O descasamento entre a leitura feita pelo modelo computacional Newave, que roda a operação do sistema, e a situação real dos reservatórios nas principais bacias do SIN, levou o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico a autorizar desde 1º de setembro a operação de termelétricas fora da ordem de mérito. A solução proposta contraria a recomendação do modelo de desligamento dessas usinas, para preservar a água das hidrelétricas.
“No mundo real, nos não vamos deixar os reservatórios ir a zero. Essa é a questão toda. Então, quando se roda o modelo, ele encontra uma solução que muitas vezes levará o reservatório abaixo do nível mínimo”, explica o diretor geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Eduardo Barata.
A previsão do ONS é de que na semana 8 a 14 de setembro sejam despachados no Sistema Interligado 3.268 MW médios de térmicas por garantia energética. Essa geração virá de térmicas a gás, a óleo combustível e a óleo diesel com Custo Variável Unitário acima de R$ 482, que é o Custo Marginal de Operação estabelecido para a próxima semana, até R$ 766,28/MWh, que corresponde ao CMO vigente na semana passada.
Barata explica que o Custo Marginal de Operação caiu em relação à ultima semana basicamente por duas razões. A primeira é a redução na previsão de carga para os próximos quatro anos, em consequência da desaceleração econômica. A segunda, as fortes chuvas que caíram em parte do Rio Grande do Sul em agosto e levaram o modelo computacional de operação do sistema a concluir que as precipitações iriam continuar. Essa sinalização influenciou, inclusive, uma nova queda do CMO para a próxima semana, embora a região não tenha capacidade de acumulação de água.
Para o ONS, é necessário trabalhar com um nível de armazenamento em torno de 15% no reservatório equivalente da região Sudeste ao final do período seco em novembro. E também com níveis que não podem ficar abaixo de 9% ou 10% nos chamados reservatórios de cabeceira das bacias dos rios Grande e Paranaíba – basicamente os das hidrelétricas de Furnas, Emborcação e Nova Ponte, em Minas Gerais -, que são importantes para a navegação na hidrovia Tietê-Parana.
Barata admite que existe, de fato “um desacoplamento entre o físico, que é a impossibilidade de levar a zero o reservatório equivalente, e o modelo, que não tem essa restrição.” Ele lembra que o programa foi concebido há muitos anos em um outro cenário, e que o país vem desde 2014 num ciclo de encher e esvaziar os reservatórios, porque usinas novas como as do rio Madeira (Santo Antônio e Jirau) e a de Belo Monte foram construídas sem estruturas de acumulação.
“Por esta razão é que nós propusemos ao CMSE manter as térmicas ligadas, de forma a não permitir um afundamento do nível do reservatório do Subsistema Sudeste”, justificou Barata em entrevista à Agência CanalEnergia. O modelo Newave simula as condições de operação do sistema a partir de séries sintéticas de vazões, mas, acrescenta o diretor, quando se analisa efetivamente as condições climáticas atuais, o cenário que se desenha para setembro, outubro e novembro são de meses muito secos.
Um dos cérebros por trás do Newave, a diretora da Engenho Consultoria, Leontina Pinto, garante que o nível dos reservatórios pode, sim, entrar como restrição no programa computacional. Uma parte do programa na qual ela afirma não ter trabalhado e que considera um problema grave é o modelo de geração séries. Segundo Leontina, a falha está em olhar o passado e fazer projeções a partir dele para o futuro.
“É sempre a mesma coisa: ele chega nessa época do ano, vê um pouquinho mais de água – e eu acho que vai chegar mais água, inclusive, então esse efeito vai se acirrar – e diz ‘ah, vai chover muito no futuro’”, afirma a consultora. “Ela usa uma histórico que começou em 1930 para prever 2020. O passado não representa mais o futuro. A gente está enfrentando uma seca que começou em 2012”, alerta Leontina. Ela acredita que o ideal seria, em vez de olhar o passado, usar projeções climatológicas, como já é feito em outro programa do ONS, o Decomp.
Daniela Souza, da Thymos Energia, afirma que o operador do sistema tem uma responsabilidade muito grande ao recomendar o acionamento de usinas mais caras e, por isso, precisa de autorização do comitê de monitoramento. Ela explica que essa decisão não é para ser tomada todo ano, mas o mercado sempre espera geração fora da ordem de mérito, porque sabe da limitação do modelo. “Você não sabe quando vai ser a geração fora da ordem de mérito, mas sabe que vai ter um pouquinho”, afirma Daniela.
Estudos da Thymos avaliam que ao término do período seco os níveis de armazenamento vão estar tão ruins quanto no ano passado. Em 2017, a discussão com o CMSE aconteceu eu outubro, enquanto esse ano a medida acontece já em setembro, o que é preocupante. Para a consultora, é possível incorporar ao programa Newave a restrição em relação ao nível dos reservatórios, mas essa é uma tarefa que a CPamp, a comissão encarregada de revisar o modelo computacional, deve consolidar somente no ano que vem.