmo. É isso que se espera delas. A casa espera isso, a sociedade espera isso, o setor elétrico espera isso, vocês da mídia esperam isso. E vocês devem, mais do que esperar, ficar vigilantes. Se identificar: ‘olha, tem aqui um descaminho’, tragam para os eixos.
Como resistir a pressões políticas na condição de diretor indicado: Isso, eu diria para você, não é simples assim. Não sei a fórmula mágica, mas posso dar a minha visão, a minha experiência. Primeiro, eu acho que o processo de indicação, o processo de escolha, não pode ser político. Não é um cargo político. É um cargo técnico, de regulador, uma função de Estado. Então, tem que ser um profissional que preencha as condições de conhecimento técnico, de competência, de principio, de valores e de maturidade até pessoal e profissional. Porque não é simples. Ser diretor de uma agência não é para amador. Não é para aprender aqui. A gente está sempre aprendendo, mas a pessoa tem que estar em um patamar inicial mínimo.
É certamente uma escolha que tem que ter critérios objetivos para verificar se aquela pessoa preenche todos os requisitos que a função exige. A indicação do Poder Executivo, é assim que é o processo, tem que ser. Os critérios para selecionar não podem, no meu modo de ver, ser políticos. Tem que ser técnicos.
Aí tem um processo politico? Claro que tem. Ao ser aprovado pelo Senado, ele tem um processo político. Faça a sabatina, a checagem, se aquela indicação atende. Tem que ser uma sabatina para valer. Eu preciso ser testado se estou mesmo pronto, se estou preparado, se estou entendendo aquela missão que está sendo conferida a mim, porque, depois que tenho o mandato, eu vou entregar aquilo que é a minha melhor convicção.
Essa etapa é que é política. A política não pode ser na fase de indicação. O parlamentar A, B, que quer indicar e ter ali um apadrinhamento político. Isso está errado. No meu modo de ver, não deveria ser assim. Deveria ser do jeito que eu falei. Por que? Porque depois de passar por todo o processo quem chega aqui não é uma escolha pessoal. Ele tem uma obrigação. De novo, a agência [é] de Estado, com a função de prestar serviço público, de ter uma postura da defesa institucional de setor elétrico. Então, as pessoas não podem ter um nível de comprometimento que elas não consigam administrar isso.
Como você falou, pressão vai ter? Claro que vai! Eu nunca tive pressão? Tive. Como lidei com isso? Da forma como eu achava correto. Tem um limite em termos de autonomia que não pode ser ultrapassado. Então, costumo dizer que o próprio Ministério de Minas e Energia é um desafio. Eu já tive a experiência aqui de superintendente até agora.
Convivência com o Ministério de Minas e Energia: Um dia eu estava fazendo uma conta. São 13 ministros [que passaram pelo ministério nesse período de agência reguladora]. De uma forma mais ou menos intensa, convivi com todos. Como superintendente, menos intenso; como diretor, intermediário; como diretor-geral, bastante intenso. Eu diria para você que é sempre um desafio. Sempre o ministro que chega não tem o mesmo nível de informação e de convicção que você tem dessa diferença de ser uma agência de Estado e de ter autonomia.
Eu costumo dizer que principalmente uma autoridade como o ministro de Estado, certamente a autoridade máxima do setor elétrico, faz uma confusão muito comum entre subordinação e vinculação. Ele lê o vinculado e interpreta subordinado. Esse limite não pode ultrapassar. Eu não sou subordinado a nenhum ministro, a nenhuma autoridade. Eu tenho a vinculação. Sou subordinado aos princípios, aos valores, àquilo que eu acredito. Porque quando tem o mandato eu devo exercer o mandato naquilo que representa a melhor convicção. É isso que esperam de mim. Ah, não fiz o meu melhor? Que pena! Não vai ser reconduzido. Ah, fiz uma tremenda besteira. Tira no meio do caminho. É possível.
Fui obrigado [a deixar isso claro para o ministro que estava no cargo]. Em mais de uma oportunidade. E deixei. Com educação, com respeito, como convém, mas nunca deixei essa duvida não. Tem uns até que não precisaram me perguntar. Que já sabiam, já me conheciam, já tinham outra visão. Mas teve ministro para quem eu precisei dizer com todas as letras. Não gostou nem um pouquinho. De novo, não estou aqui para agradar ninguém. Para agradar, inclusive, o ministro e o presidente da República.
Teve situações que eu tive de dizer ‘não sou subordinado seu’. Eu tenho respeito, obrigação, eu acho que temos necessidade de trabalhar de maneira harmônica. Mas cada instituição tem que ter os seus limites respeitados, e aí eu diria que não é só na agência. No Brasil, nós temos a necessidade de melhorar muito o nível de institucionalização. As instituições tem que ser maiores que seus dirigentes. Maiores que os interesses pessoais, políticos. Basta que esteja claro o papel institucional de cada um, e que ele seja responsável. Eu, por exemplo, não tenho nenhum interesse em fazer coisa que seja competência do ministério, do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), de quem quer que seja. Mas faço absoluta questão que o que é da nossa competência a agência faça.
Criticas às posições que assumiu como diretor-geral: Claro que tem. Até hoje eu colho o resultado disso. Muitas pessoas personalizam a coisa. É pessoal. Não, é institucional. Tudo bem, no meu caso é um pouco eu mesmo, porque eu tenho a minha maneira de pensar e de agir, e não tenho medo de cara feia, não tenho medo de alguém me criticar.
Do que eu tenho preocupação? Você fez a coisa errada, você foi injusto, você foi enviesado, tendencioso, desonesto. Disso eu tenho medo. De alguma coisa que eu fizer passar essa mensagem. Então, se alguém vem pra mim e fala isso eu vou prestar atenção. Qualquer um que falar. Vamos entender melhor: eu realmente aqui enviesei, fui tendencioso, pus o interesse pessoal, particular, acima do interessa público. Isso me preocupa muito. Eu tenho uma vigilância máxima com isso, e não tenho a pretensão de ter acertado sempre. Com certeza. Todos nos erramos.
Agora, ‘ah, eu não gostei do que você fez’. Isso pra mim não diz quase nada. Não estou aqui para fazer o que você gostaria. Agora, muita gente não gostou. Muita gente fala que não gostou. Muita gente diz que não gosta de mim. Não estou dormindo menos por causa disso não, está certo? Eu estou dormindo o sono que o nosso colega falou na última reunião. O sono da Justiça. Esse sono eu durmo todo dia muito bem.
Essa é uma preocupação que eu tenho: ser equilibrado. E não é fácil. O papel de regulador não é fácil. Se você ficar preocupado porque alguém não gostou do que você fez, porque alguém ficou chateado, porque alguém vai te dizer ‘aquele lá ficou queimado’. Não me preocupo com isso.
Liberdade para assumir posições: Primeiro, questão de princípio e de valor. Não é só na Aneel. Para mim, nunca serviu fazer o que eu não acredito. É claro que nós desempenhamos papeis. Se eu me sujeito a trabalhar numa determinada empresa que tem um conjunto de princípios e valores que não tem alinhamento com os meus, eu já abri uma primeira brecha perigosa. Porque é legítimo. Se eu for trabalhar em determinado grupo cujo objetivo é atropelar toda a parte do interesse social, para não falar do interesse público, eu já comecei em um caminho perigoso, porque não vai dar certo. Ou eu vou ter que flexibilizar. E ter abertura para acomodar e levar em consideração pontos de vista diferentes e enriquecer a minha melhor convicção, é absolutamente legítimo. Agora, flexibilizar princípios e valores, não.
Quanto assumi aqui como superintendente, eu diria menos, porque, é claro, eu estava conhecendo a estrutura. Mas, como diretor-geral, tudo o que eu não poderia alegar é que eu desconhecia, não sabia o tamanho da encrenca, o tamanho do desafio, as brigas que certamente eu precisava comprar. Não por capricho, não por gosto. Ninguém tem gosto de viver uma conversa, um relacionamento qualquer em que você acaba tendo que se posicionar de alguma maneira, às vezes tendo até que estabelecer certa tensão. Ninguém tem prazer em fazer isso. Faz porque acredita que tem limite.
Voltando, só pra exemplificar: num desses ministros que passaram, na primeira conversa, se o cidadão coloca lá para testar o limite disso e eu desloco o limite um pouco mais para cá e ele diz ‘poxa, aqui da para avançar um pouco mais’, esquece, acabou. Você tem que deixar claro. E quando você deixa claro, às vezes a pessoa não gosta. Às vezes, a pessoa tem uma personalidade muito forte, muito autoritária, e falar isso para o ministro não é simples. Então, você faz, no meu caso, porque princípios e valores é nisso que eu acredito. E eu faço a coisa correta, não devo nenhuma satisfação a ninguém, a não ser prestar conta do que eu faço com esse interesse público.
E não estou pensando lá na frente. Lá na frente, certamente deve haver aqueles que vão reconhecer o meu trabalho, dar valor a isso, e tem aqueles que não gostaram do que eu fiz e querem me ver pelas costas. Então, vamos viver felizes do mesmo jeito. E aí essa questão eu acho que é extremamente relevante, porque se eu estiver aqui pensando no próximo passo, na próxima oportunidade, construindo o futuro… por isso que, por mais incoerente que possa parecer – eu digo porque tive três mandatos de diretor e diretor-geral -, eu não acho correta a recondução. Acho melhor que houvesse um mandato maior, sem recondução, porque, inevitavelmente, a pessoa pode não fazer isso, mas pode parecer que há algum tipo de pressão nessa direção.
Futuro depois da quarentena: Eu vou cumprir a quarentena de seis meses. E depois de seis meses? Eu vou pensar na quarentena. É um tempo suficiente para eu refletir, pensar, experimentar alguma coisa. Não fiquei cumprindo meu mandato pensando em construir [um caminho para o futuro profissional]. Em seis meses eu construo, não tenho dúvida disso. Todos temos um patrimônio, que é a nossa condição, nossa capacidade, nosso conhecimento. Isso ninguém vai me tirar. É meu. Agora, se eu estou aqui de alguma maneira favorável a alguém, alguém pode retirar o apoio, deixar de ter interesses.
Indicação de Dilma Rousseff: E aí as pessoas ‘ah, mas você’… Eu fui indicado aqui pela presidente Dilma. Sim. Presidente Dilma foi uma pessoa importantíssima nessa trajetória minha. Não a conhecia antes. Conheci na função de superintendente de fiscalização, e, certamente, não foi uma conversa amena. Ela estava do outro lado, naquela época representando o agente com o estilo e o perfil dela. Nós tivemos embates importantes, e foi nessa postura que houve um reconhecimento de valores e princípios. Certamente, ela não indicou, não encaminhou meu nome por outra razão que não seja porque ela me conhecia e acreditava que eu era uma pessoa que podia dar minha contribuição na instituição.
Isso eu sou muito grato a ela porque nem sempre, mesmo que você ache que é capaz, a oportunidade pode surgir. Você pode preterir essa solução em relação a outra. Você pode achar que talvez aqui devesse ter uma pessoa mais maleável, mais política, que acomodasse mais as coisas. Não. Ela pensou diferente, indicou, e eu tive total liberdade para exercer com um grau de autonomia, de profissionalismo que eu entendo eu deveria exercer.
Desafetos: Brigas comprei? Sim. Mas, com quem não deveria ter um alinhamento pleno com esses princípios e esses valores. Quando eu falo que sou diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica, se vem alguém, por exemplo, um ministro, ‘eu sou o ministro de Minas e Energia do estado do Amazonas’, não vai dar certo, porque eu sou do setor elétrico brasileiro. Então, coisas que eu acredito, que eu faço, que eu defendo, eu tenho que ir nessa perspectiva.
É o que certamente eu já tive oportunidade de dizer para algumas autoridades. ‘Ah, Romeu é muito rigoroso, muito assim, muito assado. Às vezes não atende lá (não necessariamente com essas palavras) os meus interesses.’ Eu disse: ‘olha, eu não tenho nenhum constrangimento em atender o interesse de ninguém. Desde que, atendendo o interesse público, aquele interesse também está atendido.’
Então, essas brigas que você falou que eu comprei, comprei. Mas, na minha visão, e tenho recebido feedback de pessoas que eu considero muito, reconhecendo [meu trabalho] de alguma maneira. ‘Nem sempre você me agradou. Nem sempre concordei com tudo, mas te respeito pra caramba. Você fez o trabalho como você acreditava, com o nível de autonomia que você achou que devia. ’ Então, esse tipo de depoimento faz muita diferença, e, como eu falei: a opinião de quem eu não tenho em grande consideração tem uma importância relativa. Aquele que eu tenho em alta consideração, a opinião dele tem um valor diferenciado. É assim que é a vida.
Momento crítico em que pesou a responsabilidade de representar a Aneel como diretor-geral: Eu ate diria um exemplo bem recente, que foi aquela discussão da Medida Provisória 814. Mas tiveram outros, porque a Aneel tem um papel que nem todos talvez tenham conhecimento, que é subsidiar o formulador de politica. Faz parte do nosso papel, está no regimento. A Aneel precisa, é e correto que seja assim. A Aneel tem um conjunto de informação, tem a visão.
Costumo dizer que quem está plantando às vezes não conhece bem a semente que está semeando ali, e não tem consciência de que pode estar plantando um problemaço para ser administrado depois. Então, nós temos a obrigação de dizer ‘olha, na hora de plantar tenha cuidado. Essa decisão que está sendo tomada vai ter um impacto lá na frente.’
Essa discussão mesmo foi muito intensa, porque, por vezes, eu tive que me posicionar de uma maneira, e, com todo o respeito pessoal e profissional que eu tenho, [dizer] discordo do Ministério de Minas e Energia, do Ministério da Fazenda, do Congresso, do relator do processo. Ele não precisa necessariamente seguir o que eu acho que deve, mas eu tenho o direito; mais que o direito, a obrigação de dizer o que eu penso e qual é o efeito daquilo que esta sendo feito. E é o que eu falei: nem sempre as pessoas estão interessadas em fazer isso, em saber de verdade a sua opinião. Às vezes a pessoa pergunta, mas gostaria de combinar a resposta.
E aí, internamente, também é um certo desafio, porque os assuntos com os quais lidamos aqui são complexos. No processo decisório, a gente sabe que tem que ser construído o devido processo. Vai para o relator, vai para o colegiado. Mas eu represento institucionalmente a Aneel e, em algumas posições, não preciso, necessariamente, ter alguma deliberação da diretoria. Eu não devo falar em nome pessoal, mas falar de maneira institucional não significa ter unanimidade. Significa dizer que eu, como diretor-geral, tenho legitimidade para levar posicionamento da instituição. E o posicionamento da instituição é construído, e foi, nesse caso, construído internamente.
Desgaste pessoal: Então, essa coisa de representar institucionalmente representa desgaste? Sim. Certamente, eu diria a você, eu não devo ser a pessoa mais querida no mundo do Poder Executivo, do Poder Legislativo. Mas sou respeitado, porque eu não estou aqui para atender capricho de ninguém e fiz a coisa em que eu acredito. Está errado o que eu fiz? Mostra. Tudo o que eu faço, faço é de maneira transparente. Tem lá uma opinião e tem lá uma simulação. ‘Ah, não é bem isso”. Qual é a sua? Vamos contrapor. ‘Ah não, isso está tudo errado”. Se esta tudo errado, diga então qual é o certo. Também não é correto fazer assim. ‘Ah não, não concordo com aquilo”. Sim, com o que você concorda? Qual é a sua? É isso que eu acho que as pessoas às vezes não têm esse compromisso.
Poucas vezes eu tive que confrontar a pessoa para debater esse assunto, porque a pessoa que discorda mas não estabelece um diálogo para convencer ou ser convencido. Ela diz que discorda, não gosta. De novo: sofro com isso? Muito pouco.
Relacionamento da Aneel com Congresso, Executivo, Tribunal de Contas da União, Judiciário: Eu não tenho nenhuma duvida em afirmar [que a agência é] respeitadíssima. Isso me orgulha muito também. A instituição é reconhecida, é respeitada por todos os poderes. Órgãos de controle, como o TCU, eu mesmo já tive oportunidade de ir lá varias vezes com os ministros e com o presidente do tribunal, até para discutir um pouco esses limites em termos de competência. Não é nenhum capricho, até porque o sinal é importante. Quem é o regulador? O TCU? Não, é a Aneel. Já ouvi dos ministros do TCU que realmente… É claro que eles tem um tratamento das agências reguladoras de um modo geral, e nem todas estão no mesmo patamar. Mas um reconhecimento e um respeito muito grande pela Aneel tem. CGU (Controladoria Geral da União), TCU, Ministério Público, eu não tenho a menor dúvida disso.
O Poder Executivo é muito dinâmico. O ministério tinha uma equipe que estava até algum tempo que tinha uma visão no relacionamento. Tem outra agora completamente diferente, mas eu não reclamo de nenhuma falta de diálogo, de respeito, de reconhecimento dessa condição da Aneel de ser profissional, de ser técnica, de poder contribuir.
No Legislativo, é claro que tem vários parlamentares que eu não tenho a menor dúvida que têm alta consideração à Aneel. Eu tenho um excelente diálogo com a maior parte deles. E tem alguns que não. É exceção. Falando institucionalmente, a Aneel é muito respeitada. No Poder Executivo, não só o ministério [de Minas e Energia], é absolutamente corriqueiro Ministério da Fazenda, Ministério do Planejamento, Casa Civil quererem saber a opinião da Aneel sobre vários assuntos. Aliás, a maioria dos assuntos. Mas sabem já que o ministério não fala pela Aneel. Quer saber a opinião da Aneel, a Aneel tem voz própria. Isso é muito respeitado sim. Eu não diria que o relacionamento é ruim. Diria que há pessoas que não gostariam de ver uma agência com o nível de autonomia, com os posicionamentos que tem adotado a Aneel.
Eu costumo dizer que os próprios agentes. Às vezes a gente diz ‘poxa, é importantíssimo a Aneel, importante preservar a autonomia da Aneel’. Alguns diriam assim, ‘vamos completar a frase, desde que não contrariem meus interesses.’ Contrariou interesse, vamos repensar esse negócio. Eles mesmos é que vão lá ao ministério, vão ao Congresso. Quantos assuntos que são eminentemente regulatórios. Em vez de discutir isso na Aneel vão colocar lá uma emenda numa medida provisória, num projeto de conversão. ‘Ah, porque a Aneel é…’ Convença a Aneel. A Aneel é aberta. Dialoga. O que não pode pretender é decidir pela Aneel. Aporte seus comentários. Nós vamos levar em consideração, vamos analisar. Vamos dizer porque acatamos ou não acatamos. Agora, eu não preciso disponibilizar para você o que eu vou decidir para você dizer se concorda. Ai está capturada a agência reguladora. Não tem nada a ver. É aquele tripé: voce tem que ter atenção para o consumidor, para os agentes, para o ambiente de negócios, para o governo.
Equilíbrio na relação agente/consumidor: Na minha maneira de ver, essa é a essência do papel de um órgão regulador. É um pouco de cada coisa. Nesses pratos da balança, no prato do consumidor, especialmente o cativo, o pequeno consumidor, tem isopor. No prato do agente tem chumbo. Então, muitas vezes, pra equilibrar o prato voce tem que apoiar aqui. Vamos trazer esses dois pratos para o equilíbrio. Agora, é só tarifa baixa a qualquer custo? Não gosto de reajuste de 15%, então vou fazer um reajuste de 10%. Isso não existe. Onde está a origem disso? É lá que temos que atuar.
Temos visibilidade de toda a cadeia. Sabemos que tem o efeito retardado. A decisão de hoje vai impactar a tarifa daqui a um ano, um ano e meio, dois anos, ou até para sempre. E ai, na hora de fazer o processo tarifário, por exemplo, a parte visível do processo é a Aneel. É sobre ela que recai toda a responsabilidade daquele momento.
Desafios para o sucessor: É um pouco do que eu já falei. É manter essa instituição, de preferência aperfeiçoando a excelência, que não é um mérito meu, é um mérito da instituição Aneel. De fato, o setor elétrico e o Brasil esperam muito disso. A Aneel é agencia que é, muitas vezes, seguida por outras. Ela está na vanguarda de vários procedimentos, várias práticas. Então, ela é, em alguma medida, uma referência.
A nossa responsabilidade é muito grande nesse sentido, por atuar em um setor de infraestrutura tão relevante quanto o setor elétrico. É impactante qualquer problema de um [setor de] capital tão intensivo e com necessidade tão grande de aporte de investimentos. Portanto, o ambiente de negócios tem que ser confiável. É preciso que a gente consiga seguir passando a mensagem que aqui, sim, é confiável.
A responsabilidade de todas as pessoas que passam por aqui, e desses que agora chegam, porque teve, eu diria uma infeliz coincidência, isso é muito ruim, é indesejável, de, num período muito curto, concentrar a renovação dos mandatos de todos os diretores. Aqui, da nossa instituição, só o diretor André [Pepitone] que vai continuar. Todos os demais são novos. ‘Ah, mas já eram da casa”. Diferente. As agências não foram concebidas dessa forma. Isso foi uma falha lamentável. O projeto de lei que está em discussão pretende corrigir isso, mas isso foi muito ruim, porque não permitiu aquela mudança gradativa, o aculturamento, aquela coisa da pessoa chegar e conter um pouco aquele ímpeto de mudar.